Ao contrário do que diz Bolsonaro, estudos mostram que lockdown salva vidas
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a negar a eficiência de medidas de isolamento social no combate à pandemia de covid-19. Em vídeo publicado em suas páginas nas redes sociais, na última terça (29), o presidente afirmou que a política de quarentena "estava errada". Estudos publicados em vários países mostram o oposto.
"O prefeito de Manaus está esperando uma sugestão do governador para decretar o lockdown. Ô, cara, essa política acabou, cara. Eu falei lá em março que tava errada essa política. Tá tudo dando certo o que eu falei. Não tenho bola de cristal, não. Um pouco de raciocínio, um pouco de estudo e coragem pra decidir."
Jair Bolsonaro, presidente da República
Estudos apontam que medidas de isolamento social salvaram milhares vidas no Brasil
Apesar de se dizer respaldado pela ciência, o consenso da comunidade científica vai no caminho oposto ao do presidente e atesta, em estudos nacionais e internacionais, a eficácia de medidas de isolamento social no controle da pandemia do novo coronavírus.
Um estudo divulgado em julho pela área de estatísticas econômicas da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) estimou que, só em maio, até 118 mil vidas podem ter sido poupadas no Brasil por causa de medidas de isolamento social para evitar a disseminação do vírus.
A estimativa aponta que a cada 1% de aumento no isolamento social houve uma redução na taxa de crescimento do vírus de até 37%. Levando isso em conta, maio apresentou um índice de 44% de isolamento em todo o país, com 29.367 mortes registradas em razão da covid-19. Dentro da equação montada, uma porcentagem de 25% de isolamento, como foi em fevereiro e retrata a média normal no Brasil, resultaria em 147.447 mortes.
Uma pesquisa da UFG (Universidade Federal de Goiás) divulgada no início de junho também traz números relevantes. Pesquisadores dos departamentos de Saúde Coletiva e Ecologia estimam que entre 2.800 e 3.400 mortes foram evitadas nos três primeiros meses de pandemia graças às medidas de distanciamento social.
Em abril, a UFPR (Universidade Federal do Paraná) também já alertava sobre lockdowns, mas na direção contrária à do presidente. Segundo pesquisadores paranaenses, naquele estágio inicial, quanto mais rápido uma região fizesse o bloqueio absoluto, mais vidas salvaria.
"Uma intervenção drástica (que inclui isolamento social total) realizada após transcorridos até 25 dias desde a primeira morte atestada é capaz de barrar até 80% de novas mortes. No cenário em que essa decisão demora mais dez dias para ser tomada, a eficiência reduz para 50%", explica a universidade, em nota.
Lockdown em março teria desacelerado transmissão nacional
Um estudo recente coordenado pelo neurocientista Miguel Nicolelis, coordenador voluntário do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, também mostra que, se São Paulo tivesse adotado lockdown no início, a disseminação do vírus poderia ter sido muito menor.
Segundo o estudo, que está em fase de pré-publicação, só nas três primeiras semanas desde que o vírus chegou, a cidade de São Paulo disseminou 85% dos casos no Brasil e, nos três primeiros meses, 26 rodovias federais explicam 30% dos casos que surgiram.
"O que é um absurdo. Tinha de ter adotado [lockdown]. Do outro lado, temos clara evidência que as cidades que fizeram os melhores lockdowns do Brasil, como São Luís e Fortaleza, tiveram queda de mortes e casos que está se sustentando até agora. Basta comparar os gráficos", afirma Nicolelis.
Até maio, lockdown salvou pelo menos 3 milhões na Europa
Não é só no Brasil. Na Europa, uma equipe de pesquisadores do Imperial College London, uma das principais instituições de pesquisa sobre covid-19 do planeta, estimou que as medidas de lockdown —mais rígidas do que as brasileiras— salvaram cerca de 3,2 milhões de pessoas até o início de maio.
Divulgado em junho, após o pico da pandemia no continente, o estudo avaliou 11 países europeus: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Itália, Noruega, Reino Unido, Suécia e Suíça.
Até 4 de maio, graças aos lockdowns, pelo menos 470.000 mortes foram evitadas no Reino Unido, 690.000 na França e 630.000 na Itália. "Lockdown evitou milhões de mortes", afirmou Seth Flaxman, um dos pesquisadores do Imperial College, à rede britânica BBC.
"Poderíamos estar em 500 mil mortes"
Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão (Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto), estima que, se não houvesse nenhuma medida de isolamento social, como propôs o presidente, o Brasil poderia estar à beira de 500 mil mortes por covid.
"[A eficiência das políticas de isolamento] não é discutível no meio científico, é consenso. Na Europa e na Ásia, onde foi praticado lockdown de verdade —porque no Brasil teve só em algumas cidades—, o número de casos de óbito foi a quase zero. Com o retorno [da flexibilização], estamos vendo o retrocesso de casos, mas as mortes continuam baixas. Houve controle", afirma Domingos, doutor em Sistemas de Informação em Saúde.
"Não tenho um número absoluto, mas, no caso do Brasil, com devidas ressalvas e mesmo com a política precoce de abertura implantada, se não houvesse isolamento social, a minha estimativa de mortes para hoje é estar na casa dos 500 mil", avalia Domingos.
Não há estudos sérios que comprovem ineficácia
O UOL não encontrou nenhuma pesquisa de instituições científicas que revelasse a ineficácia de medidas de isolamento social.
Houve, na verdade, a divulgação de diversas informações falsas, como um suposto estudo com 60 mil pessoas na Espanha que provava "a ineficácia das quarentenas", desmentido pela Agência Lupa.
A reportagem perguntou ainda ao Planalto em que estudo o presidente baseou sua declaração, mas não teve resposta até esta publicação.
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