Medo, eventos cancelados e escolas vazias: a rotina de Natal 'sitiada'
Uma cidade sitiada, com os habitantes evitando sair à noite, com aulas em escolas e universidades esvaziadas e até shows musicais cancelados. O retrato poderia ser o de uma cidade síria, que convive com guerra civil e combates entre países ocidentais e o Estado Islâmico. Mas é uma capital estadual brasileira que vive uma onda de violência poucas vezes vista no Brasil.
O medo de ser vítima de ataques criminosos mudou a rotina de moradores de Natal, no Rio Grande do Norte. Usuários de ônibus e trabalhadores do setor de transporte relatam a tensão que estão vivendo, nesses últimos dias no Estado.
Pelo menos 27 ônibus e micro-ônibus foram incendiados no Rio Grande do Norte, entre a última sexta-feira (29) e e madrugada desta terça-feira (2). Os atentados começaram um dia depois que bloqueadores de sinal de celulares foram instalados no PEP (Presídio Estadual de Parnamirim), localizado na região metropolitana de Natal.
Vândalos obstruíram a linha férrea da CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) com pedaços de madeira e latas, no bairro Pitimbu, zona sul de Natal, nesta terça. A Polícia Militar foi acionada para dar segurança aos funcionários da companhia durante a desobstrução dos trilhos. Apesar do movimento dos trens, não houve acidente. Nenhum suspeito foi preso.
Aulas esvaziadas
Usuária do transporte público, a estudante de serviço social Suelen Lopes, 24, não está indo às aulas desde a sexta-feira (29) na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Evita também sair de casa por falta de segurança, deixando de ir à padaria e ao comércio no bairro em que mora, na zona oeste de Natal. A decisão foi tomada depois que o terminal de ônibus localizado próximo a sua casa foi atacado por criminosos.
“Todo mundo está com sentimento de medo e insegurança constante. Todos evitam sair de casa por medo dos atentados, medo de estar num ônibus e de repente ter que sair correndo, num tumulto ou incêndio. Sair de casa ficou fora de cogitação, principalmente de ônibus. Não vou às aulas na faculdade, nem ao comércio por medo. É horrível”, disse a estudante.
Os 13 campi do IFRN (Instituto Federal do Rio Grande do Norte) suspenderam as aulas nesta segunda e terça-feira devido às condições de insegurança que o Estado vem enfrentando. As aulas retornam nesta quarta-feira. Ontem e hoje, as aulas da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) terminam mais cedo, às 20h.
Professores foram orientados a não aplicarem provas ou registrar faltas dos estudantes que não compareceram às aulas no período. A Universidade do Potiguar, uma das maiores faculdades particulares do Estado, adiou o início do segundo semestre, programado para o dia 1º de agosto. As aulas começam na próxima quinta-feira (4).
O taxista de Natal Wendel Fernandes, 44, também relata a rotina de medo de ter de trabalhar mesmo no meio do caos que se instalou pela cidade. Mas ele adotou algumas medidas de segurança para diminuir o risco de ser vítima de crimes.
“Não faço lotação, como a prefeitura está orientando para que usuários de ônibus não fiquem sem transporte. A gente escolhe passageiros, evita pegar pessoas desconhecidas, pois a sensação de insegurança é grande com esses ataques. À noite eu rodo atendendo somente clientes cadastrados, mas mesmo assim, até certa hora. Infelizmente, outros colegas são obrigados a cumprir carga horária extensa para pagar o aluguel do carro e da praça e ficam se arriscando pegando passageiros desconhecidos. Até agora, não aconteceu nenhum ataque com taxistas, mas ficamos sempre em alerta e vamos avisando uns aos outros quando observamos algum passageiro suspeito tentando pegar táxi”, disse Fernandes.
Um motorista de van, que trabalha em viagens de Mossoró a Natal há cerca de dez anos, relata a tensão de trabalhar em um veículo visado por criminosos para ser incendiado. Ele pediu para não ser identificado e contou que nunca passou por período extenso de medo como está vivendo desde a última sexta-feira.
“Saio de Mossoró com passageiros certos na viagem, mas mesmo assim evitei parar na estrada para pegar um ou dois passageiros que acenaram quando a van estava um pouco mais vazia nesses dias. Não posso deixar de viajar porque dependo dessas viagens para pagar minhas contas e sustentar a família. Por isso, até o horário de voltar mudei, tento sair de Natal às 16h para não ficar muito tempo na estrada à noite. A viagem toda é pensando na defensiva, de como vou agir em caso de ataque ao meu carro”, contou o motorista.
Sem show e sem serviços
Temendo sofrer ataques criminosos, motoristas e cobradores de ônibus recolhem os ônibus desde a sexta-feira (29) para evitar depredações, vandalismos e outros tipos de ataques. Nas tardes de sábado (30) e domingo (31) nenhum coletivo saiu das garagens. O serviço foi restabelecido nesta segunda-feira (1º) pela manhã, após a garantia do governo do Estado de que policiais militares fariam escoltas, porém as últimas viagens ocorreram às 21h.
Nesta terça-feira (2), o serviço funcionou normalmente durante o dia, mas o Seturn (Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários do Rio Grande do Norte) já comunicou que rodoviários devem recolher os veículos às 21h30.
O serviço de recolhimento de lixo e limpeza das ruas de Natal também chegou a ser suspenso no fim de semana. A medida foi tomada após dois carros da Urbana (Companhia de Serviços Urbanos de Natal) terem sido atacados no sábado. Algumas áreas de Natal chegaram a ficar com lixo espalhados pelas ruas, porém, nesta terça-feira, todo o serviço foi restabelecido.
A banda Jota Quest cancelou o show que realizaria na Arena das Dunas, no próximo sábado (6). A organização do evento alegou que a decisão foi tomada pela insegurança que atinge Natal nos últimos dias. O show será reagendado, mas ainda sem data confirmada.
Prisão e fugas
A Polícia Civil informou nesta terça-feira (2) que prendeu um homem apontado como um dos líderes da facção criminosa Sindicato do Crime do RN, acusada de ordenar a série de atentados que vêm ocorrendo em Natal e cidades do interior do Estado.
Segundo Clayton Pinho, delegado-geral da Polícia Civil, Daniel Silva Carvalho, 29, cumpria pena no regime semiaberto no RN e foi preso usando uma tornozeleira eletrônica. Ele não reagiu à ordem de prisão.
Já cinco presos apontados como líderes de facção e acusados de ordenar a série de ataques criminosos foram transferidos para o presídio federal de Mossoró nesta segunda-feira (1º). Nos próximos dias, ainda serão transferidos outros 20 acusados de participar da articulação dos ataques. De acordo com o governador Robinson Faria (PSB) a transferência do restante do grupo aguarda apenas trâmites burocrático com o Depen (Departamento Penitenciário Nacional).
Por outro lado, 14 presos escaparam do Centro de Detenção Provisória da Ribeira, em Natal, na madrugada desta segunda-feira (1º).
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