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O que é globalismo e por que ele é tão mencionado durante pandemia?

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Imagem: Arte/UOL

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

16/09/2020 04h00

O novo coronavírus é uma estratégia para que a ONU (Organização das Nações Unidas), a OMS (Organização Mundial da Saúde) e a China dominem o mundo? Esse discurso tem ganhado força desde o início da pandemia, em especial entre aqueles que se denominam antiglobalistas. Nas redes sociais e em blogs na internet, grupos afirmam que o vírus é criado em laboratório ou é utilizado por instituições internacionais para destruir as nações. A essa teoria de conspiração internacional se dá o nome de globalismo.

No Brasil, o termo predomina na ala do governo simpatizante das ideias de Olavo de Carvalho que se coloca como antiglobalista e em defesa dos interesses nacionais. O discurso tem ganhado espaço no Itamaraty, sob chefia do olavista Ernesto Araújo. Para os antiglobalistas, a pandemia, o isolamento e até o uso de máscaras faz parte de um plano mundial de destruição das soberanias.

Não há uma definição clara do que é globalismo nem mesmo entre acadêmicos. "Grupos vão usar esse termo, principalmente do ponto de vista crítico, para dizer que há uma série de grupos internacionalmente articulados que tentam tirar as motivações nacionais e fazer perder papel as fronteiras nacionais", explica o professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas Pedro Brites.

O termo surge juntamente com o crescimento das instituições internacionais no pós-Guerra, como a Liga das Nações —atual ONU—, mas é a partir da Guerra Fria que adquire as características que tem hoje. "Na década de 1990, que é considerada a década de ouro da ONU, é onde você efetivamente tem um papel mais atuante dessas instituições e várias crises internacionais. Então o conceito de globalismo está muito atrelado a esse novo momento internacional na primeira fase", explica Brites.

Quem são os antiglobalistas e o que dizem?

O discurso antiglobalista tende a ganhar popularidade entre políticos populistas nacionalistas contra adversários de esquerda e centro a favor da globalização. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump se coloca contra o globalismo. No Brasil, a retórica é encontrada no chanceler Ernesto Araújo, no guru Olavo de Carvalho, no assessor de assuntos internacionais de Bolsonaro, Filipe Martins, e no filho do presidente e deputado Eduardo Bolsonaro (PSL).

[O globalismo] essencialmente é um sistema anti-humano e anticristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo, cujo objetivo último é romper a conexão entre Deus e o homem, tornando o homem escravo e Deus irrelevante.
Chanceler Ernesto Araújo em seu Blog Metapolítica17

O globalismo exerceu uma influência religiosa sobre os líderes anteriores, fazendo com que eles ignorassem seus próprios interesses nacionais. Esses dias acabaram. [...] O futuro não pertence aos globalistas. O futuro pertence aos patriotas.
Presidente dos EUA, Donald Trump, em discurso na 74ª Assembleia Geral da ONU

Globalismo é a ideologia que preconiza a construção de um aparato burocrático --de alcance global, centralizador e pouco transparente-- capaz de controlar, gerir e guiar os fluxos espontâneos da globalização de acordo com certos projetos de poder. Não confunda uma coisa com outra.
Assessor especial da Presidência, Filipe Martins, em seu Twitter

Que o globalismo é um processo revolucionário, não há como negar. E é o processo mais vasto e ambicioso de todos. Ele abrange a mutação radical não só das estruturas de poder, mas da sociedade, da educação, da moral, e até das reações mais íntimas da alma humana. É um projeto civilizacional completo e sua demanda de poder é a mais alta e voraz que já se viu.
Olavo de Carvalho em seu blog

A pandemia tem sido o laboratório perfeito para os globalistas. Tem gente que fica falando que 'ah, Eduardo, isso é teoria da conspiração, não existe globalismo'. Mas nós vimos, mesmo aqui dentro do Brasil, órgãos e tribunais preterindo o Ministério da Saúde e as secretarias estaduais de Saúde com bases em argumentos da OMS. Ou seja, colocou a OMS acima dos órgãos nacionais.
Deputado Eduardo Bolsonaro em palestra na Funag

Quem são os globalistas, segundo os antiglobalistas?

Embora as instituições internacionais como a ONU e suas ramificações ou como a OMS não tenham poder deliberativo sobre os países, ou seja, não ordenem ou controlem suas ações, só recomendem atitudes, os antiglobalistas as veem como os pilares da agenda globalista.

Aalém das organizações, a China e seu crescimento como ator político e econômico é com frequência apontada como ferramenta de dominação mundial. Empresários como George Soros e Bill Gates também comporiam essa lista.

George Soros é um investidor húngaro-americano e fundador da agência filantrópica Open Society Foundations que financia grupos da sociedade civil no mundo todo. Para os antiglobalistas, Soros representa o que há de pior no globalismo.

O fundador da Microsoft, Bill Gates, também se tornou alvo dos antiglobalistas devido às suas ações filantrópicas. Sua fundação, inclusive, doou milhões de dólares para o combate ao novo coronavírus e para o desenvolvimento de uma vacina.

Crises favorecem o ressurgimento do termo

A discussão acerca do globalismo ressurge de tempos em tempos, ou "em ondas", segundo o professor Pedro Brites. Ele diz que não se sabe o motivo por trás dessas "ondas", mas, em geral, crises e insatisfações políticas e econômicas são momentos propícios.

"Geralmente esses retornos [do termo] aparecem em momentos de crise, quando você tem grupos dentro da sociedade que estão se sentindo prejudicados pelo avanço da globalização e da internacionalização das empresas e do capital", explica.

"Atores políticos vão se aproveitar dessa desesperança de parte da população e usam o globalismo como argumento para poder justificar sua crítica às instituições internacionais e à economia internacional."

Com uma crise sanitária como o coronavírus não seria diferente, principalmente com o protagonismo assumido pela OMS. O próprio chanceler brasileiro disse que o coronavírus seria uma oportunidade para "acelerar o projeto globalista" ao "conceder poder às entidades internacionais".

"Não faz sentido depois de toda a retórica que você construiu, você aderir simplesmente aos discursos dessas instituições internacionais, como a OMS", diz Brites. "Então acaba reforçando a necessidade de você se contrapor. Você vai dizer que isso é falso e que é um vírus chinês."

"Esse tipo de argumentação é muito voltada para poder manter a legitimidade desse discurso globalista, mas também lembrando que esses governos populistas têm como característica manter uma ideia de inimigo constante", diz o professor.

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