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Wilson Levy

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A política cicloviária da cidade de São Paulo e a participação social

Colunista do UOL

30/12/2021 19h02

A implantação da política cicloviária na cidade de São Paulo, a partir de 2013, foi um evento que gerou um intenso debate na esfera pública paulistana. Numa cidade que se espraiou graças à prioridade quase absoluta dada ao transporte individual motorizado, a integração desse novo modal - a bicicleta - gerou tensão e disputa pelo escasso espaço disponível.

A medida obedeceu a diversas premissas baseadas em evidências. Como política de mobilidade, a diversificação de modais importa num uso mais racional da infraestrutura disponível. Além disso, bicicletas não geram impacto ambiental e seu uso reduz o sedentarismo e melhora a relação do usuário com o espaço urbano.

Reservar um espaço para os ciclistas, ademais, resolve um problema grave de segurança. Dados históricos do Infosiga SP, do Governo de São Paulo, indicam que entre janeiro de 2019 e novembro de 2021, foram registrados 4.937 acidentes não fatais e 108 acidentes fatais envolvendo o uso da bicicleta, número esse 21% maior considerando o período entre 2016 e 2018, com 85 acidentes fatais. O número mostra que mesmo com as ciclovias este público segue bastante vulnerável no seu deslocamento.

Por sua importância e repercussão prática, este é um assunto que tem merecido bastante atenção por parte da academia. O internacionalista Caio Victor Aloe se debruçou sobre ele na dissertação de mestrado que defendeu no último dia 21 de dezembro de 2021 no programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Universidade Nove de Julho (UNINOVE). Intitulado "A influência de grupos de interesse na definição da política cicloviária da cidade de São Paulo (2013-2019)", o trabalho foi realizado com base em pesquisa bibliográfica, documental e em entrevistas com atores da sociedade civil e do Poder Público.

Alguns de seus achados mostram elementos bastante relevantes.

Veja-se, por exemplo, que no período foi editada a Lei Municipal nº 16.738/2017, para obrigar a realização de audiências públicas para implantação de cada trecho da malha cicloviária. Vista isoladamente, a lei é um reforço para o dever de escuta dos cidadãos pelo Poder Público. No entanto, ela não se aplica para a construção de túneis, pontes e ampliação de faixas para carros. Isso evidencia uma falta de critério que tem todas as características da tática de interdição decisória, já foi abordada nesta coluna.

Caio também identificou a atuação de agentes ligados a lideranças locais, associações e outros grupos que pressionaram tomadores de decisão fora dos espaços públicos de participação e, portanto, sem transparência. Embora não seja ilegal conversar com um vereador, por exemplo, questiona-se o impacto disso na percepção daqueles que foram às audiências públicas sobre o real alcance de sua contribuição na construção da política pública, o que pode, a depender do resultado, ser um fator de descrença na democracia.

Outra contribuição importante para a literatura especializada é a identificação de grupos com características próprias no decorrer do processo de participação, que nem sempre são visíveis nas obras de referência sobre o tema, e que merecem análises segmentadas: cidadãos comuns, grupos de interesse, instituições, lobistas.

A pesquisa concluiu o seguinte:

  1. O governo deve garantir que o processo de participação seja transparente e solicitar feedbacks periódicos sobre possíveis melhorias e percepções sobre suas etapas e metodologia.
  2. As etapas de escuta e o alcance da participação das pessoas têm que ser definidos e esclarecidos no início do processo de construção de uma política pública.
  3. Quanto mais cedo ocorrer o envolvimento da população, principalmente na discussão dos propósitos da política pública, maiores serão as chances dela ser aceita e incorporada.
  4. O acesso a técnicos envolvidos na construção da política pública para diálogo e esclarecimento de dúvidas é importante para o relacionamento entre Estado e a sociedade civil.
  5. O advocacy de grupos de interesses sobre determinada política pública pode ser benéfico para o governo, garantindo aportes técnicos relevantes e aprendizagem mútua.
  6. Apesar do Estado ter a decisão final sobre uma política pública, as decisões devem ser claras e motivadas para que tenham maior legitimidade.

Por fim, o trabalho indicou a necessidade de aperfeiçoar a compreensão do lugar da participação social nas políticas públicas. Ela pode incrementar seu sentido de legitimidade e tem boas chances de melhorar sua qualidade, mas sua conversão em processo interminável e burocrático pode atrasar o planejamento das cidades.

Caio Aloe é internacionalista e mestre em Cidades Inteligentes e Sustentáveis pela Universidade Nove de Julho (UNINOVE). E-mail: caio.aloe.matos@gmail.com

Wilson Levy é advogado, doutor em Direito Urbanístico pela PUC-SP com pós-doc em Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É diretor do programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da UNINOVE. E-mail: wilsonlevy@gmail.com