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Bolsonaro culpa importação por alta, mas gasolina segue preço internacional

O presidente Jair Bolsonaro (PL) - Divulgação / Palácio do Planalto
O presidente Jair Bolsonaro (PL) Imagem: Divulgação / Palácio do Planalto

Rayanne Albuquerque

Do UOL, em São Paulo

23/03/2022 04h00Atualizada em 23/03/2022 12h02

Ao comentar a mais recente alta dos combustíveis, o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem repetido que um dos motivos para o aumento é a necessidade de o Brasil importar gasolina e diesel, já que o país não tem capacidade de refino de petróleo para suprir a demanda interna. No entanto, segundo especialistas ouvidos pelo UOL Confere, diminuir a importação não seria sinônimo de queda dos preços, já que desde 2016 a Petrobras acompanha a cotação internacional do petróleo, em dólares. Por outro lado, o presidente acerta ao dizer que refinarias prometidas pelas gestões do PT não foram concluídas.

Bolsonaro tem comentado os preços dos combustíveis após a Petrobras anunciar novos aumentos no diesel e na gasolina, que chegou ao 13º reajuste em 14 meses. As falas ocorrem em meio ao avanço da pré-campanha pela vaga no Palácio do Planalto — o presidente deve disputar a reeleição e tem aparecido em segundo lugar em pesquisas de intenção de voto, atrás justamente do pré-candidato petista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Confira abaixo a verificação completa:

Combustível está caro devido à importação?

Quer saber por que a gasolina está cara? Por que temos que importar a gasolina, o óleo diesel. Podia estar sendo beneficiada aqui no Brasil, podia estar sendo destilado aqui no Brasil, agora, por quê não conseguimos então fazer isso? Porque o governo Lula prometeu duas refinarias no Nordeste e uma no Sudeste. Gastou mais de R$ 100 bilhões e não concluiu nenhuma. Não se produz nenhuma gota de gasolina ou de diesel nessas três refinarias."
Presidente Jair Bolsonaro (PL) em 16.mar.2022

É falso que a gasolina e o diesel estão caros no Brasil porque o país importa derivados de petróleo, como afirmou Bolsonaro. Não existe ligação entre o número reduzido de refinarias nacionais e a alta de preços, segundo Ecio Costa, professor do curso de economia da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

"A gasolina e o diesel não estão caros porque precisamos importá-los. Eles estão caros porque são derivados do petróleo, que é uma commodity internacional e que varia de acordo com o preço externo. Da mesma forma que o pão francês está mais caro porque o trigo subiu de preço, [por ser uma] commodity internacional. Isso se repete com todas as outras commodities que têm influência internacional no seu preço e repassam para os produtos derivados", explica o professor.

Brenno Almeida, economista com especialidade em planejamento e gestão pública, também afirma que não há necessariamente uma ligação entre a alta de preços com o fato de o Brasil ser um importador de derivados, visto que muitos barris refinados em território nacional também se balizam no preço internacional do petróleo.

Almeida lembra que o preço do combustível é determinado pela Petrobras e acompanha o cenário internacional, que define os valores em dólar. A medida foi adotada em 2016, durante a presidência de Michel Temer (MDB). Com esta política, o que afeta a economia internacional — como a guerra entre a Ucrânia e a Rússia — atinge também o preço dos barris de petróleo.

"O que parametriza hoje o que pagamos são os preços globais. Essa decisão foi tomada a partir de um entendimento de que a Petrobras, como uma empresa de capital aberto, com acionistas no estrangeiro, precisaria entrar no jogo das petrolíferas mundiais", disse Almeida.

Prejuízo com refinarias não concluídas

Também é falso que as obras de três refinarias durante os governos do PT e que não foram concluídas tenham consumido R$ 100 bilhões, como disse Bolsonaro. Em números atualizados, este valor seria de R$ 56,693 bilhões, cerca de metade do citado por Bolsonaro.

Segundo a própria Petrobras, as refinarias Premium I, no Maranhão, e Premium II, no Ceará, provocaram um prejuízo de R$ 2,707 bilhões à estatal. O dado foi divulgado pela empresa em 28 de janeiro de 2015. Em valores atualizados pelo IPCA, as perdas foram de R$ 4,144 bilhões.

Já o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro) resultou em um prejuízo de US$ 12,5 bilhões à Petrobras, segundo relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) divulgado em sessão de 14 de novembro de 2017. Pelo câmbio daquele dia, de acordo com o conversor de moedas do Banco Central, esse valor equivalia a R$ 41,035 bilhões. Atualizada pelo IPCA, a cifra seria de R$ 52,249 bilhões.

Três refinarias não foram entregues

Bolsonaro acertou ao dizer que os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (PT) não finalizaram a construção de três refinarias localizadas no Nordeste e no Sudeste. São elas a Premium I, no Maranhão; Premium II, no Ceará; e o Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro).

A Petrobras decidiu parar os projetos das refinarias no Maranhão e no Ceará em janeiro de 2015. "Tal decisão foi baseada na ausência de atratividade econômica dos projetos até aquele momento, consideradas as taxas previstas de crescimento dos mercados interno e externo de derivados, bem como a ausência de parceiro econômico para sua implantação", afirmou a petroleira em nota divulgada em seu site oficial.

O Comperj começou a ser construído no Rio de Janeiro em 2008, dentro do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), mas os trabalhos pararam em setembro de 2015, em meio à Operação Lava Jato — o ex-governador fluminense Sérgio Cabral chegou a ser condenado por um esquema de corrupção ligado às obras. Mesmo sem andar, o complexo ainda gerava custos bilionários para a estatal.

Em setembro do ano passado, a estatal e o governo do Rio de Janeiro tentaram dar um novo destino ao Comperj, rebatizado de Polo Gaslub de Itaboraí. A ideia é transformar a área em um distrito industrial voltado para negócios do setor de gás natural. A Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) estimou um potencial de R$ 15 bilhões em investimentos, segundo apurou a Folha de S. Paulo na altura.

Outra refinaria anunciada durante o governo Lula foi a Rnest (Refinaria Abreu e Lima), em Pernambuco, que está funcionando com metade da capacidade planejada, segundo estudo publicado no blog do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), da FGV (Fundação Getúlio Vargas). A conclusão da primeira fase aconteceu em 2014, três anos após o prazo estipulado pela Petrobras, e a segunda não foi concluída. Em 2005, quando a construção foi iniciada, o custo inicial estimado era de US$ 2,4 bilhões. Em 2015, esse valor havia saltado para US$ 18,5 bilhões. A Rnest também foi alvo da Operação Lava Jato.

Em novembro de 2021, a Petrobras anunciou um novo projeto para retomar as obras da Rnest. A previsão é que seja investido US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5 bilhões) para ampliar a capacidade de refino da primeira unidade instalada e concluir a segunda etapa do projeto.

Também foi construída durante o governo Lula a refinaria Clara Camarão, no Rio Grande do Norte, em operação desde 2009. Em janeiro, a Petrobras vendeu o Polo Potiguar, complexo que inclui a refinaria.

Bolsonaro deu a declaração checada no dia 16 de março, em entrevista à TV Ponta Negra (RN). O presidente também deu declarações similares em outras ocasiões, como nas lives de 10 e 17 de março e em entrevista para a Jovem Pan na segunda (21).

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