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Uma iniciativa do UOL para checagem e esclarecimento de fatos


Em live, Bolsonaro mente sobre inflação e distorce dados de vacinação

26.ago.2021 - O presidente Jair Bolsonaro participa de live ao lado do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga - Reprodução/YouTube Jair Bolsonaro
26.ago.2021 - O presidente Jair Bolsonaro participa de live ao lado do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga Imagem: Reprodução/YouTube Jair Bolsonaro

Do UOL e colaboração para o UOL, em São Paulo

26/08/2021 21h59Atualizada em 20/07/2022 21h07

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) mentiu, na live de hoje, ao associar a alta na inflação a medidas de restrição adotadas por prefeitos e governadores para conter a covid-19. Como o UOL Economia explicou em reportagem publicada mais cedo, o avanço nos preços tem a ver com a política da Petrobras para combustíveis, a valorização do dólar, a alta na conta de luz por conta da crise hídrica e as ondas de frio que prejudicaram a produção de alimentos.

Bolsonaro também distorceu os índices de vacinação no Brasil ao afirmar que o país passou os EUA em número de adultos vacinados, omitindo que o país da América do Norte tem uma fatia bem maior de sua população totalmente imunizada. O presidente ainda deu uma declaração insustentável sobre o suposto impacto na agricultura decorrente do julgamento do "marco temporal" para a demarcação de terras indígenas. Veja o que o UOL Confere já checou:

Essa inflação vem, em grande parte, daquela política lá atrás: 'fica em casa, a economia a gente vê depois'."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

A declaração do presidente é FALSA. Segundo especialistas ouvidos pelo UOL Economia, a alta nos preços não tem relação com as medidas de restrição para conter o coronavírus.

A aceleração da inflação tem uma série de causas. Há uma quebra da infraestrutura logística no mundo todo, desde o início da pandemia, e isso fez com que alguns produtos essenciais ficassem escassos, o que aumentou os preços, segundo Paulo Dutra, coordenador do curso de economia da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado).

Além disso, o dólar subiu de maneira considerável, fazendo com que os produtos importados e insumos lá de fora necessários para produção aqui no Brasil também sofressem fortes altas. O dólar comercial se valorizou quase 30% em 2020 e acumula alta de 1,31% neste ano.

Há também fatores que vêm surgindo nos últimos meses, como a crise hídrica, que encarece a conta de luz no país todo. Neste ano, a conta de luz residencial já subiu 16%, e deve subir mais. Outro fator foram as ondas de frio deste inverno, que prejudicaram a produção de alimentos e fizeram com que os preços disparassem. Mais um elemento responsável por puxar a inflação foi o combustível, que teve alta porque a Petrobras optou por seguir os preços internacionais do petróleo.

O que eu falei é que, nas refinarias, a gasolina está barata. Tem imposto federal, R$ 0,74, mas no final da linha tá chegando a R$ 7,00. Aí tem o frete, a margem de lucro dos postos e o grande mistério, que é o ICMS. O ICMS é um percentual que os governadores cobram em cima do preço final da bomba e não em cima da origem, como deveria ter sido feito."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

A declaração do presidente é DISTORCIDA, e repete uma desinformação em que Bolsonaro tem insistido — como já mostrou o UOL Confere.

Bolsonaro omite que cerca de um terço do preço da gasolina cabe à Petrobras, e que o valor do combustível na refinaria acumula alta de 51% em 2021.

A alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) varia de estado para estado, mas não é cobrada sobre o "preço final da bomba", e sim sobre uma média dos valores cobrados nos postos chamada de PMPF (Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final). Este preço é definido por um órgão do próprio governo federal, o Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). O conselho é presidido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e conta com os secretários da Fazenda dos estados brasileiros, entre outros integrantes.

Especialistas ouvidos pelo UOL Economia em maio afirmaram que o ICMS não é o maior "vilão" dos preços altos nas bombas. As alíquotas não são reajustadas há anos, e as variações na gasolina ocorrem principalmente porque a Petrobras passou a atrelar seus preços ao mercado internacional de petróleo e ao dólar.

A mesma coisa tenho falado do gás de cozinha, arredondando pra cima, um botijão de 13kg caro, custando R$ 50 lá onde é engarrafado. na ponta da linha chegando a R$ 130. O que eu fiz pra diminuir o preço do gás de cozinha? Zerei os impostos do gás de cozinha. (...) O que pesa aí? ICMS, que é imposto estadual, frete e a margem de lucro na ponta da linha."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

A declaração é DISTORCIDA e, assim como no caso da gasolina, repete desinformação dita em outras ocasiões pelo presidente.

O corte promovido por sua gestão desonerou a cadeia em apenas R$ 2,18, o que representa 2,3% do preço médio no país do GLP (Gás Liquefeito de Petróleo), conhecido como gás de cozinha, como mostrou checagem do Projeto Comprova em junho.

O desconto do governo acabou absorvido pelos outros fatores que compõem o preço do gás de cozinha, principalmente pelos reajustes nas refinarias da Petrobras. Hoje, 48,2% do valor final corresponde ao preço da Petrobras e 37%, à distribuição e revenda. O produto tem sofrido sucessivos aumentos em 2021.

Já a carga tributária dos estados equivale a 14,8% do valor final, embora a alíquota mude entre os entes federativos. O tributo não sofreu alterações da alíquota. Ainda assim, se todos os estados eliminassem o ICMS, o impacto ao consumidor chegaria a R$ 12, em média.

Isso aí [revisão do marco temporal pelo STF] vai inviabilizar, causar grandes transtornos para todos aqui no Brasil (...) porque se começar a ter esse problema para produzir, vai começar a ter problema na balança comercial nossa, e a inflação de alimentos -- que sim existe, ninguém nega isso aí -- vai aumentar mais ainda. E pode ter algo pior que a inflação, que é o desabastecimento."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

Em meio ao julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) que deve impactar a demarcação de terras indígenas no Brasil, Bolsonaro deu uma declaração INSUSTENTÁVEL sobre como a decisão pode afetar a produção de alimentos — ou seja, uma fala que não pode ser sustentada a partir de informações disponíveis publicamente.

O presidente é defensor do "marco temporal", que prevê o direito à demarcação apenas aos povos indígenas que estavam na área quando a Constituição de 1988 foi elaborada. Do outro lado, povos indígenas alegam terem sido expulsos de seus territórios e buscam destravar mais de 310 disputas judiciais sobre o tema.

Segundo Bolsonaro, caso o STF decida a favor da revisão do marco, a agricultura será fortemente impactada. Hoje pela manhã, em entrevista à Rádio Jornal, de Pernambuco, chegou a dizer que o "agronegócio acabará".

No entanto, o diretor de Política Agrícola e Informações da estatal Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), Sergio De Zen, declarou à agência Reuters que a expansão da produção brasileira não deve ser afetada caso o marco temporal seja rejeitado pela Corte.

O Brasil, se eu não me engano, passou hoje os EUA no tocante ao percentual de adultos vacinados."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

A declaração do presidente é DISTORCIDA, porque cita um dado verdadeiro de forma incompleta para passar uma mensagem enganosa.

Segundo o site Our World In Data, que reúne dados oficiais de vários países, o Brasil superou os EUA na comparação da proporção da população que recebeu pelo menos uma dose. Na atualização mais recente do site, feita com dados de ontem (25), o Brasil chegou a 61%, contra 60,5% dos EUA.

No entanto, quando se compara a fatia da população completamente imunizada — ou seja, quem tomou duas doses ou vacinas de dose única — os EUA ainda estão bem na frente do Brasil: 51,3% contra 26,6%.

Vale notar também que 61% de vacinados com pelo menos uma dose no Brasil representam 129,6 milhões de pessoas, segundo o Our World in Data; nos EUA, 60,5% da população são 202,5 milhões de pessoas.

Ainda segundo o Our World in Data, os 26,6% totalmente imunizados no Brasil são 56,6 milhões de pessoas. Já nos EUA, são 171,77 milhões de pessoas totalmente imunizadas.

Bolsonaro ainda cometeu uma imprecisão ao falar de "adultos vacinados", já que os EUA estão vacinando adolescentes e a plataforma Our World in Data considera a população total dos países para calcular a proporção de vacinados.

O presidente recorreu à mesma comparação enganosa hoje em seu Facebook para afirmar que "o Brasil tem um dos melhores desempenhos em vacinação no mundo".

Os EUA começaram a vacinar sua população ainda em dezembro do ano passado, enquanto o Brasil deu início à sua campanha quase um mês depois. No entanto, o ritmo da vacinação no Brasil agora está mais acelerado, enquanto os EUA enfrentam resistência de parte da população para vacinar. No Brasil, 94% da população já havia se vacinado ou pretendia se vacinar, segundo pesquisa do Datafolha divulgada em julho.

O general Pazuello nos deixou, mas deixou também um legado de bons contratos, boas práticas, e também avançado muita coisa no tocante à vacina."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

Embora os contratos para adquirir doses de vacinas tenham sido firmados durante a gestão de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, a afirmação é DISTORCIDA. Na gestão do general do Exército, faltaram medicamentos, leitos e insumos no SUS (Sistema Único de Saúde). Também houve demora no fornecimento de cilindros de oxigênio durante a crise sanitária em Manaus, no mês de janeiro.

A aquisição de vacinas pelo governo brasileiro ocorreu em meio a atrasos; em julho de 2020, Pazuello recusou uma primeira oferta por doses da Coronavac. Em outubro, foi desautorizado por Bolsonaro a adquirir doses do imunizante. O contrato para a compra da Coronavac só foi assinado em janeiro de 2021.

Foram ignoradas ao menos cinco ofertas da Pfizer em 2020, segundo a farmacêutica. Também na gestão Pazuello foi negociada a compra da Covaxin, em negociação suspeita de irregularidades e investigada pela PF (Polícia Federal), pelo MPF (Ministério Público Federal) e pela CPI da Covid.

Então, os dois pilares da nossa campanha de imunização: uma, a transferência de tecnologia que o governo Bolsonaro propiciou entre a Astrazeneca e a Fiocruz, que vai produzir vacinas que funcionam de verdade; e a Pfizer, que é uma parceria entre privados.
Ministro Marcelo Queiroga na live com Bolsonaro

A declaração do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, é FALSA. O ministro omitiu a participação expressiva da CoronaVac na campanha de imunização contra a covid-19 no Brasil e insinuou que há vacinas que não "funcionam".

Produzida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, a CoronaVac foi responsável não apenas por dar início à campanha, em janeiro deste ano, como hoje representa cerca de um terço das doses aplicadas no país, segundo dados do próprio Ministério da Saúde.

Em relação às vacinas que "funcionam", isso vale para todas as disponíveis hoje nos postos de saúde. As vacinas aplicadas hoje no Brasil para combater o coronavírus tiveram sua eficácia e efetividade comprovadas após inúmeros testes feitos com rigor científico e foram aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), embora apresentem resultados diferentes a depender do grupo populacional em questão e da variante do vírus.

Nós gostaríamos e muito que as eleições fossem limpas, democráticas e pudessem realmente transmitir a confiança para o eleitor de que [em quem] ele, porventura, for votar, o voto vai ser contado para aquela pessoa.
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

A declaração de Bolsonaro é FALSA. Ao contrário do que insinua o presidente, nunca houve fraude comprovada nas eleições brasileiras desde que as urnas eletrônicas foram adotadas, incluindo de supostos votos computados para o candidato errado.

Ao fazer essa afirmação, Bolsonaro recicla boatos que surgiram nas eleições de 2018, e foram desmentidos após investigações feitas pelas autoridades competentes, como o UOL Confere já mostrou anteriormente.

Lamentavelmente, o corregedor [do TSE] está determinando a desmonetização de páginas de direita. É impressionante, é uma perseguição implacável.
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

A fala do presidente é DISTORCIDA. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) proibiu redes sociais de repassarem dinheiro a páginas bolsonaristas, mas não por serem de direita, e sim por estarem sendo investigadas por disseminar fake news.

A decisão do corregedor-geral Luís Felipe Salomão atendeu a um pedido da Polícia Federal e foi tomada no âmbito do inquérito que investiga acusações sem provas feitas por Bolsonaro de que as urnas eletrônicas foram fraudadas nas últimas eleições e que são passíveis de irregularidades no pleito de 2022.

Salomão afirmou que o conteúdo das redes de apoiadores do chefe do Executivo não trata de "crítica legítima" ao sistema eleitoral, "mas sim o impulsionamento de denúncias e de notícias falsas acerca do sistema eletrônico de votação".

Entre as páginas atingidas estão o canal Terça Livre e o perfil de seu administrador, Allan dos Santos, a página do movimento Nas Ruas e o perfil do blogueiro Oswaldo Eustáquio.

Vocês estão acompanhando a viagem do Lula para o Nordeste, eu acho que o evento que mais juntou gente não tinha mais que 20 pessoas esperando ele. Então, não é possível o Datafolha dizer que ele tem 49% no primeiro turno, no segundo turno teria 60% para ganhar de quem fosse no segundo turno contra ele."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

É INSUSTENTÁVEL a fala de Bolsonaro relacionando o público presente em eventos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os resultados de pesquisas de intenção de voto.

As pesquisas de intenção de voto utilizam uma amostragem de entrevistados que apresenta características proporcionais aos eleitores do país em quesitos como sexo, idade, renda, escolaridade e região de domicílio. Eventos isolados — como o número de pessoas que receberam Lula ou Bolsonaro em um determinado local — não apresentam a ampla quantidade de fatores observados nas pesquisas de opinião.

Bolsonaro e aliados costumam usar desinformação para desacreditar pesquisas de intenção de voto que mostrem adversários do presidente em vantagem, como já mostrou o UOL Confere. O Projeto Comprova, do qual o UOL faz parte, também verificou o uso de pesquisas fora de contexto para fazer crer que Bolsonaro teria um apoio maior da população do que de fato tem no momento (veja aqui e aqui).

Na mais recente pesquisa Datafolha, feita em julho, Lula teve 46% das intenções de voto para o primeiro turno das eleições de 2022, contra 25% de Bolsonaro. No segundo turno, o petista tem 58% contra 31% do atual presidente.

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