Medo e apreensão rondam ativistas de direitos humanos no Rio após assassinato de Marielle
O assassinato de Marielle Franco provocou medo e muita apreensão em quem milita pelos direitos humanos no Complexo da Maré, conjunto de favelas da zona norte carioca onde a vereadora do PSOL nasceu, e em outras comunidades do Rio de Janeiro. O crime foi encarado como um “recado” para quem erguia as mesmas bandeiras de Marielle --contra a violência policial nas favelas e pelos direitos das mulheres e LGBTs.
Conforme relatos ao UOL, ao saber do brutal assassinato da vereadora e do seu motorista, Anderson Gomes, moradores da Maré começaram a excluir posts em redes sociais em que criticavam a violência policial. Um ativista também manifestou à reportagem preocupação com a rotina de quem milita pelos direitos humanos nas favelas --ele diz ter adotado precauções como não fazer os mesmos caminhos, andar sempre acompanhado e dormir em lugares diferentes. Outra ativista preferiu se mudar temporariamente de endereço após o assassinato de Marielle.
“Não foi um simples assassinato, foi contra tudo o que ela representava. Então ficou a sensação de ‘caramba, a gente não pode mais falar?’”, conta um morador da Maré, sob a condição de anonimato. Quatro dias antes de ser morta a tiros, na noite de 14 de março, Marielle fez uma denúncia em seu perfil nas redes sociais contra policiais do 41º BPM (Batalhão da Polícia Militar) que atua em Acari, na zona norte.
Para o mesmo morador, o crime tem potencial para silenciar denúncias nas redes sociais, ferramenta usada tanto por ativistas como por moradores de comunidades. “As pessoas começaram a retirar críticas à violência policial no Facebook, com medo de que isso acontecesse com eles também. Na própria postagem da Marielle [sobre o 41º BPM], muita gente foi lá e excluiu comentários”, relatou.
A apreensão tomou conta não só das redes sociais. Houve ativistas que se recusaram a falar com a reportagem, mesmo com a garantia de não ter a identidade revelada. “Não estou falando sobre o caso”, limitou-se a uma dizer uma militante quando procurada. Outro indicativo do clima que se instaurou após o crime é que todos os ativistas que falaram a essa reportagem só o fizeram sob a condição de que suas identidades não fossem reveladas.
Integrantes do Fala Akari, coletivo que reúne defensores de direitos na favela de Acari, planejavam conceder uma entrevista à imprensa na última segunda-feira (26), mas o evento foi cancelado por motivos de segurança. A entrevista trataria justamente sobre o assassinato da vereadora e denúncias de abusos policiais na região, que tem um dos maiores índices de letalidade policiais do estado do Rio.
Dias antes, um militante do mesmo coletivo disse à reportagem que “obviamente é um momento delicado, estamos nos resguardando, mas não temos medo, pois sabemos que isso é consequência da nossa luta política”.
Embora não tenha recebido ameaças diretas, outra ativista na região de Acari se mudou temporariamente, também por questão de segurança, após o assassinato da vereadora. “Não recebi nenhuma ameaça direta após a morte da Marielle, mas já recebi outras antes, de forma direta e até pessoalmente”, afirmou.
'Se pegaram ela, o que podem fazer comigo?'
Segundo outra pessoa ligada à militância dos direitos humanos na Maré, os sentimentos se dividem entre revolta e impotência.
"Se a Marielle morreu, qualquer um pode morrer. Medo todo mundo sempre teve, não tem como negar que trabalhar com direitos humanos em favelas, denunciar violações de direitos humanos todo mundo de alguma forma tem medo. Mas eu acho que, agora, ficou para a gente a sensação de o quão frágil é a nossa segurança porque se ela, que era vereadora, foi morta e executada, o que pode ser feito de nós, ativistas, que estamos mais no dia a dia e que não temos a visibilidade que ela tinha?”
Para a mesma ativista, a sensação é de que o crime é um “recado” a quem defende os direitos humanos.
“De alguma forma, a morte dela, é um feminicídio que faz parte do genocídio das mulheres pretas, mas ele dá um recado para as pretas e pretos que estão nas favelas lutando pelos direitos humanos que, se a gente matar ela, pode matar qualquer um. Os ativistas estão com essa sensação: de que [o assassinato] foi um recado, uma tentativa de calar. Tem uma galera que falou que não vai se calar, mas tem outra que, ao mesmo tempo, falou: ‘se mataram ela o que vão fazer comigo?’”, observa.
Ela também acredita que o assassinato foi um “atentado político” --seja pelo fato de Marielle ter prometido ser uma relatora “linha-dura” na comissão da Câmara dos Vereadores criada com intuito de acompanhar a intervenção federal no estado, seja porque tinha pretensões de se candidatar a vice-governadora pelo PSOL.
Também sob anonimato, outra liderança das favelas disse temer por sua segurança, mas afirma que não irá recuar após o assassinato. Para ela, militantes que moram em área de risco precisam ter mais cuidado.
“O clima que fica é de apreensão, mas também que a gente não pode recuar e temos de continuar denunciando ao máximo. Foi um golpe duro. Vamos ter que aumentar nosso nível de segurança porque na militância de esquerda não há uma pegada de segurança. Quem denuncia tem a vida ameaçada, nossa morte não repercutiria tanto do ponto de vista político quanto a dela. Se conseguiram pegar ela no Estácio [bairro da região central do Rio onde Marielle foi morta], o que podem fazer comigo?", disse.
Entre as precauções adotadas, estão "não andar sempre no mesmo caminho, não dormir todo o dia no mesmo endereço, não ir nos mesmos lugares de hábito e não andar sozinho". "Nossa rotina vai ter que mudar”, finalizou.
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