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Bolsonaro e Alexandre Garcia usam estudo antigo para defender cloroquina

Vídeo de Alexandre Garcia publicado por Bolsonaro usa estudo antigo e de baixo prestígio para defender cloroquina em meio a caos em Manaus - Divulgação/UOL
Vídeo de Alexandre Garcia publicado por Bolsonaro usa estudo antigo e de baixo prestígio para defender cloroquina em meio a caos em Manaus Imagem: Divulgação/UOL

Carolina Marins

Do UOL, em São Paulo

15/01/2021 17h37Atualizada em 22/01/2021 18h42

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) publicou recentemente em suas redes sociais um vídeo do jornalista Alexandre Garcia falando sobre um estudo publicado em agosto para justificar o uso de cloroquina e outros remédios sem eficácia comprovada como tratamento precoce para covid-19. Na rádio Jovem Pan, a jornalista Ana Paula Henkel, reviveu o estudo dizendo que a revista na qual foi publicado voltou a "recomendar" o medicamento, quando na verdade foi feita apenas uma revisão.

Bolsonaro postou em seu Twitter o link para um artigo do volume 134 da revista "The American Journal of Medicine" que fala sobre o "tratamento ambulatorial precoce da infecção por SARS-CoV-2". Na postagem, ele fala sobre antimaláricos, que são medicamentos para tratar a malária, sendo hidroxicloroquina e cloroquina as principais substâncias incluídas nessa categoria.

Com a postagem, o presidente colocou um vídeo no qual o jornalista Alexandre Garcia, que atua como comentarista na CNN Brasil, diz, sem apresentar provas, que o tratamento precoce é "o que mais está salvando vidas no Brasil".

Garcia é um apoiador de Jair Bolsonaro e já chegou a defender a cloroquina em um seminário na Funag (Fundação Alexandre de Gusmão) — a fundação, ligada ao Itamaraty, já teve vídeo removido da plataforma YouTube por disseminar fake news.

O estudo, porém, foi originalmente publicado no site da revista em 6 de agosto e, desde então, diversos outros estudos já apontaram a ineficácia do uso de medicamentos como hidroxicloroquina, azitromicina e outros.

O artigo, inclusive, não é um estudo clínico randomizado de duplo-cego no qual se analisa a eficácia de um tratamento em comparação com um grupo controle. Por isso, não comprova nada, apenas apresenta argumentos com base em experiências ambulatoriais que justificariam o uso de determinados medicamentos.

O próprio artigo traz em seu resumo que, na época, não havia estudos clínicos sobre o tratamento para covid-19.

"Na ausência de resultados de ensaios clínicos, os médicos devem usar o que foi aprendido sobre a fisiopatologia da infecção por SARS-CoV-2 para determinar o tratamento ambulatorial precoce da doença com o objetivo de prevenir hospitalização ou morte."

No dia 22, a jornalista Ana Paula Henkel voltou a reviver o estudo dizendo ser uma "recomendação" e associando a nova publicação deste mês com o fato do democrata Joe Biden ter tomado posse como novo presidente dos Estados Unidos.

A versão publicada no volume 134 de janeiro da revista é, na verdade, uma revisão como já checou o UOL e não uma nova publicação. Ao projeto Comprova, um dos autores, Peter A. McCullough, explicou que as atualizações se referiam a a algumas mudanças na pesquisa e no aumento de estudos sobre o tratamento precoce em alguns países.

No dia 2 de janeiro o Ministério da Saúde também divulgou uma nota defendendo o estudo como se fosse uma nova "comprovação" de eficácia desses medicamentos. "O renomado The American Journal of Medicine, jornal oficial da Alliance for Academic Internal Medicine, traz em sua primeira edição de 2021 um estudo que comprova a eficácia do tratamento precoce na evolução da Covid-19", dizia a nota. Cientistas criticaram a postagem.

Revista de pouco prestígio

No ranking de avaliação de revistas científicas feito pela Scimago, que avalia relevância científica, a The American Journal of Medicine aparece na 928º posição. Muito distante da "New England Journal of Medicine" (8ª posição), onde foi publicado um dos primeiros estudos que comprovavam a ineficácia do tratamento com hidroxicloroquina.

O artigo da New England é de fato um estudo randomizado de duplo-cego feito nos Estados Unidos e no Canadá em que um grupo foi tratado com hidroxicloroquina e outro com placebo.

"Após a exposição de alto risco ou risco moderado ao Covid-19, a hidroxicloroquina não preveniu a doença compatível com Covid-19", concluiu o estudo. O artigo ainda diz ter havido mais efeitos colaterais no grupo que utilizou o medicamento.

Em outubro, um estudo conduzido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) também apontou a ineficácia da cloroquina e também do antiviral remdesivir.

O estudo global foi feito com 11 mil pessoas e apresentou resultado "decepcionantes" por ter "pouco ou nenhum efeito sobre a mortalidade" ou na redução de tempo de internação para pacientes hospitalizados. Os produtos tampouco pareceram ajudar os pacientes a se recuperarem mais rapidamente.

Na época, a entidade reforçou que sua estratégia era de focar seus esforços para garantir a maior campanha de vacinação da história agora em 2021.

Manaus

A publicação ganha relevante contorno diante do contexto de falta de oxigênio para pacientes com covid-19 em Manaus, resultando na morte de pessoas. Na última terça-feira (12), a Folha revelou que o Ministério da Saúde estava pressionando a prefeitura de Manaus para utilizar cloroquina em pacientes de covid-19.

Bastante cobrado por políticos e especialistas pela nova crise no sistema público de saúde amazonense, o presidente disse hoje que "nós fizemos a nossa parte" e voltou a defender o uso de medicamentos sem eficácia científica comprovada, a que chama de "tratamento precoce".

Um aplicativo desenvolvido pelo Ministério da Saúde, o TrateCov, recomendava "tratamento precoce" a qualquer um que preenchia o cadastro. O aplicativo foi apresentado inicialmente pelo ministro Eduardo Pazuello enquanto estava no Amazonas. Depois de várias críticas, a plataforma saiu do ar.

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