Vídeo tira de contexto frase de Ana Arraes sobre 'agressão' de João Campos
É enganoso um vídeo que sugere que o deputado federal João Campos (PSB), candidato à Prefeitura do Recife, agrediu fisicamente a própria avó, a ministra do Tribunal de Contas da União (TCU) Ana Arraes. O vídeo reproduz apenas alguns segundos de uma entrevista de 14 minutos em que Ana Arraes se queixa de uma briga pública entre João e o tio, o advogado Antônio Campos, presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), órgão ligado ao Ministério da Educação.
Na época, João afirmou que o tio era "um sujeito pior" do que o então ministro da Educação Abraham Weintraub, que participava de uma audiência pública na Câmara Federal. Nas duas vezes em que se manifestou sobre esse episódio, em dezembro de 2019 e em janeiro de 2020, Ana Arraes defendeu o filho e disse se sentir agredida pela fala do neto.
Procurada pelo Comprova, Ana Arraes disse que não iria se manifestar sobre o episódio. Também procuramos a assessoria de imprensa de João Campos, mas não recebemos resposta até a publicação desta verificação.
O blogueiro Ricardo Antunes, que publicou o vídeo nas redes sociais, disse que estava apenas buscando informar sobre uma peça de desconstrução de imagem, feita contra o candidato. A postagem dele, porém, não deixa claro que a declaração foi retirada do seu contexto original.
Como verificamos?
Para essa verificação, o Comprova resgatou matérias publicadas na imprensa sobre as críticas mútuas feitas por João Campos e o tio, Antônio Campos, e sobre as declarações de Ana Arraes na época. Também ouvimos na íntegra a entrevista em que a ministra do TCU profere as frases ressaltadas no vídeo verificado, para entender em que contexto ela afirmou que o neto a "agrediu".
Procuramos a ministra Ana Arraes pelo WhatsApp e pela assessoria de imprensa do Tribunal de Contas da União (TCU). Também entramos em contato com a assessoria de João Campos. Por fim, conversamos com o blogueiro Ricardo Antunes, que publicou o vídeo nas redes sociais.
Verificação
Contexto da fala de Ana Arraes
Em dezembro de 2019, o deputado federal João Campos criticou a gestão do então ministro da Educação, Abraham Weintraub, durante uma reunião da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Ao responder às críticas do parlamentar, Weintraub lembrou que um tio de João, o advogado Antônio Campos, conhecido como "Tonca", ocupa o posto de presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), órgão ligado ao MEC. O deputado pernambucano, então, respondeu: "Eu nem relação eu tenho com ele. Ele é um sujeito pior do que você".
O episódio deu início a uma crise interna na família, tradicional na política pernambucana. Um dia após a troca de ataques entre João e o tio, a ministra do Tribunal de Contas da União, Ana Arraes, avó de João Campos e mãe de Antônio Campos, se manifestou pela primeira vez, dizendo que não admitiria grosserias entre os familiares. "Eu não vou admitir agressões suas contra Tonca. Ele nunca lhe agrediu", afirmou a ministra, que disse se sentir desrespeitada pelo neto.
Em janeiro de 2020, Ana Arraes deu uma longa entrevista ao Blog de Jamildo, do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação. O áudio verificado pelo Comprova é um trecho dessa entrevista que foi retirado de contexto.
Questionada sobre o episódio e se ainda estava magoada com o neto, a ministra respondeu: "Eu espero que ele me peça desculpas. Se ele não me pedir, nem me procurar, o problema é dele. Quem me agrediu foi ele. Eu não o agredi. Nunca agredi nenhum neto. Pelo contrário, sempre fui avó. (risos) Eu sou uma pessoa calma, uma pessoa que tem tranquilidade para resolver as coisas. Mas tem coisas que a gente não pode admitir. Porque eu fui criada e aprendi desde cedo a ter respeito às pessoas."
Em outro momento da entrevista, quando perguntada se a família não fez as pazes durante o Natal, ela nega. "Ele não me procurou. Ele é quem tem que me procurar. Porque o agressor é quem tem que procurar o agredido."
Em todos os momentos em que fala sobre ter se sentido agredida, portanto, a ministra se refere, então, às críticas públicas que o neto fez ao próprio tio, não a uma eventual agressão física. Procurada para comentar sobre o assunto, a ministra disse que não iria se manifestar. Até a publicação desta verificação, a assessoria de imprensa de João Campos também não se manifestou.
Vídeo e autor
O vídeo reproduz apenas alguns segundos da entrevista com as mensagens "João Campos agrediu a própria avó" e "quem agride a própria avó não respeita ninguém". A peça viralizou no momento em que o deputado federal do PSB disputa o segundo turno das eleições no Recife com uma prima, a também deputada federal Marília Arraes (PT). O conteúdo chegou ao Comprova por sugestão dos leitores, após ter circulado no WhatsApp, e também no monitoramento de redes sociais.
No Instagram, o vídeo foi publicado pelo blogueiro Ricardo Antunes. Ao Comprova ele disse que tem reproduzido memes criados durante a campanha eleitoral e vídeos produzidocriados com a função de atacar os concorrentes. "O critério, nesse caso, é que ela tenha algo verdadeiro (como essa briga que ele teve com a avó durante a questão do tio) e se encaixe como peça de 'desconstrução de imagem' do candidato", explicou. O objetivo seria mostrar até onde os candidatos vão para tentar desconstruir o adversário.
No caso desse vídeo específico, o blogueiro informou que o recebeu por WhatsApp de várias fontes diferentes.
A proposta, porém, não é explicada na publicação dele. O perfil de Antunes costuma ter conteúdos noticiosos e a única indicação de que a postagem do vídeo é um conteúdo distorcido é a expressão "Guerra de Propaganda" na legenda. No entanto, uma pessoa que olhar apenas essa postagem isolada dificilmente entenderá esse contexto.
Antunes já foi preso em flagrante, em 2012, acusado de extorsão. Ele foi solto após quatro meses e, na época, alegou que a prisão teria motivações políticas.
Atualização [em 27 de novembro]
Um dia após o Comprova publicar a verificação, a ministra Ana Arraes divulgou uma nota à imprensa confirmando que não houve agressão física e que o trecho da gravação que tem circulado nas redes sociais está fora de contexto. "Não admito a utilização de meu nome, sobretudo em peças com viés claro de fake news, tentando prejudicar alguém da minha família. Nunca fui agredida por nem um (sic) dos meus netos, com os quais tenho uma relação de amor profundo e carinho", afirma no texto. Na nota, Ana Arraes ainda lembra que, como ministra do TCU, é impedida pela legislação de assumir posições políticas ou pessoais no processo eleitoral.
Por que investigamos?
Em sua terceira fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre as eleições 2020, a pandemia de covid-19 e políticas públicas do governo federal que tenham viralizado nas redes sociais. Peças de desinformação sobre a eleição podem levar as pessoas a decidirem o seu voto a partir de informações incorretas. O vídeo verificado aqui foi compartilhado por WhatsApp e teve 1,7 mil visualizações no Instagram até o dia 26 de novembro. Trechos da entrevista também foram publicados no Twitter, com menor alcance.
Sobre candidatos, o Comprova já mostrou ser falso que Guilherme Boulos (PSOL), candidato à Prefeitura de São Paulo, tenha cobrado aluguel de moradores sem-teto; e que o prefeito da capital paulista, Bruno Covas (PSDB), tenha proibido o uso de hidroxicloroquina na cidade. O Comprova também já mostrou que o ataque hacker a sistemas do TSE não viola a segurança da eleição; que a justificativa dos eleitores não pode ser transformada em voto válido; e que o sistema de voto eletrônico do Brasil pode ser auditado.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos; que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
*O material foi produzido por veículos integrantes do projeto Comprova: Jornal do Commercio, Marco Zero e Piauí
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.
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