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Inquérito revela ordem do chefe do tráfico na Maré: "Arrebenta a federal"

Menor P tinha três informantes que lhe davam as coordenadas para fugir de operações policiais - Divulgação/Disque-Denúncia
Menor P tinha três informantes que lhe davam as coordenadas para fugir de operações policiais Imagem: Divulgação/Disque-Denúncia

Maria Luisa de Melo e Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

17/04/2014 10h00

Marcelo Santos das Dores, conhecido como Menor P, chefe do tráfico de drogas no Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, escapou de uma megaoperação da Polícia Federal, realizada no dia 23 de dezembro de 2013, orientado por informações vazadas da Polícia Militar. A ação foi deflagrada em conjunto com o Bope (Batalhão de Operações Especiais), a divisão de elite da PM.

Segundo documento sigiloso da DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes), da Polícia Federal, ao qual a reportagem do UOL teve acesso com exclusividade, Menor P já estava a par do planejamento das forças policiais no dia 22 de dezembro, véspera da operação. Em uma interceptação telefônica, os investigadores flagraram Menor P pedindo cautela a Lisandro Martins da Silva, conhecido como Raio ou Trovão, que seria gerente financeiro da quadrilha.

"Ninguém sai da rua ou sai para algum lugar antes de ver realmente se tem necessidade", afirma Menor P ao suposto comparsa --preso no dia 31 de março em uma pizzaria em Copacabana, na zona sul-- por meio de um radiotransmissor. A mesma ordem pôde ser ouvida por todos os traficantes que utilizavam o equipamento de comunicação.

Em outra ligação, o chefe do tráfico na Maré dá ordem direta para que os traficantes ataquem a tiros os homens da PF, que entraram na favela dentro do veículo blindado do Bope, o "caveirão". De acordo com o relatório da DRE, a mensagem "chamou a atenção da equipe de investigação", já que ninguém, a não ser a PM, sabia da participação de policiais federais na operação.

16.abr.2014 - Imagem para matéria "Informações vazadas da PM guiaram fuga de Menor P de cerco da PF no Rio" (5) - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Embora tenha resultado na prisão de Josemaldo da Silva Bezerra, o Da Redley, apontado como membro do alto escalão da quadrilha, e dois de seus seguranças, a operação foi considerada um "fracasso" pelos agentes da PF, uma vez que o alvo principal, Menor P, havia escapado.

Três meses depois, no dia 27 de março, Menor P foi capturado em uma ação planejada e executada apenas pela PF. Ele foi localizado em um apartamento de classe média em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio, e não resistiu à prisão.

Procurada pela reportagem do UOL, a assessoria da PF informou que "as investigações estão tramitando sob segredo de Justiça, o que impede qualquer manifestação sobre o assunto". Já o comandante do Bope, tenente-coronel Luiz Cláudio Laviano, informou que a reportagem deveria procurar a assessoria de imprensa da PM, que, por sua vez, disse não ter tido acesso aos autos, e por isso não comentaria o assunto. O advogado de Menor P, Nilson Lopes, foi preso por agentes da PF, e não há informação sobre a sua substituição à frente da defesa do criminoso.

Interceptações telefônicas

No dia 22 de dezembro, logo pela manhã, Lisandro recebe uma mensagem de seu chefe, Menor P, pedindo que ele e os demais subordinados ficassem "ligados". À noite, o líder da quadrilha volta a fazer contato, e orienta Lisandro a deixar o "audi no puxe", o que significa deixar um veículo pronto para a fuga.

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Algumas horas depois, já durante a madrugada do dia 23 de 23 de dezembro, o chefe da quadrilha alerta sobre a entrada de um dos blindados da PM: "Começou a operação".

Entre 3h15 e 6h32, Menor P envia a Lisandro mensagens sobre a movimentação das forças policiais na favela. "Não dá tiro", diz ele, às 3h20. "Federal dentro do blindado", complementa, às 3h24. Ele também avisa sobre o deslocamento do helicóptero da PM e sobre a presença de atiradores de elite nas lajes.

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Já pela manhã, passadas sete horas do início da operação, Menor P parece se desesperar com o avanço dos policiais. Ele tenta incentivar os comparsas a resistir. "Quero ver todo mundo focado com brilho nos olhos. Vamos vencer mais essa batalha", exclama.

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Às 12h40, Menor P dá sinais de desistência. "Joga as bomba toda to caindo pra pista [sic]", diz ele.

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Informantes

O relatório da DRE identifica os três homens que atuavam como informantes da quadrilha de Menor P: Luciano de Lima Fagundes Pinheiro, o Bonitão, Luiz Cláudio Holanda Marques, o Gordo, e Jorge Antônio Couto Correia, o Anão ou J. Os três foram presos na operação Maioridade, da Polícia Federal, no dia 31 de março.

Correia trabalhava como instrutor de tiro e tinha "livre circulação no meio policial, inclusive no Batalhão de Operações Especiais", com "acesso a informações privilegiadas de operações, locais, datas e horários", segundo o relatório. Cada um recebia R$ 10 mil por cada informação repassada, de acordo com a investigação da PF.

Correia passava as informações a Bonitão, responsável pelo contato direto com Menor P. Pinheiro é ex-agente penitenciário da Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária) e ex-funcionário do atacante Vagner Love, que atualmente joga no clube chinês Shandong Luneng.

"Mensagens elencadas nos autos circunstanciados anteriores demonstram que Bonitão vendia informações de operações policiais para os traficantes por ora investigados. Para tanto, ele contava com ajuda do policial militar Luiz Cláudio Holanda Marques, o Gordo, e do instrutor de tiro Jorge Antônio Couto Correia, mais conhecido como Anão ou J", informa o relatório.

A reportagem do UOL apurou junto à 40ª Vara Criminal, responsável por deferir o pedido de prisão para o instrutor de tiro Jorge Antônio Couto Correia, que ainda não há um processo criminal tramitando na Justiça, isto é, os três suspeitos estão presos preventivamente e ainda não são considerados réus. Por esse motivo, ainda não possuem advogados constituídos. A informação indica que o inquérito da PF ainda não foi concluído, e a investigação sobre a quadrilha de Menor P está em curso.

Segundo o advogado Alexandre Mendonça Arruda, antes de ser preso, Luciano tentava obter na Justiça o reingresso na Secretaria de Estado de Administração Penitenciária. "Ele queria voltar a exercer a função de agente penitenciário", afirmou o advogado, que defende Bonitão apenas neste processo, em trâmite na 7ª Câmara Cível.

"Tivemos um pedido de liminar indeferido pela juíza e recorremos da decisão. Mas, após a prisão dele, protocolamos um pedido de desistência desse recurso, já que não houve intimação do Estado", explicou Arruda, argumentando que uma nova tentativa de reingressar no serviço público só será feita a partir de uma eventual soltura de Luciano.

Vídeo divulgado pela PF mostra momento da prisão de Menor P