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"Podem ter surgido outros Amarildos", diz delegado do caso em depoimento

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

20/02/2014 14h57Atualizada em 20/02/2014 17h19

A primeira audiência sobre o processo do desaparecimento e morte do pedreiro Amarildo Dias de Souza, que morreu após ser levado por policiais militares à sede da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha, favela da zona sul do Rio de Janeiro, começou na tarde desta quinta-feira (20) com o depoimento do delegado que chefiou a investigação, Rivaldo Barbosa, titular da DH (Divisão de Homicídios). Ele falou por cerca de três horas.

Ele afirmou à Justiça que outros moradores da favela da Rocinha podem ter sumido em circunstâncias semelhantes. Segundo ele, os policiais militares da UPP Rocinha já "cometiam ameaças e torturas" contra outras pessoas residentes na comunidade. "Podem ter surgido outros Amarildos", disse.

Na versão do titular da Divisão de Homicídios, a UPP era vista, de maneira geral, com bons olhos pelos moradores da Rocinha. No entanto, o grupo de PMs suspeitos de praticar torturas era "violento e perigoso". Os crimes, segundo Barbosa, ocorriam com autorização do ex-comandante da UPP, o major Edson Santos, um dos 25 réus no processo.

Ainda de acordo com o chefe da DH, houve uma falha durante a apuração, porque o local onde o pedreiro foi torturado não foi objeto de perícia. No entanto, ao sair da sala da CAC (Central de Assessoramento Criminal), onde a imprensa não foi autorizada a entrar, ele disse que tem a "consciência tranquila" com relação ao trabalho de investigação. "Saio tranquilamente do trabalho e das minhas convicções. Agora é com o Poder Judiciário e com o Ministério Público."

Amarido teria sido torturado atrás dos conteineres da UPP, no alto da comunidade, em uma localidade conhecida como Portão Vermelho. No mesmo local, informou Barbosa, caberiam dez homens. Para o delegado, todos os PMs que estavam no momento em que a vítima foi levada à sede da UPP participaram da suposta sessão de tortura.

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"A coragem que tempera o inquérito do caso Amarildo é inversamente proporcional ao destaque diminuto que as conclusões policiais receberam nos meios de comunicação: parece que se trata apenas de mais uma peça produzida pela Polícia Civil do Rio de Janeiro"

"Inicialmente, o inquérito apontava que o Amarildo foi morto por um traficante. A ação dos policiais foi uma manobra ardilosa para imputar a terceiros a tortura de Amarildo", disse o delegado.

Barbosa afirmou que o ex-comandante da UPP tentou dificultar a apuração da Divisão de Homicídios. Segundo Barbosa, o major Edson Santos pressionava os seus subordinados a "darem a mesma versão" sobre o desaparecimento da vítima. A informação foi comprovada por meio de escutas telefônicas.

Além disso, afirmou o delegado, Santos "demorava dias para liberar os PMs" quando estes foram intimados a prestar depoimento na sede da DH, na Barra da Tijuca, zona oeste da cidade. "Tive que recorrer à CGU [Corregedoria Geral Unificada] para que eles falassem", disse Barbosa. O titular da Divisão de Homicídios é a primeira das 20 testemunhas de acusação a ser ouvida na audiência.

"Inicialmente, o inquérito apontava que Amarildo havia sido morto por um traficante [conhecido na comunidade pelo apelido de Catatau]. A ação dos policiais foi uma manobra ardilosa para imputar a terceiros a tortura do Amarildo. (...) Os depoimentos dos PMs eram incongruentes, porque todos tinham a mesma versão", declarou Barbosa.

"Os moradores da Rocinha também prestaram depoimento na tentativa de alegar que o Amarildo havia sido morto pelo Catatau.  Mas os depoimentos eram totalmente diferentes da oitiva do MPM [Ministério Público Militar]. Ou seja, os moradores foram coagidos pelos policiais", disse.

O delegado afirmou ainda que, durante as oitivas da DH, os policiais suspeitos de envolvimento demonstravam "muito medo" de prestar depoimento, e que a tese de que Amarildo havia sido vítima de tortura só surgiu a partir de "conversas informais". Na versão do responsável pela investigação, o morador da Rocinha foi torturado entre 19h35 e 19h40 do dia 14 de julho do ano passado.

 

  • Baseado em investigações da Polícia Civil e do Gaeco, o Ministério Público ofereceu denúncia à Justiça na qual acusa 25 PMs de participação no desaparecimento de Amarildo e descreve o que aconteceu com ele na noite em que foi morto

Das 20 testemunhas de devem ser ouvidas hoje, 19 são policiais civis. Completa a lista a mulher de Amarildo, Elizabeth de Souza. Os advogados dos acusados arrolaram 20 testemunhas de defesa.

Além de Barbosa e Elizabeth, a juíza da 35ª Vara Criminal da Capital, Daniela Alvarez Prado, ouvirá o ex-delegado da 15ª DP (Gávea), Orlando Zaccone, que iniciou a apuração sobre o desaparecimento da vítima, e a delegada-assistente da DH, Ellen Souto. Por ordem da magistrada, a imprensa não foi autorizada a acompanhar a audiência.

Os 25 réus compareceram à audiência de instrução e julgamento, entre os quais o ex-comandante da UPP Rocinha, major Edson Santos.

Comandante da UPP da Rocinha na época, o major Édson Raimundo dos Santos é acusado de ordenar a tortura e as fraudes posteriores para ocultar a cena do crime e gerar provas falsas, como uma ligação de celular em que um dos soldados se faz passar por um traficante que se responsabilizaria pela morte de Amarildo.

O Ministério Público denunciou à Justiça 25 policiais militares pelo crime de tortura seguida de morte. Dos 25 PMs, 13, incluindo o major Edson Santos, e o subcomandante da UPP da Rocinha, tenente Luís Felipe de Medeiros, estão presos.

CÂMERAS NÃO FUNCIONARAM

  • Alessandro Buzas/Futura Press

    A ONG Rio de Paz colocou manequins na praia de Copacabana, na zona sul, em protesto contra o desaparecimento de Amarildo

  • As câmeras da UPP da Rocinha pararam de funcionar no mesmo dia em que Amarildo foi levado para lá por policiais "para averiguação". O relatório da empresa Emive mostra que, das 80 câmeras instaladas na favela, apenas as 2 da sede da UPP apresentaram problemas. MAIS

Todos os policiais militares que na época atuavam na UPP da Rocinha respondem por tortura seguida de morte, mas sobre alguns membros do grupo também pesam acusações de omissão, ocultação de cadáver, fraude processual e formação de quadrilha armada.

As penas previstas variam entre nove anos e seis meses até 30 anos de prisão. Quatro são acusados de torturarem diretamente o pedreiro, e suas penas devem ser maiores. São eles o tenente Luiz Felipe de Medeiros, o sargento Reinaldo Gonçalves e os soldados Anderson Maia e Douglas Roberto Vital.

O MP aposta em um conjunto de provas "contundentes". O caso foi popularizado pela frase "Cadê o Amarildo?", estampado em centenas de cartazes de manifestantes pelas ruas de todo o país e nas redes sociais.