Wálter Maierovitch

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Opinião

Direita racha e a França entra em ebulição política

Sou do tempo em que a língua francesa, da Revolução de 1789, dos iluministas, enciclopedistas, do "mal do século" do romantismo de Chateubriand e do simbolismo de Musset, era a preferida. A língua inglesa, dos imperialistas norte-americanos, era posta de lado, não empolgava. A língua francesa, dos intelectuais, não virou universal, a inglesa, sim. Mas, continuo a resistir.

Na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde ingressei e colei grau, acompanhava-se a política francesa e as imperdíveis palestras do professor Ignacio da Silva Telles, irmão do saudoso professor Goffredo, ambos igualmente brilhantes.

O tempo passou. E continuaram ao meu lado o direito e a vida política na Itália e na França, com leituras de jornais, agora eletrônicos e por assinaturas. Mas sem mais as visitas à livraria Francesa, durante anos no centro paulistano (rua general Jardim), em bairro apelidado de "boca do lixo", pelas casas noturnas de prostituição. No complexo da livraria funcionava o teatro da Aliança Francesa.

No momento, vejo uma França em que a direita rachou e o presidente Emmanuel Macron poderá emplacar maioria parlamentar. O impossível está por acontecer.

Não foi só Macron, presidente francês, que saiu derrotado das eleições ao parlamento europeu. O socialista alemão, chanceler Olaf Scholz, também perdeu feio. O mesmo sucedeu com o demissionário premiê Belga, Alexandre De Croo.

No entanto, Macron foi o único líder derrotado a partir para uma espécie de tudo ou nada, com a dissolução do Parlamento francês e a designação de eleições em 20 dias.

Um delirante, para alguns. Como, em um regime semipresidencialista, ele vai se sustentar no mandato com um novo parlamento, que lhe seria hostil?

O jogo de Macron

Para alguns analistas políticos europeus, Macron cometeu suicídio político, pois tem um bom tempo de mandato presidencial a cumprir. O momento da deliberação de Macron colocava a direita, com Marine Le Pen à frente, na sucessão para as futuras eleições presidenciais.

Por duas vezes, em eleições presidenciais anteriores (2017 e 2022), Le Pen perdeu para Macron. Agora, Macron não poderá candidatar-se a um terceiro mandato, mas quer fazer sucessor.

No entanto, com a vitória nas eleições europeias, Le Pen, líder do partido Rassemblement National (União Nacional), embalou.

Fora isso, a direita cresceu e ameaçou, no âmbito da União Europeia, os partidos de Ursula van der Lyen (Partido Popular Europeu, com 185 cadeiras agora obtidas), os socialistas e verdes.

A exceção à direita ficou por conta da derrota do premiê húngaro Viktor Orban. A Hungria tem um opositor a Orban: chama-se Peter Magyar. Ele era tido, até romper, como um delfim de Orban. Só que, como ensina a história, autocratas não formam sucessores políticos e Orban já tinha sido cinco vezes primeiro ministro.

Na primeira coletiva à imprensa após a derrota nas eleições do Parlamento Europeu, Macron deu a primeira pista da sua estratégia política. Falou em "teste da verdade". Ele ressaltou: "Um teste da verdade entre aqueles que escolhem em fazer prosperar os próprios negócios e quem tem por meta fazer prosperar a França".

Durante o segundo e último mandato, Macron, já tido como socialista e hoje dado como centrista populista, tentou conquistar a maioria no Parlamento. Como não conseguiu, Macron vai tentar uma reviravolta. Enfrentar a direita, tentar vencer e lograr a maioria parlamentar para os seus últimos anos de mandato presidencial.

Sorte virando: primeiro ato

Macron irá buscar alianças com os centristas e a esquerda, apesar do desprestígio que os franceses impuseram ao radical esquerdista Jean-Luc Mélechen. A candidata de Mélechen, Manon Aubry, não teve sucesso e sua votação foi inexpressiva.

A virada de Macron começou com o racha dos republicanos, onde pontificou o herói nacional Charles De Gaulle. E na sua sucessão surgiram Pompidou, Chirac e o polêmico Sarkozy.

O atual presidente do chamado partido dos gaullistas, Les Républicains, o político Eric Ciotti, anunciou aliança com Marine Le Pen e apoio total ao direitista Rassemblet National.

O partido de Le Pen leva, como tatuagem não removível, a imagem da França de Vichy, da colaboração com o nazismo na Segunda Guerra. Na França de Vichy, o governo autoritário do marechal Philippe Pétain - um filo-hitlerista estrelado - foi considerado por historiadores como traidor da pátria francesa. De Gaulle foi o grande inimigo de Pétain.

Ciotti, em uma linguagem política, avançou e cruzou a linha sanitária. Atravessou para o lado do esgoto, onde paira soberana Marine Le Pen

Convém recordar: o pai de Marine Le Pen, o nazifascista Jean Marie Le Pen, já sofreu condenação definitiva por injúria racial. Aí deixou a vida política, com a filha na sucessão.

Os jornais franceses, sobre esse episódio, destacaram a manifestação da parlamentar de esquerda e líder feminista Sandrine Rousseau: "Tenha vergonha na cara Ciotti. Você é indigno".

Os filiados ao partido Les Républicains estão na direita democrática, mas nunca, jamais, com os do partidos Rassemblement National, de Le Pen. Muitos não votariam em liderados por Macron, mas, agora e pela fúria a Ciotti, já pensam em mudar de ideia e apoiar uma aliança contra Le Pen e o fascismo.

Sorte virando: segundo ato

A líder de outro partido de direita francês, o Reconquête (reconquista), é Marion Maréchal. Ela é sobrinha de Marine Le Pen. Sempre serviu de linha auxiliar à tia, em especial quando esta teve de maneirar o discurso, para dar verniz nacionalista e esconder a matriz nazifascista.

Marion, nas europeias, esteve ao lado de Le Pen e declarou apoio nas eleições ao novo parlamento francês. Só que, para surpresa, retirou o apoio do Reconquête.

O motivo do recuo: o jovem Jordan Bardella, mais votado da direita. Com 28 anos, ele é membro do Rassemblement National e colidiu de frente com Eric Zemmour, expoente radical do Reconquête. Para Bardella, Zemmour é um radical que só tira votos.

A manifestação de Bardella não agradou a Marion Maréchal, que apoiou o seu companheiro do Reconquête. Mais ainda, rompeu a aliança com a tia Le Pen.

Em síntese apertada: a direita rachou e Macron deverá se aproveitar da situação, até porque faltam menos de 20 dias para o primeiro turno eleitoral.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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