Acordo proposto por Lula não previa enriquecimento de urânio no Irã
Resumo da notícia
- Bolsonaro disse que Lula defendeu que Irã enriquecesse urânio acima de 20%
- Proposta defendida pelo petista não previa enriquecimento de urânio no Irã
Diferentemente do que foi dito hoje pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a Declaração de Teerã, acordo nuclear proposto não previa que houvesse enriquecimento de urânio a 20% —passível de uso em armas nucleares— em território iraniano.
Bolsonaro assistiu pela televisão ao pronunciamento do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a respeito do ataque realizado na véspera pelo Irã contra bases norte-americanas no Iraque. Ao fim do pronunciamento, Bolsonaro fez críticas ao ex-presidente Luiz lnácio da Lula da Silva (PT). "Enquanto presidente da República, ele [Lula] esteve no Irã e defendeu que aquele regime pudesse enriquecer urânio acima de 20%", disse.
Em 2009, Lula viajou ao Irã para se encontrar com Mahmoud Ahmadinejad, então presidente do Irã. Na época, o país persa ampliava seu programa de enriquecimento de urânio. Os Estados Unidos e outros países temiam que a iniciativa fosse utilizada para o desenvolvimento de armas nucleares.
O acordo sugerido
A Declaração do Teerã foi proposta em 2010 por Lula e pelo então primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan. O acordo, que acabou não sendo implementado —pois não teve apoio integral dos EUA— previa que o Irã enviaria 1.200 quilos de urânio de baixo enriquecimento para a Turquia.
Em troca, os iranianos receberiam 120 quilos de urânio enriquecido a 20% de países integrantes do Grupo de Viena, composto pelos EUA, Rússia, França e pela Aiea (Agência Internacional de Energia Atômica). Pelo acordo, o Irã usaria o urânio enriquecido em instalações civis, para fins pacíficos.
Com 1.200 quilos de urânio de baixo enriquecimento a menos nos estoques do país, o Irã teria pouca matéria-prima para a elaboração de urânio de melhor qualidade. Quanto maior o estoque de urânio altamente enriquecido, maior a capacidade de um país produzir uma bomba atômica.
O presidente Barack Obama, líder americano à época, em carta enviada à Lula, elogiou esse trecho do acordo costurado entre Brasil, Turquia e Irã, pois "reforçaria a confiança e reduziria as tensões regionais".
Lula diz que Bolsonaro mente
Em nota, Lula disse que Bolsonaro mente ao dizer que o ex-presidente defendeu que o Irã pudesse enriquecer urânio a 20%. Ele lembrou o fato de o ex-presidente Obama ter elogiado o acordo.
Para o petista, o acordo é considerado até hoje como o melhor já feito com o Irã. "O próprio Obama escreveu uma carta dizendo expressamente que as condições conseguidas na negociação fechada pelo Brasil e pela Turquia eram as ideais", afirmou Lula.
Ex-chanceler rebate
Questionado, o ex-chanceler Celso Amorim, que, na época do acordo, era ministro das Relações Exteriores de Lula, limitou-se a fazer uma leitura dos fatos.
"A Declaração de Teerã, que o Brasil e a Turquia negociaram com o governo iraniano atendeu plenamente os três elementos de um acordo originalmente proposto pelos Estados Unidos com o objetivo de "criação de confiança" e para o qual Washington pediu nossa ajuda", disse.
"Esses elementos foram reiterados pelo presidente Obama em carta enviada ao presidente do Brasil três semanas antes da declaração, cujo valor foi amplamente reconhecido por personalidades como o ex-diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica. Mohammed El Baradei e o ex-vice secretário de estado e ex-embaixador norte-americano em Moscou, Thomas Puckering, entre muitos outros", explicou.
"O governo brasileiro, durante o governo do presidente Lula nunca defendeu que o Irã tivesse direito a enriquecer o urânio em níveis superiores a 20%. Aliás um dos propósitos do acordo era justamente evitar que o Irã enriquecesse o urânio nesse nível para seu reator de pesquisa, com o objetivo de produzir isótopos de uso no diagnóstico e na cura do câncer", completou.
Leia a íntegra da Declaração de Teerã:
Tendo-se reunido em Teerã em 17 de maio, os mandatários abaixo assinados acordaram a seguinte Declaração:
1. Reafirmamos nosso compromisso com o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e, de acordo com os artigos relevantes do TNP, recordamos o direito de todos os Estados-Parte, inclusive a República Islâmica do Irã, de desenvolver pesquisa, produção e uso de energia nuclear (assim como o ciclo do combustível nuclear, inclusive atividades de enriquecimento) para fins pacíficos, sem discriminação.
2. Expressamos nossa forte convicção de que temos agora a oportunidade de começar um processo prospectivo, que criará uma atmosfera positiva, construtiva, não-confrontacional, conducente a uma era de interação e cooperação.
3. Acreditamos que a troca de combustível nuclear é instrumental para iniciar a cooperação em diferentes áreas, especialmente no que diz respeito à cooperação nuclear pacífica, incluindo construção de usinas nucleares e de reatores de pesquisa.
4. Com base nesse ponto, a troca de combustível nuclear é um ponto de partida para o começo da cooperação e um passo positivo e construtivo entre as nações. Tal passo deve levar a uma interação positiva e cooperação no campo das atividades nucleares pacíficas, substituindo e evitando todo tipo de confrontação, abstendo-se de medidas, ações e declarações retóricas que possam prejudicar os direitos e obrigações do Irã sob o TNP.
5. Baseado no que precede, de forma a facilitar a cooperação nuclear mencionada acima, a República Islâmica do Irã concorda em depositar 1200 quilos de urânio levemente enriquecido (LEU) na Turquia. Enquanto estiver na Turquia, esse urânio continuará a ser propriedade do Irã. O Irã e a AIEA poderão estacionar observadores para monitorar a guarda do urânio na Turquia.
6. O Irã notificará a AIEA por escrito, por meio dos canais oficiais, a sua concordância com o exposto acima em até sete dias após a data desta Declaração. Quando da resposta positiva do Grupo de Viena (EUA, Rússia, França e AIEA), outros detalhes da troca serão elaborados por meio de um acordo escrito e dos arranjos apropriados entre o Irã e o Grupo de Viena, que se comprometera especificamente a entregar os 120 quilos de combustível necessários para o Reator de Pesquisas de Teerã.
7. Quando o Grupo de Viena manifestar seu acordo com essa medida, ambas as partes implementarão o acordo previsto no parágrafo 6. A República Islâmica do Irã expressa estar pronta - em conformidade com o acordo - a depositar seu LEU dentro de um mês. Com base no mesmo acordo, o Grupo de Viena deve entregar 120 quilos do combustível requerido para o Reator de Pesquisas de Teerã em não mais que um ano.
8. Caso as cláusulas desta Declaração não forem respeitadas, a Turquia, mediante solicitação iraniana, devolverá rápida e incondicionalmente o LEU ao Irã.
9. A Turquia e o Brasil saudaram a continuada disposição da República Islâmica do Irã de buscar as conversas com os países 5+1 em qualquer lugar, inclusive na Turquia e no Brasil, sobre as preocupações comuns com base em compromissos coletivos e de acordo com os pontos comuns de suas propostas.
10. A Turquia e o Brasil apreciaram o compromisso iraniano com o TNP e seu papel construtivo na busca da realização dos direitos na área nuclear dos Estados-Membros. A República Islâmica do Irã apreciou os esforços construtivos dos países amigos, a Turquia e o Brasil, na criação de um ambiente conducente à realização dos direitos do Irã na área nuclear.
Manucher Mottaki,
Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Islâmica do Irã
Ahmet Davutoglu,
Ministro dos Negócios Estrangeiros da República da Turquia
Celso Amorim,
Ministro das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil
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