Temer usa dados não oficiais e ignora rombo nas contas em discurso na ONU
O presidente Michel Temer (PMDB) misturou dados precisos com outros sem base técnica para defender o seu governo durante o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, nesta terça-feira (19), em Nova York.
Foi a segunda vez que Temer discursou na Assembleia como presidente da República (a primeira havia ocorrido em 2016, pouco após assumir o governo de forma definitiva).
O UOL selecionou quatro trechos do discurso de quase 20 minutos e questionou especialistas e órgãos do governo para checar a consistência das informações.
Em seu discurso, Temer disse que o Brasil está “resgatando o equilíbrio fiscal” apesar dos sucessivos rombos nas contas públicas de 2016, de 2017 e da estimativa para 2018.
Temer também usou dados sem lastro em fontes oficiais para defender que houve redução no desmatamento da Amazônia.
“Estamos resgatando o equilíbrio fiscal e por ele a credibilidade da economia”
FALSO: Os dados oficiais indicam que o país não apenas não “resgatou” o equilíbrio fiscal como estaria mais distante dessa meta.
As contas públicas do governo federal terminaram o ano de 2016 (quando Temer já era o presidente) com um rombo de R$ 154 bilhões.
Neste ano, o governo ampliou o rombo das contas públicas em relação ao ano passado, saindo de R$ 154 bilhões para R$ 159 bilhões em 2017 e em 2018. A ampliação foi proposta pela equipe econômica do governo federal, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada por Temer no último dia 13.
Para o economista e professor da UnB (Universidade de Brasília) Roberto Boccaccio, a ampliação das estimativas de rombo nas contas públicas e a redução da capacidade de arrecadar tributos do atual governo impedem que se fale em resgate do “equilíbrio” fiscal.
“O governo tem aumentado as projeções de deficit nas contas e viu sua capacidade de arrecadar diminuir. Não se pode falar em equilíbrio fiscal tendo esses dois fatores juntos”, disse.
Procurada pela reportagem, a Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República) disse que não iria comentar o discurso do presidente. O Ministério da Fazenda também não citou as fontes numéricas que embasaram a fala.
Por e-mail, a assessoria de imprensa do ministério disse que “o teto de gastos, aprovado no fim do ano passado, é uma das medidas adotadas pelo governo para garantir o equilíbrio fiscal” e que a “reforma da Previdência é outra medida fundamental para [...] garantir que as contas públicas voltem a ter uma evolução mais equilibrada”.
“Meu país, e é com satisfação que eu digo, está na vanguarda do movimento em direção a uma economia de baixo carbono”
CONTESTÁVEL: Apesar de o Brasil ainda ter uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo (ver no tópico seguinte) e de ter assinado o Acordo de Paris (que estipula reduções de emissões de gases do efeito estufa, por exemplo), o país ainda prevê fortes investimentos em fontes de energias não renováveis como os combustíveis fósseis.
Segundo o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Ritll, o PDE (Plano Decenal de Expansão de Energia) mais recente proposto pelo governo e que ainda está em fase de discussão, indica que o Brasil vai alocar 70,6% dos seus investimentos em energia em fontes fósseis. Observatório do Clima é uma rede que reúne organizações da sociedade civil que discutem e monitoram a política de clima do Brasil.
“Parte considerável desse investimento será feita em petróleo, no pré-sal. Países como a China estão investindo muito mais que o Brasil em fontes renováveis”, afirmou. “Não dá para dizer que estamos na vanguarda desse processo se estamos investindo tanto em energias não renováveis”, disse Rittl.
Questionada sobre a fala do presidente, a Secom disse que não comentaria o discurso de Temer. O MMA (Ministério do Meio Ambiente) não respondeu aos questionamentos enviados pela reportagem até a publicação deste texto.
“A energia limpa e renovável representa mais de 40% de nossa matriz energética. Três vezes a média mundial”
VERDADE: Sim. Mais de 40% da matriz energética do Brasil é composta de fontes renováveis. Para ser mais preciso, esse percentual chegou a 43,5% em 2016, segundo o relatório Resenha Energética Brasileira, elaborado pelo MME (Ministério de Minas e Energia). Ainda de acordo com o estudo, a média mundial é de 14,2%.
“Os primeiros dados disponíveis para o último ano já indicam a diminuição de mais de 20% do desmatamento naquela região (amazônica). Retomamos o bom caminho”
CONTESTÁVEL: O governo não apresentou as fontes que embasaram esse trecho do discurso do presidente e a fala não permite saber se Temer se referia ao ano de 2016 ou aos últimos 12 meses.
O Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), órgão que produz os dados oficiais sobre desmatamento utilizados pelo governo federal, informou ao UOL que ainda não há dados disponíveis sobre o desmatamento no país referentes a 2017. Estes dados deverão ser disponibilizados somente nos próximos meses. Dessa forma, não seria possível ao governo estimar queda ou aumento no desmatamento da Amazônia.
Caso o termo “último ano” usado por Temer se refira aos 12 últimos meses, os dados mais recentes foram produzidos pela ONG (Organização Não Governamental) Imazon (Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia) e se referem ao período que vai de julho de 2016 a agosto de 2017. Segundo esse levantamento, o desmatamento na Amazônia neste período caiu 21%. Entretanto, estes são dados não-oficiais, não referendados pelo Inpe.
Entretanto, se o termo “último ano” se referia ao ano de 2016 por inteiro, então Temer estaria equivocado. Segundo o Inpe, o desmatamento em 2016 em comparação com 2015 aumentou 29%.
Os próprios autores do estudo da Imazon contestaram seu uso por Temer.
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