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Governo do RN não sabe número de presos em presídios onde houve 26 mortes

Peritos fazem varredura na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, na Grande Natal, em busca de partes de corpos de detentos mortos - Andressa Anholete - 21.jan.2017/AFP
Peritos fazem varredura na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, na Grande Natal, em busca de partes de corpos de detentos mortos Imagem: Andressa Anholete - 21.jan.2017/AFP

Aliny Gama

Colaboração para o UOL, em Maceió

24/01/2017 15h40

Dez dias se passaram da rebelião mais violenta do Rio Grande do Norte e o governo do Estado ainda não sabe quantos presos estão custodiados na Penitenciária Estadual de Alcaçuz e no presídio Rogério Coutinho Madruga, localizados em Nísia Floresta (região metropolitana de Natal). Durante a briga entre facções criminosas, no dia 14, pelo menos 26 presos foram assassinados -- 24 deles decapitados e dois carbonizados — segundo dados do governo do Estado.

Com os pavilhões dos dois presídios dominados por presos das facções criminosas PCC (Primeiro Comando da Capital) e Sindicato do Crime do RN, a Polícia Militar e agentes penitenciários ainda não entraram nos pavilhões para fazer a contagem dos internos que estão dentro das duas unidades prisionais.

Segundo dois agentes penitenciários e um policial militar, lotados no complexo de Alcaçuz entrevistados pelo UOL na última segunda-feira (23), há suspeita de que os detentos do PCC do presídio Rogério Coutinho Madruga estejam portando armamentos pesados, como pistolas .40 e 380, revólveres 38 e espingarda 12. Dessa forma, o alto risco de morte de policiais e detentos durante a entrada nos pavilhões impede qualquer intervenção dentro das unidades prisionais.

“O PCC está armado e muito bem armado, por isso, que não se entrou ainda no pavilhão 5, pois haverá mortes de PMs e de muitos presos. Só vamos até o pátio e só. Já fomos avisados pelo PCC que passando dali dará guerra”, contou o policial, que não quis ser identificado.

Atualmente, policiais e agentes penitenciários só estão na área externa dos presídios; os militares fora das muralhas e os agentes penitenciários e policiais do RN na área interna, mas sem entrar nos pavilhões. A comunicação entre a segurança dos presídios e os presos é feita por internos responsáveis por pegar a comida dos presos e levar para dentro dos pavilhões.

Segundo o agente penitenciário, a contagem de mortos e de feridos é feita quando corpos são jogados no pátio e feridos pedem socorro. “Foram 14 horas de rebelião e, desde então, ninguém da segurança entrou nos pavilhões porque os presos estão soltos, além disso, há informações de armas dentro do pavilhão 5, é muito arriscado. Precisamos acalmar os ânimos dos presos para fazer essa revista minuciosa e contagem para saber a real situação dos presos”, contou o agente penitenciário.

Número de mortos pode passar de 100

Os três entrevistados pelo UOL, que estavam no plantão na noite da rebelião do dia 14, acreditam que número oficial de mortos é duas vezes maior do que o oficial divulgado pelo Estado. A identidade deles foi preservada para garantir a segurança dos profissionais.

"Em sete anos de sistema nunca dei meu sangue por um plantão como dei ontem [dia 14], essas últimas horas de serviço foram cruciais. Pelo que podemos averiguar até o momento, a rebelião de Manaus vai ser fichinha em comparação ao que teve aqui em Alcaçuz. Pelo que verificamos, a quantidade de mortos é de, no mínimo 100. Vamos aguardar após a contagem dos presos para confirmar esse número”, disse outro agente penitenciário que estava no plantão do dia 14 quando ocorreu a rebelião entre PCC e Sindicato do Crime do RN.

A incerteza do número de mortos também aumenta com questionamentos de familiares de presos, que se comunicaram com detentos durante a rebelião. Em um áudio entre um preso e a mulher, ele comenta que “já passaram de 40 mortos somente no pavilhão 4”.

“Os presos que pegam a comida para os pavilhões nos contaram que têm muitos corpos queimados, enterrados e jogados nas 18 fossas existentes em Alcaçuz. As notícias que temos do que está se passando dentro dos pavilhões são relatos de presos que falam sobre as duas facções. Se não fosse essa comunicação, não saberíamos de nada”, afirmou o policial.

Além disso, no dia 16, quando o Itep-RN (Instituto Técnico de Perícia) começou a organizar a retirada dos corpos para necropsia, estava em busca de um caminhão frigorífico para locação que tivesse capacidade para 100 corpos, porém só encontrou um com capacidade para 50.

Segundo o policial militar, o descontrole do Estado é tamanho que, mesmo com a contagem dos presos que estão custodiados no complexo de Alcaçuz e dos corpos encontrados oficialmente, quando houver uma varredura geral nos pavilhões vão observar que está faltando preso. "Como houve fugas não registradas e não se sabe quantos presos e quem fugiu, os corpos escondidos em Alcaçuz e que não forem encontrados podem dizer que o preso fugiu, mas,  na verdade, ele fora assassinado e seu corpo não encontrado. Só daqui um tempo que as famílias vão aparecer com números diferentes dos repassados pelo Estado."

“Não se sabe quantos presos fugiram, quantos morreram, quantos foram carbonizados, quantos foram retalhados, ou seja, na Síria se sabe mais que aqui”, disse um policial militar lotado em Alcaçuz. Ele contou que no sábado (21) quando os contêineres estavam sendo instalados entre os dois presídios e a polícia foi acionada para fazer a guarda dos trabalhadores observou cabeças e pedaços de corpos nas dunas.

Os dois presídios foram construídos em terreno arenoso, com área de dunas, e presos facilmente escavam túneis para conseguir fugir. A Sejuc  (Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania) afirma que apenas um preso fugiu durante a tensão nos presídios, mas ele foi recapturado logo em seguida. Nesta segunda-feira (23), presos tentaram fugir pelo telhado de Alcaçuz usando uma corda de pano. Durante a contenção da fuga, um preso foi baleado no braço. 

A penitenciária de Alcaçuz está superlotada e custodia 1.169 presos em um espaço construído para 620 homens. Em Alcaçuz existem quatro pavilhões e detém presos das facções criminosas PCC (Primeiro Comando da Capital), no pavilhão 3, e Sindicato do Crime do RN, nos 1, 2 e 4.

Já o Presídio Rogério Coutinho Madruga é conhecido como pavilhão 5 de Alcaçuz por ficar vizinho à penitenciária e está com lotação abaixo da capacidade. Lá, são custodiados 360 presos e num espaço para 402 presos e estão apenas integrantes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

Em contato com o UOL, a Sejuc justifica que a contagem dos presos do complexo de Alcaçuz ainda não foi feita porque o governo do Estado aguarda o melhor momento para não causar mais tensão nas unidades prisionais. A secretaria disse ainda que desconhece que presos estejam armados dentro do Complexo de Alcaçuz.

A secretaria negou que haja mais corpos escondidos nos dois presídios, pois afirmou que a Caern (Companhia de Água e Esgoto do RN), responsável pelas fossas, verificou os espaços e não encontrou nenhum material de corpo humano dentro dos locais. Porém, a Sejuc não soube dizer quantos presos atualmente estão custodiados no Complexo de Alcaçuz após a rebelião, se há suspeita de fugas não registradas e quantos presos teriam fugido.

Segundo a Sejuc, apenas um preso tentou fugir no dia 14 e logo foi pego pela polícia. Na madrugada de ontem, presos tentaram fugir pelo telhado de Alcaçuz usando uma corda de pano e três túneis foram descobertos pela polícia. Porém, não se sabe se os túneis foram usados pelos presos. A saída das escavações foi fechada com concreto.