É falso que Bolsonaro enviou a estados máquinas que Dilma doaria a África
É falso que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) tenha organizado uma doação frustrada de máquinas pesadas a países da África e que agora o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) estaria direcionando os equipamentos para cidades brasileiras. Estas alegações são ditas por um homem em um vídeo no qual aparece um maquinário sendo transportado em caminhões.
Não há nenhuma notícia na imprensa profissional de que Dilma teria planejado doar máquinas para o continente africano durante sua gestão. Também não há informações de que a gestão Bolsonaro tenha encontrado máquinas disponíveis para distribuir aos municípios.
O Ministério do Desenvolvimento Regional tem um programa que fornece máquinas pesadas a municípios de baixa e média renda. As máquinas são compradas com dinheiro de emendas parlamentares. A tática ganhou força no governo Bolsonaro como forma de ganhar apoio de congressistas em votações importantes e é alvo de apurações dos órgãos de controle do Executivo federal.
Tentamos contato com o usuário que compartilhou o vídeo, porém, não tivemos resposta. Não foi possível identificar quem fez a gravação.
O Comprova considerou o conteúdo falso por ter sido inventado que as máquinas foram compradas no governo Dilma e que seriam doadas para países africanos.
Como verificamos?
O primeiro passo foi pesquisar no Google pelas palavras-chave "Dilma", "máquinas" e "África", que não trouxe nenhum resultado na mídia profissional. Encontramos algumas matérias que falam sobre parcerias para vendas de máquinas à Nigéria, tanto no governo Dilma quanto no de Temer (MDB).
A partir disso, pesquisamos por "máquinas" e "nordeste". O resultado mostrou um programa do governo Bolsonaro chamado Máquinas do Desenvolvimento. Na sequência, comparamos as máquinas que aparecem nas fotos do programa com as que são mostradas no vídeo viral e foi possível ver as semelhanças, tais como a logotipia do programa, o nome da empresa e o logotipo do governo federal.
Para ter certeza de que essas máquinas não foram compradas durante o governo Dilma, o Comprova procurou no Diário Oficial da União, no Painel de Compras do Ministério da Economia e no Portal da Transparência por compras pelo governo de produtos da XCMG.
Também tentamos contato com a XCMG, com o Ministério do Desenvolvimento Regional e com a Controladoria-Geral da União, mas não obtivemos retorno.
Por fim, tentamos contato com o autor da postagem no Tiktok por meio do perfil dele no Linkedin. Também tentamos contato com a secretaria municipal de Maurilândia, onde a pessoa trabalha, mas não fomos atendidos.
Verificação
Dilma Rousseff doou máquinas para a África?
Ao procurar pelas palavras-chave "Dilma", "máquinas" e "África", não foi possível localizar nenhuma reportagem que informasse que o governo federal teria doado máquinas para o continente africano. Este já era um indicativo de que o conteúdo pudesse ser falso, pois uma política pública como essa seria amplamente noticiada em veículos da imprensa profissional.
Algumas reportagens falam em parcerias de venda de máquinas — e não doação — para a África. Em fevereiro de 2013, o jornal Extra informou que a então presidente Dilma, durante viagem à Nigéria, anunciou cooperação em pesquisa na agricultura. Também buscava parcerias na comercialização de máquinas e equipamentos agrícolas.
Em 2016, a gestão de Michel Temer (MDB) também mirou parcerias com o governo nigeriano. Como mostrou o jornal Valor Econômico, o governo federal planejava abrir uma linha de crédito de US$ 1,1 bilhão para financiar a venda de máquinas e equipamentos agrícolas. O plano era fazer frente à influência chinesa no continente africano. As negociações ainda envolviam a venda de fertilizantes, sementes, pesticidas e marketing.
Máquinas possuem logo de programa federal
Ao procurar pelas palavras-chave "máquinas" e "nordeste" no Google, é possível encontrar uma notícia no site do governo federal sobre a entrega de máquinas pesadas na Paraíba. A ação faz parte do programa Máquinas do Desenvolvimento, do Ministério do Desenvolvimento Regional, que oferece maquinário de infraestrutura para municípios de baixa e média renda. A iniciativa não é exclusividade da gestão Bolsonaro, como mostra esta notícia da Agência Brasil, de 2014.
A informação sobre a entrega do maquinário na Paraíba possui uma foto das máquinas. Elas têm um logotipo que é semelhante ao que aparece no início do vídeo viral.
Mais adiante no vídeo, outra máquina aparece com um adesivo diferente. Ele possui o logotipo do governo Bolsonaro, "Pátria Amada Brasil", e setas verdes apontando para cima. Este padrão também aparece na foto publicada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional.
Entramos em contato com o Ministério do Desenvolvimento Regional para questionar se a pasta reconhece as máquinas como sendo do programa e se as informações da postagem viral seriam verídicas, mas não obtivemos resposta.
Em seu site, o ministério informa que as máquinas foram adquiridas por meio de emendas parlamentares. Como revelou o jornal Estadão, o governo Bolsonaro liberou bilhões de reais a um grupo de deputados e senadores aliados que determinaram o que fazer com o dinheiro com pouco critério técnico ou transparência. Muitos equipamentos são comprados com valores acima do valor de referência estipulado pela administração pública.
O caso ficou conhecido como "tratoraço", pois grande parte dos valores foi direcionada pelos parlamentares para a compra de tratores e outras máquinas em suas bases eleitorais. Os principais órgãos utilizados para direcionar os recursos são o Ministério do Desenvolvimento Regional e a empresa estatal vinculada Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
O Tribunal de Contas da União já solicitou acesso aos documentos do Palácio do Planalto para apurar o esquema. A área técnica do Tribunal afirma ter encontrado indícios de irregularidades envolvendo a transparência e os critérios para a distribuição dos recursos.
Compras do governo federal com a empresa
Assim como as máquinas do programa Máquinas do Desenvolvimento, as do vídeo viral também foram fabricadas pela empresa XCMG, como é possível ver nos logos.
Com essa informação, buscamos por compras que o governo poderia ter feito da empresa. O Ministério da Economia sugeriu que a consulta fosse feita pelo Painel de Compras, porém a ferramenta só tem dados a partir de 2017. A pasta também disse que as informações podem ser consultadas pela API de Dados Abertos — com informações referentes até 2001. Na ferramenta só constam contratos da empresa com o governo desde 2017, ou seja, quando Dilma não era mais presidente.
Também fizemos a busca pelo Portal da Transparência. O resultado mostrou duas compras em 2016, porém elas foram realizadas em novembro e dezembro, quando Dilma não estava mais na presidência, e ambas se referem à aquisição de somente uma pá carregadeira sobre rodas, no valor de R$ 216.999.
A Controladoria-Geral da União apontou um sobrepreço de até R$ 130 milhões no edital 22/2020, feito pelo Ministério do Desenvolvimento Regional para concentrar a compra das máquinas. Deste total, R$ 101 milhões seriam de um contrato com a XCMG para a compra de 1.544 motoniveladoras.
Tentamos entrar em contato com a XCMG para confirmar se a empresa vendeu algo para o governo Dilma, mas nenhum e-mail foi respondido e ninguém atendeu os telefones.
Quem é o autor
O vídeo foi postado no Tiktok pelo perfil @edsonmelo787. Em seu perfil na rede social, ele diz que é de Maurilândia, no Tocantins, e que trabalha com gestão pública. No Linkedin, Melo informa que é secretário Municipal de Controle Interno na Prefeitura Municipal de Maurilândia. Apesar disso, o site da prefeitura informa que o cargo é ocupado por Neilson Monteiro de Castro.
Procurado, não respondeu.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos sobre políticas públicas que atinjam alto grau de viralização nas redes sociais. Este vídeo foi compartilhado em diversas plataformas.
Obras públicas são uma das principais formas pelas quais o presidente Jair Bolsonaro faz promoção de seu governo. Isso faz com que muitos conteúdos sobre o tema viralizem nas redes sociais e isso abre espaço para a desinformação.
Já mostramos ser falso que o asfalto que cedeu em trecho da BR-319 fosse obra do atual governo. Também comprovamos que não era verdade que o governador da Bahia, Rui Costa (PT), estivesse desfazendo uma obra do governo federal no estado.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
O Comprova é um projeto integrado por 40 veículos de imprensa brasileiros que descobre, investiga e explica informações suspeitas sobre políticas públicas, eleições presidenciais e a pandemia de covid-19 compartilhadas nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens. Envie sua sugestão de verificação pelo WhatsApp no número 11 97045 4984.
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