Topo

UOL Confere

Uma iniciativa do UOL para checagem e esclarecimento de fatos


A 6 meses da eleição, saiba o que é fato em falas de Lula, Bolsonaro e Ciro

3.abr.2022 - Lula (PT), Jair Bolsonaro (PL) e Ciro Gomes (PDT) são pré-candidatos à presidência em 2022 - Arte/UOL
3.abr.2022 - Lula (PT), Jair Bolsonaro (PL) e Ciro Gomes (PDT) são pré-candidatos à presidência em 2022 Imagem: Arte/UOL

Letícia Mutchnik e Rayanne Albuquerque

Do UOL, em São Paulo

03/04/2022 04h00

A seis meses das eleições, os três pré-candidatos à Presidência da República mais bem colocados em pesquisas de intenção de votoLuiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL) e Ciro Gomes (PDT) — têm misturado alegações corretas e incorretas em entrevistas e posts nas redes sociais.

O UOL Confere buscou checar declarações sobre temas que têm se repetido em manifestações de Lula, Bolsonaro e Ciro. A reportagem também acompanhou falas de Sergio Moro (União Brasil), que obteve patamares próximos aos de Ciro nas pesquisas, mas o ex-ministro e ex-juiz abriu mão de sua pré-candidatura na quinta (31). Confira abaixo a checagem:

Lula: economia, São Francisco e gasolina

As pessoas se esquecem que quando eu cheguei na presidência, em 2003, o Brasil devia 30 bi ao FMI, o Brasil não tinha dinheiro para pagar suas importações, o Brasil tinha uma dívida pública interna de 65% e não tinha um dólar de reserva internacional, a inflação estava 12% e o desemprego em 12%. O que nós fizemos? Consertamos o país. A inflação ficou em 4,5%, que era a meta que nós estabelecemos, o desemprego no final do mandato da Dilma a 4,3%, era o menor da história do país, a gente reduziu a dívida de 65% para 32%, a gente que nunca teve reserva fez uma reserva que hoje está em US$ 370 bilhões, ao mesmo tempo pagamos ao FMI e emprestamos US$ 15 bilhões ao FMI."
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

É verdade que o Brasil tinha uma dívida de US$ 30 bilhões com o FMI (Fundo Monetário Internacional) quando Lula assumiu a presidência, em 2003, mas o empréstimo feito pelo país foi de US$ 10 bilhões, não US$ 15 bilhões.

A trajetória da dívida brasileira foi descrita de forma distorcida pelo petista. Em 2002, a dívida interna do país equivalia a 53,9% do PIB (Produto Interno Bruto), enquanto em 2016, antes da saída de Dilma Rousseff (PT), estava em 63,5%, segundo o Banco Central. Os dados citados por Lula estão alinhados com a progressão da DLSP (dívida líquida do setor público), que regrediu de 54,3% do PIB em 2003 para 32,2% em 2012, mas fechou 2016 em 46,2%.

A DLSP consolida o endividamento do setor público não financeiro e do Banco Central com o setor privado (títulos públicos), o setor financeiro e o resto do mundo. A dívida interna é constituída por títulos públicos emitidos na moeda local. Detalhes sobre estes conceitos podem ser consultados no manual de estatísticas fiscais do Banco Central.

Também é verdade que a inflação subiu 12,5% em 2002. A meta de 4,5% citada por Lula foi adotada de 2005 a 2015. Segundo o Banco Central, a inflação ficou dentro dos intervalos de tolerância em todos estes anos, com exceção de 2015, quando ficou em 10,67%.

Em dezembro de 2021, o desemprego foi de 10,5%, e a média do ano foi de 11,7% — número bem próximo dos 12% citados pelo ex-presidente. A taxa de 4,3% mencionada por Lula foi atingida, segundo o IBGE, em dezembro de 2014, no fim do primeiro mandato de Dilma, ano em que a taxa média foi de 4,8%. No entanto, o petista omite que em 2015, ainda sob Dilma, a taxa média de desemprego já havia avançado para 8,5%.

Ao falar das reservas internacionais do Brasil, o ex-presidente cita um valor bem próximo do patamar registrado em fevereiro (US$ 362 bilhões). Apesar de elas terem crescido nos governos do PT, não é verdade que o Brasil "não tinha um dólar de reserva internacional" quando Lula assumiu. Em janeiro de 2002, o país tinha reservas de US$ 36,2 bilhões, segundo o Banco Central. Em abril de 2016, logo antes de Dilma ser afastada, o montante era de US$ 362,2 bilhões, de acordo com gráfico disponível no site do banco.

A declaração checada foi dada por Lula no dia 15 de março, em entrevista para a Rádio Espinharas (PB). Alguns dos mesmos temas foram citados pelo ex-presidente no evento de 100 anos do PCdoB, no dia 26; e em entrevistas às rádios Super Notícia (MG), no dia 24, e Som Maior (SC), no dia 22.

Eu e a Dilma chegamos a fazer quase 90% de toda a transposição do São Francisco, o Temer deve ter feito uns 3%, Bolsonaro, me parece que chegou a fazer uns 6% ou 7%, mas ele agora acha que fez a transposição do São Francisco."
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

É verdade que quase 90% das obras de transposição do rio São Francisco foram feitas nos governos Lula e Dilma. Os trabalhos seguiram nas gestões de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL).

Relatório divulgado pelo extinto Ministério da Integração Nacional em abril de 2016 mostra que a execução física da transposição do São Francisco estava em 86,3%. Desse total, 87,7% eram do eixo Norte — que passa por Pernambuco, Paraíba e Ceará —, enquanto o Eixo Leste — que vai de Pernambuco à Paraíba — contava com 84,4% de execução. Os percentuais correspondem à evolução dos projetos executivos, das obras civis, das instalações eletromecânicas e ações ambientais.

Ainda que as obras tenham avançado, a execução operacional da transposição em 2016 era de 16,15% do Eixo Norte e 15,67% do Eixo Leste do projeto, segundo divulgou a Casa Civil no governo Bolsonaro.

As obras seguiram durante o mandato de Temer. Em abril de 2017, as obras atingiram 96,7% de conclusão (94,92% no Norte e 100% no Leste), segundo o governo federal.

Quando Bolsonaro assumiu a presidência, em 2019, a execução física já estava acima de 90%, mas os percentuais de operação eram de 31,54% no Eixo Norte e 100% no Leste. Atualmente, ambos os eixos estão com 100% de execução, segundo a Casa Civil.

A declaração checada foi dada por Lula no dia 15 de março, em entrevista para a Rádio Espinharas (PB). A transposição também foi tema de falas do petista em vídeo compartilhado no Facebook no dia 18, e em publicação feita no Twitter no dia 15.

Hoje nós temos 392 empresas importando gasolina a preço de dólar, e essa gasolina chega a preço de dólar, fazendo com que o povo brasileiro pague uma das gasolinas mais caras do mundo."
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

Segundo checagem feita pela CNN Brasil com base em dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo), o Brasil tem 392 importadoras de gasolina, como disse Lula. E desde 2016, quando a Petrobras mudou sua política de preços, o valor do combustível está atrelado ao dólar.

Contudo, economistas ouvidos pelo UOL Confere em checagens anteriores esclareceram que a alta dos combustíveis não está relacionada à importação, mas à política de preços da estatal.

Por outro lado, é falso que o Brasil tenha uma das gasolinas mais caras do mundo. Na tabela do Global Petrol Prices, site que mapeia o preço médio da gasolina pelo mundo, Hong Kong tem os preços mais altos, e a Venezuela, os mais baratos. O Brasil está mais próximo ao meio da lista.

A declaração foi dada por Lula no dia 15 de março, em entrevista para a Rádio Espinharas. O petista também falou dos preços da gasolina na entrevista à rádio Super Notícia e em publicações nas redes sociais.

Bolsonaro: governos do PT, São Francisco e estatais

Se você pegar todos os desvios, roubalheira, corrupção, contratos mal feitos, obras começadas e não concluídas na Petrobras, o endividamento da mesma ao longo do governo Lula e Dilma foi de R$ 900 bilhões. No tocante ao BNDES, a mesma coisa: R$ 500 bilhões. Isso tudo dá R$ 1,4 trilhão. Isso dá pra fazer 100 transposições do Rio São Francisco".
Jair Bolsonaro (PL)

A alegação de Bolsonaro sobre a dívida da Petrobras é falsa. O valor recorde de endividamento da Petrobras ocorreu no terceiro trimestre de 2015, durante o governo Dilma, mas o valor é quase metade do citado pelo presidente: R$ 506,3 bilhões.

Segundo o balanço mais recente, do último trimestre de 2021, a Petrobras fechou o ano com uma dívida bruta de US$ 58,7 bilhões — ou R$ 331,65 bilhões, de acordo com a conversão pela taxa de câmbio nominal do Banco Central válida para dezembro de 2021 (R$ 5,65).

Já o endividamento do BNDES é tratado de forma distorcida pelo presidente. O próprio banco explica em seu site que, "entre 2008 e 2014, o Tesouro Nacional emprestou R$ 440,8 bi ao BNDES, e não 'R$ 500 bi'", e que esses valores foram usados "na concessão de financiamentos para mais de 400 mil empresas, assim como para estados e municípios, de forma direta ou indireta". O banco afirma já ter devolvido R$ 608,49 bilhões ao Tesouro, incluindo pagamento de juros.

Bolsonaro diz a verdade, no entanto, quando diz que o valor de R$ 1,4 trilhão seria suficiente para fazer 100 transposições do Rio São Francisco. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional, o investimento nas obras até agora foi de R$ 14,6 bilhões.

O presidente deu a declaração checada no dia 16 de março em entrevista à TV Ponta Negra (RN). Ele repetiu falas semelhantes em entrevista à Jovem Pan no dia 21 e em sua live no dia 24.

Quando se fala 'ah, eu concluí tal ramal em 80%, 90%' é verdade, ele concluiu há um tempão atrás, mas por intempéries da natureza, e por essas obras terem sido abandonadas, elas foram simplesmente danificadas. Muitas partes da transposição do São Francisco precisaram ser refeitas completamente e nosso governo fez isso aí, estava tudo arrebentado."
Jair Bolsonaro (PL)

A fala de Bolsonaro está sem contexto. Apesar de o atual governo ter feito diversos reparos na estrutura da transposição do Rio São Francisco, problemas já vinham sendo identificados desde o governo Temer, quando parte das obras também foi retomada.

Em abril de 2017, o governo Temer assinou um contrato para a retomada de obras no eixo norte da transposição. A volta dos trabalhos chegou a ser questionada na Justiça, mas o STF (Supremo Tribunal Federal) liberou o prosseguimento das atividades. Temer também inaugurou um trecho do eixo leste em 2017. Em 2018, um relatório da CGU (Controladoria-Geral da União) apontou que a transposição corria riscos devido à falta de planejamento para manutenção e operações.

De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional, desde 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, a necessidade de reparos atrasou a conclusão da transposição em um ano e meio. A pasta listou consertos que foram feitos no atual governo em estruturas construídas em administrações anteriores, como a barragem de Jati e o Dique 1217, próximo ao Dique Negreiros, em Pernambuco. O ministério também disse ter feito 618 reparos para eliminar vazamentos.

Segundo o MDR, "somente em 2021, com o reparo de problemas estruturais graves e a realização de investimentos, os dois eixos [Norte e Leste] chegaram a 100% da capacidade de operação e estão com a água percorrendo os 477 quilômetros, assim também ocorre no Ramal do Agreste, entregue em outubro passado."

A declaração checada foi dada por Bolsonaro no dia 16 de março em entrevista à TV Ponta Negra (RN). A transposição do rio São Francisco foi assunto de diversas publicações do presidente nas redes sociais e no Telegram desde o começo do ano.

Em 2019, passamos a um lucro de mais de R$ 109 bilhões [nas estatais]. O BNDES aumentou seu lucro em 164% de 2018 para 2019 e em 65% de 2020 para 2021, quando bateu lucro líquido recorde de R$ 34,1 bilhões."
Jair Bolsonaro (PL)

É verdade que as estatais tiveram lucro superior a R$ 109 bilhões em 2019, de acordo com o 13º Boletim das Empresas Estatais Federais do quarto trimestre de 2019, com base em dados do Siest (Sistema de Informação das Estatais) e demonstrações contábeis.

Também está correto o dado sobre o aumento de lucro do BNDES de 2018 para 2019. Ainda segundo o 13º boletim das estatais, o banco saiu de um lucro de R$ 6,7 bilhões em 2018 para um lucro de R$ 17,7 bilhões em 2019 — o que de fato resulta em um aumento de 164%.

O aumento de lucro de 2020 para 2021 também corresponde ao que foi dito pelo presidente. "O volume em 2021 foi 65% superior ao registrado em 2020", confirma a página oficial do BNDES. No site do banco também se confirma que 2021 bateu recorde de lucro líquido com a marca de R$ 34,1 bilhões.

Bolsonaro deu a declaração checada nas redes sociais e no Telegram no dia 23 de março. O presidente também falou do lucro das estatais em live no dia 17.

Ciro: economia e histórico na gestão pública

Ao final de sua gestão, o Brasil obteve o maior superávit da sua história: 5,2% em relação ao PIB, ou seja, o Brasil arrecadou mais do que tinha para gastar."
Ciro Gomes (PDT)

A afirmação de Ciro está sem contexto. Apesar de o dado ser verdadeiro, seu mandato como ministro da Fazenda durante o governo de Itamar Franco foi de apenas 4 meses em 1994.

O superávit ocorre quando as receitas do governo são maiores que as despesas, sem levar em conta os gastos com o pagamento dos juros da dívida pública. Segundo artigo do economista Fabio Giambiagi publicado em 2008 na revista Economia Aplicada, o setor público consolidado teve superávit de 5,2% do PIB em 1994. Giambiagi cita o Banco Central como fonte dos dados. O superávit de 1994 é o maior da série histórica organizada pelo economista, que vai de 1991 a 2008.

O resultado para o setor público consolidado inclui os números do chamado governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central), além de estados, municípios e estatais.

O site do Tesouro Nacional disponibiliza uma série histórica iniciada apenas em 1997, e somente para o resultado primário do governo central. Em 1994, segundo a pesquisa de Giambiagi, o governo central teve superávit de 3,25%, também superior aos registrados posteriormente, segundo os dados do Tesouro.

No entanto, Ciro só foi ministro da Fazenda de setembro a dezembro de 1994. Também ocuparam o cargo naquele ano Fernando Henrique Cardoso e Rubens Ricupero.

A declaração checada foi dada nos dias 17 e 21 de março no Twitter. Ciro fez o mesmo comentário na campanha presidencial de 2018.

São 70 de cada 100 brasileiros ou estão abertamente desempregados, 12 milhões de pessoas, ou estão empurrados para a mais selvagem informalidade do mercado de trabalho da história do Brasil."
Ciro Gomes (PDT)

A quantidade de pessoas desempregadas hoje no Brasil mencionada por Ciro é verdadeira, de acordo com os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O número se repetiu nos últimos dois trimestres móveis (novembro-janeiro e dezembro-fevereiro).

No entanto, é falso que a soma dos desempregados com os trabalhadores informais represente "70 de cada 100 brasileiros". O número revelado pela PNAD Contínua é alto, mas menor do que o dito por Ciro.

Segundo a pesquisa referente ao trimestre móvel que vai de novembro a janeiro, havia 38,5 milhões de trabalhadores informais no Brasil. Mesmo se levando em conta apenas os 107,5 milhões de brasileiros considerados como força de trabalho pelo IBGE, a soma de desempregados com trabalhadores informais resulta em um total de 50,5 milhões — ou seja, 46,9% dos brasileiros em idade de trabalhar.

No trimestre móvel de dezembro a fevereiro, cujos dados foram divulgados na quinta (31), os números foram parecidos: 38,3 milhões de informais e 12 milhões de desempregados representavam, em conjunto, 46,9% de uma força de trabalho de 107,2 milhões de pessoas.

Ciro deu a declaração checada para a Rádio Bandeirantes no dia 25 de março. Ele fez comentário semelhante no dia 18, durante o Seminário de Combate à Corrupção.

Faz 10 anos que a economia não cresce nada. O Bolsonaro desses 10 anos é responsável por dois e Temer por dois. Mas 6 anos são do Lula. Pela primeira vez em 120 anos de história o Brasil tem um crescimento econômico médio de zero."
Ciro Gomes (PDT)

A declaração é verdadeira. Na última década, o crescimento econômico médio do Brasil foi praticamente zero. De acordo com cálculos do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) o Brasil fechou o período entre 2011 e 2020 com um aumento médio anual de apenas 0,3%.

Também é verdade que a década foi a pior economicamente dos últimos 120 anos do país. O valor mais baixo de crescimento tinha sido de 1,6% durante a crise da década de 1980, segundo o Ibre/FGV, baseado em dados do Ipea e do IBGE.

Quando o pré-candidato diz que "6 anos são do Lula", na verdade se refere aos anos do governo Dilma (2011-2016).

Ciro deu a declaração checada no dia 25 de março à Rádio Bandeirantes. Ele já havia falado do assunto em discurso em evento do PDT em 21 de janeiro e em vídeo postado em seu canal do YouTube em 25 de fevereiro.

O UOL Confere é uma iniciativa do UOL para combater e esclarecer as notícias falsas na internet. Se você desconfia de uma notícia ou mensagem que recebeu, envie para uolconfere@uol.com.br.