"Transformaram casebres em prisões improvisadas", diz promotor sobre presídios de Goiás
A presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Cármen Lúcia, reúne-se nesta segunda-feira (8) com autoridades de Goiás para debater a crise do sistema prisional pela qual passa o Estado. Após o encontro, ela irá visitar o complexo prisional de Aparecida de Goiânia, na região metropolitana da capital, onde aconteceram três rebeliões nos primeiros dias do ano.
Caso visitasse algumas unidades prisionais do interior do Estado, a ministra constataria que Goiás transformou antigos prédios públicos, a exemplo de repartições municipais e unidades da Polícia Militar, em cadeias e presídios improvisados, onde são recorrentes fugas e violações aos direitos humanos, de acordo com ações cíveis públicas do MP (Ministério Público) de Goiás.
"Transformaram verdadeiros casebres em prisões", afirma, em entrevista ao UOL, o promotor de justiça Luciano Miranda Meireles, coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal do MP-GO.
"Sem planejamento e sem a segurança mínima necessária, constroem-se muros em torno desses prédios e assim está criada a cadeia local."
De acordo com o promotor, essa política tem sido comum nos últimos anos.
Para Meireles, essa situação agrava a crise do sistema prisional de Goiás, que registrou a morte de nove presos em confrontos motivados por facções criminosas no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia.
Sistema pulverizado e superlotado
"Nós temos cerca de 140 presídios para uma população carcerária que chegará a 20 mil pessoas. Isso cria uma pulverização do sistema, difícil de ser administrado", afirma Meireles.
"O cenário de sucateamento do sistema prisional de Goiás aliado à superlotação em algumas unidades favoreceu o crescimento de facções criminosas no Estado. Há grupos que tiveram até 500% de aumento no número de membros no último ano."
Dados do último Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), divulgado em dezembro pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública, mostram que Goiás tem a sétima maior taxa de ocupação prisional do país: 237%. O índice significa que, em média, as prisões goianas abrigaram quase 24 pessoas num espaço reservado para dez. A taxa de presos sem condenação é de 40%.
Desde 2015, promotores goianos ingressaram na Justiça com uma série de ações cíveis públicas em que pedem que reformas emergenciais e, até mesmo, interdições de prisões em todo o Estado.
"Em uma determinada cidade, a prisão local funcionava no subsolo de um prédio, sem condições mínimas de funcionamento", aponta Meirelles.
Fugas frequentes
Levantamento do próprio governo, publicado no site de notícias Mais Goiás, mostra que 392 presos fugiram das prisões goianas durante o ano de 2017. Somente na primeira rebelião no complexo prisional de Aparecida de Goiânia, no dia 1º, exatos 99 detentos conseguiram escapar.
Em junho passado, o promotor Lúcio Cândido de Oliveira Júnior pediu à Justiça a imediata interdição da cadeia pública de Maurilândia, município com população estimada em 13,3 mil pessoas, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), distante 227 km de Goiânia.
A prisão da cidade funcionava em um prédio da PM, que, por sua vez, contava com apenas quatro agentes. Trinta e quatro homens ocupavam quatro celas.
De acordo com a ação do MP, o prédio tem infiltrações e “remendos” nas paredes, além de grades de proteção enferrujadas. "As dependências não são arejadas, e, ainda, presos provisórios e definitivos ocupam as mesmas celas, o que também atenta contra a dignidade humana”, disse o promotor.
Em abril de 2017, 12 presos fugiram da cadeia de Maurilândia após serrarem as grades da cela.
O presídio de Goianésia não vive situação melhor, de acordo com ação cível pública do MP-GO, entregue à Justiça em 2016, após a fuga de seis presos.
No processo, o promotor Luciano Meireles pede uma reforma emergencial do local. Goianésia, cidade com 67,5 mil habitantes, de acordo com o IBGE, e distante 176 km da capital, tem sido um palco recorrente de fugas.Em uma delas, realizada em agosto de 2016, os presos da unidade chegaram a filmar a escapada. O vídeo foi parar nas redes sociais
Realizada a pedido do promotor, uma perícia constatou que o presídio de Goianésia não tem estrutura física adequada para garantir a segurança mínima necessária como prevê a legislação. A laje da cela em questão apresentava espessura de 10 cm, incluindo reboco, lajota e concreto e nenhuma malha de ferro para reforçar a estrutura, segundo o documento.
Em outro caso exemplar, o TJ-GO (Tribunal de Justiça de Goiás) determinou, em setembro passado, que o Estado goiano reforme a cadeia pública de Padre Bernardo --cidade de 27,6 mil habitantes de acordo com IBGE e distante 223 km de Goiânia.
Em agosto de 2015, foi registrada a fuga de seis presos da cadeia do município. Eles fizeram um buraco no teto e escaparam.
Na ação cível pública sobre o caso, a promotora Ariane Patrícia Gonçalves apresentou perícia feita pela Polícia Técnico-Científica, que concluiu "que a laje da cadeia é extremamente frágil e fragmentável à mão."
Em seu voto, o magistrado Delintro Belo de Almeida Filho afirmou que é "incontestável a violação de princípios constitucionais, mormente da dignidade da pessoa humana e da segurança pública, bem assim a ausência ou deficiência no implemento de políticas públicas pelo ente público, porquanto imprescindível a intervenção do Judiciário, a fim de se propiciar a concretização da inafastável justiça social”.
Inspeções alertaram para riscos de rebeliões
Órgãos goianos fizeram inspeções no complexo prisional de Aparecida de Goiânia e alertaram para o risco de motins de presos.
"Desde janeiro de 2016, eu tenho feito vistorias no local e enviado ofícios à Secretaria da Segurança Pública alertando para a superlotação, estrutura precária do complexo prisional de Aparecida de Goiânia e nunca obtive respostas", afirmou o presidente da OAB-GO (Ordem dos Advogados do Brasil), Lúcio Flávio de Paiva.
Em 2016, o TJ-GO (Tribunal de Justiça de Goiás) divulgou um relatório no qual afirmava que havia "iminente risco de nova rebelião" na Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto, uma das cinco unidades do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia.
Realizada em março de 2015, após um incêndio ter atingido o local no ano anterior, a inspeção apontou o quadro de superlotação da colônia.
Segundo um outro relatório de inspeção obtido pela BBC Brasil, realizado em março de 2017, havia 1.126 presos na colônia agroindustrial dividindo um espaço que deveria ser para 468. Não havia colchão para todos os detentos, nem eram oferecidos materiais de higiene.
O documento, de autoria de dois membros do Conselho Nacional de Política Carcerária do Ministério da Justiça, apontou a necessidade de varreduras no complexo prisional, mas foi ignorado pelo governo goiano. Em resposta, o governo afirmou que considerou a recomendação "um exagero".
O Ministério da Justiça e da Segurança Pública afirmou, em nota pública, que o Estado de Goiás gastou apenas 18% de uma verba de quase R$ 32 milhões disponibilizada pelo governo federal para obras de construção e ampliação de unidades penitenciárias. O ministro Torquato Jardim afirmou que "houve desleixo" por parte do governo em relação ao sistema carcerário.
O governador Marconi Perillo (PSDB) pediu reunião com a ministra Cármen Lúcia, que visitará o complexo prisional de Aparecida de Goiânia nesta segunda-feira (8). Ele também assinou um manifesto com outros seis governadores em que se afirma que a responsabilidade pela crise do sistema penitenciário é da União e cobra mais verbas para área.
Em declarações anteriores, ele disse que vai "provar de onde parte o desleixo" em relação à segurança pública e ao sistema de execução penal.
Em um vídeo compartilhado nas redes sociais, o governador classificou como inaceitável a rebelião no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, mas disse que o maior problema no sistema prisional são os crimes resultantes do tráfico e contrabando de armas. "E esses são de responsabilidade federal, mas quem arca com o ônus são os governos estaduais".
Criação de novos presídios
Em entrevista anterior ao UOL, o secretário da Segurança Pública, Ricardo Balestreri, afirmou que uma das dificuldades do sistema prisional de Goiás decorre do fato de que as vagas nos presídios são "administradas" pelo sistema Judiciário e não pelo Executivo. "Nós não conseguimos fazer transferências de presos sem autorização dos juízes responsáveis por cada caso", afirma.
De acordo o secretário, essa situação deverá mudar, a partir da entrada em vigor de uma lei recém-aprovada pela Assembleia Legislativa de Goiás. Ela criou a Diretor-Geral da Administração Penitenciária, dotada de orçamento próprio e incumbida de administrar o sistema prisional de Goiás. O texto se baseou em uma minuta produzida pelo MP-GO.
Outra ação que, segundo Balestreri, estava prevista antes da rebelião do dia 1º, é a criação de cinco novos presídios. "Nestas novas prisões, os presos serão separados pelo grau de periculosidade. Não podemos mais colocar na mesma unidade prisional pessoas que cometeram crimes menos graves para conviver com líderes de facções criminosas".
De acordo com o anúncio feito pelo governo de Goiás, devem ser inaugurados este ano os presídios de Anápolis, Formosa, Águas Lindas e Novo Gama, com capacidade de 300 vagas cada um.
"O MP luta para a criação desses novos presídios desde o ano de 2011", afirma o promotor Luciano Meireles.
Outra medida prevista é a redução pela metade das cercas de 140 unidades prisionais de Goiás e a contratação temporária de 1.600 para trabalhar funcionários nas prisões, afirmou Balestreri.
Dados do Infopen mostram que Goiás tem cerca de 1.600 servidores responsáveis pela custódia de presos. O mesmo levantamento revela que boa parte dos funcionários que trabalham no sistema prisional goiano já são temporários: 60%. É o segundo maior índice do país, somente atrás do Parà (88%).
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.