Jornalista presa: Irã viola dignidade e atenta contra direito internacional
A jornalista italiana Cecília Sala está presa há 11 dias com base em acusação genérica (violação à lei iraniana). Encontra-se custodiada no temido presídio de Evin, reservado a presos políticos no Irã.
O tratamento prisional é cruel e atenta contra a dignidade humana. O Irã afronta o direito internacional.
Sala dorme no chão frio, sem travesseiro. Nessa época do ano, a temperatura é baixa e não existe sistema de aquecimento. Ela recebeu dois cobertores.
Para ir ao banheiro precisa bater à porta da cela e esperar, às vezes por horas, para ser atendida.
A refeição é de péssima qualidade e baixa quantidade nutricional.
Como sabem até as paredes dessa masmorra dos aiatolás, a desumanidade e a tortura psicológica levam a resultados desejados pelo regime. Por exemplo, Sala poderá assinar qualquer documento admitindo a sua culpa por crimes que, até agora, os aiatolás ainda não conseguiram detectar.
Sala é jornalista experiente. Já fez reportagens no Irã e sabe bem dos limites e como agem as polícias de costumes. Esteve a fazer reportagem quando os talibãs voltaram a governar o Afeganistão. Também atuou como jornalista em uma Kiev sob bombardeio russo.
Tortura psicológica dos aiatolás
Outro expediente conhecido em Evin consiste, após a fase de isolamento, em fornecer contatos com mulheres presas por ativismo contra o regime. Isso leva, logo depois, a acusações de cumplicidade contra as que buscam derrubar o regime teocrático e atentar aos preceitos religiosos.
Moeda de troca
No mundo civilizado, todos sabem que a jovem jornalista italiana está sendo usada como moeda de troca pela teocracia iraniana.
Sala foi presa em um hotel de Teerã, onde estava regulamente autorizada pelo regime iraniano, dois dias depois da prisão em flagrante delito, no aeroporto Malpensa de Milão, do engenheiro iraniano Mohammad Abedini Najafabani. Abedini é a moeda de troca.
Os norte-americanos monitoravam o engenheiro Abedini desde a Suíça, onde negociaria drones militares. Um desses drones, montado com a sua tecnologia, teria atingido e matado um soldado norte-americano. Os EUA avisaram a Itália da presença do engenheiro em território italiano.
Para os norte-americanos, conforme a coluna já destacou, o iraniano Abedini é terrorista e fornece tecnologia militar aos Pasdaran (Guarda Revolucionária Islâmica considerada terrorista pelo governo dos EUA). Mais ainda: promoveria violações às leis de exportação de armas (drones usados na Ucrânia) e forneceria suporte ao terrorismo.
Na Itália, Abedini foi preso com material considerado contrabando e na posse de documentos secretos sobre tecnologia desenvolvida em cooperação entre Itália e EUA.
Violação à dignidade
O direito internacional público, chamado direitos das gentes, determina tratamento digno a todos os presos.
Num jogo de cena, os iranianos receberam da embaixatriz italiana Amadei um pacote para entrega à jornalista Sala. No pacote, havia produtos de higiene pessoal, um panetone e uma máscara de dormir — na cela, sem janelas, a luz fica acessa 24 horas.
O pacote não foi entregue, ao contrário do prometido à embaixatriz Amadei.
No pacote foram colocados quatro livros conhecidos da literatura italiana, sem proibição no Irã. Como na cela a leitura é proibida, os livros — caso ainda seja entregue o pacote — serão retirados.
Atenção: Abedini está em cela individual do presídio milanês Opera. Tem televisão no quarto e banheiro privativo. Pode receber todos os dias o seu advogado e semanalmente visitas.
Óculos
Até o par de óculos foi tirado da jornalista. Uma prevenção para evitar que use a armação e lentes para se suicidar.
Telefonemas
Pelo código penitenciário italiano, Abedini pôde realizar três ligações telefônicas. Falou com a esposa, filhos e a mãe em Teerã.
Disse ser um cientista, e não terrorista, e temer a extradição, pois, pelas acusações, as penas poderão variar de 40 anos à prisão perpétua.
Pelo diálogo mantido, Abedini tratou de repassar, via familiares, preocupação com a extradição, como para que enviassem recado ao regime dos aiatolás.
Com base na reciprocidade, a jornalista Sala pode telefonar rapidamente para os pais e ao companheiro jornalista Danielle Ranieri.
Sua primeira frase foi pedir pressa na sua liberação. Reclamou do frio, de dormir no chão úmido e gelado.
O regime dos aiatolás não está a conferir nenhum tratamento humano à jornalista, sem acusuação formal, especificada.
Como o mundo civilizado sabe, todos os presos políticos do cárcere de Evin são mantidos em condições desumanas.
Direito internacional
Além das violações humanitárias, contra a jornalista pende a acusação genérica de violação às leis do Estado iraniano. Não há referência a fato concreto tampouco enquadramento legal.
Trata-se de brecha a facilitar a soltura, no caso de troca com Abedini.
Tribunal
Hoje, a Corte de Milão começa a apreciar, depois de colher parecer do Ministério Público, o pedido de extradição formulado pelos EUA.
Para juristas italianos, a saída legal mais rápida seria a Itália expulsar administrativamente Abedini do país e aguardar que os aiatolás promovam o relaxamento da prisão da jornalista Sala.
Os EUA não aceitarão, sem futura represália diplomática, a soltura de Abedeni.
Como lembraram os norte-americanos no pedido de extradição de Abedini, a Itália concedeu prisão domiciliar a Athen Uss, um extraditando russo, perigoso contrabandista de armas de guerra. Uss rompeu a pulseira eletrônica (na Itália usa-se pulseira e não tornozeleira) e fugiu para evitar o julgamento da extradição.
Pano rápido. Quando mais tempo durar a prisão de Abedini, de 38 anos, mais afrontas à dignidade de Sala serão reiteradas.
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