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Após incêndio, governo Temer e UFRJ trocam acusações sobre falta de dinheiro em museu

Foto: Agência Basil
Imagem: Foto: Agência Basil

Luciana Amaral

Do UOL, em Brasília

04/09/2018 18h20

Após o incêndio de grande proporção que destruiu o Museu Nacional no Rio de Janeiro no domingo (2), o governo federal e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) vêm trocando acusações sobre a falta de dinheiro para manutenção e investimento no combate a incêndio, que pode ter sido determinante para a destruição do edifício bicentenário e de 90% do acervo.

A Polícia Federal investiga o incidente e fará perícia para descobrir o que motivou o incêndio. No momento, funcionários da Defesa Civil avaliam danos estruturais, enquanto pesquisadores tentam ajudar a recuperar o que é possível dos escombros. Militares cercaram o edifício para evitar possíveis roubos.

O governo federal diz que a UFRJ tem autonomia para gerir seus recursos e que não faltou dinheiro do Ministério da Educação ao longo dos últimos seis anos. Já a universidade alega que a maior parte dos valores repassados é destinada a despesas obrigatórias ou inadiáveis, como folhas de pagamento, e o que sobra não é o suficiente para investimentos. Ontem, o reitor da UFRJ, Roberto Leher, e o diretor do Museu Nacional, Alex Kellner, responsabilizaram o governo federal pela falta de recursos para a instituição. 

O BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) havia aprovado neste ano um patrocínio de R$ 21,7 milhões, por meio da Lei Rouanet, para a revitalização do palacete do Museu Nacional. A primeira parcela, de R$ 3 milhões, seria entregue para a implementação de sistemas de combate a incêndios após as eleições. O dinheiro agora deverá ser usado na reconstrução do prédio.

Agora, o governo federal e a UFRJ estudam outros meios de conseguir mais recursos para a instituição, inclusive de forma permanente, por meio de Medida Provisória, que tem valor de lei após publicada no Diário Oficial da União. O BNDES anunciou hoje linha de patrocínio disponibilizando R$ 25 milhões, via Lei Rouanet, para a modernização e melhorias de segurança em museus. O edital será publicado até o final de setembro. Ontem, o Ministério da Educação anunciou o aporte imediato de R$ 10 milhões, verba emergencial voltada à segurança do patrimônio.

O que diz o Planalto

O governo federal tem ressaltado que o modelo de gestão vigente estabelece que o repasse de recursos seja feito sempre da União para as universidades federais. Essas, por sua vez, devem repassar parte desses recursos às entidades vinculadas, como museus ou institutos de pesquisa. O Ministério da Educação transfere um montante à UFRJ, que repassa parte dele para o Museu Nacional. A responsabilidade por definir o valor destinado ao museu, portanto, seria da universidade.

Nesta terça-feira (4), os ministros responderam às críticas da direção da universidade e do museu.

Depois da reunião com o presidente da República, Michel Temer (MDB), e ministros, o titular da Casa Civil, Eliseu Padilha, reforçaram que a gestão do Museu Nacional é entregue à UFRJ, que tem “autonomia orçamentária e financeira para distribuir o seu orçamento”.

Ele afirmou que, de 2012 a 2017, o orçamento do Ministério da Educação para a UFRJ aumentou 48,9%. Por outro lado, Padilha disse que o orçamento da UFRJ para o Museu Nacional caiu 43,1% no mesmo período. Segundo ele, no ano passado, a universidade recebeu R$ 3,1 bilhões (o valor inclui folha de pagamento), dos quais R$ 363 mil teriam chegado ao museu.

“Apenas para que se tenha noção do investimento que está sendo feito lá na Universidade Federal do Rio de Janeiro e o investimento que está sendo feito pela universidade no museu”, falou Padilha.

O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, declarou que chegou a pedir à universidade projetos para o Museu Nacional, mas estes não foram entregues. Assim, disse ele, o ministério não pôde repassar verbas à instituição.

“Solicitei ao reitor que apresentasse projetos, e a UFRJ não apresentou nenhum projeto... Em relação ao acervo, em relação ao edifício, em relação a sistema de prevenção etc.. Nós não recebemos nenhum projeto. Como o museu não está sob a nossa alçada, não está no nosso orçamento, não haveria como o Ministério da Cultura disponibilizar recursos sem apresentação de projetos”, afirmou.

Ao ser questionado se houve “má gestão”, o ministro da Educação, Rossieli Soares, também disse que nunca recebeu pedidos específicos para a modernização do sistema de combate a incêndio do museu por parte de sua diretoria ou da reitoria da UFRJ.

O que diz a UFRJ

Após as declarações dos ministros na manhã de hoje, a UFRJ afirmou, por meio de nota, preocupar-se com o que chamou de “difusão de informações imprecisas e incorretas” sobre o orçamento da universidade e que, segundo a universidade, tiram o foco da perda do acervo e de seu impacto no país.

Segundo a nota, a UFRJ sofreu uma redução de repasses significativa nos últimos quatro anos e é “falaciosa e extremamente absurda qualquer versão que insinue aumento de recursos, quando são visíveis os cortes na ciência e na educação, denunciados pela comunidade científica”.

A universidade informou ter recebido, em 2014, R$ 434 milhões; em 2015, R$ 457 milhões; em 2016, R$ 461 milhões; em 2017, R$ 421 milhões; e, em 2018, R$ 388 milhões. Os valores abarcam a disponibilidade de dinheiro para despesas com custeio, como manutenção geral e obras de infraestrutura, e investimentos, como compra de equipamentos e construção de novos prédios, afirmou a UFRJ.

Diferentemente do montante informado por Padilha, os valores relatados pela universidade não incluem a folha de pagamento.

“A folha de pagamento da UFRJ inclui servidores ativos e até servidores aposentados e inativos de outras décadas. Esta folha, que ultrapassa R$ 1 bilhão, é gerida diretamente pelo Tesouro Nacional e não há sentido em incluí-la nas avaliações sobre gestão anual do dia a dia da UFRJ, por parte da sua administração central. Em razão dos cortes, a UFRJ prevê que fechará este ano com déficit de R$ 160 milhões”, completou a nota.

O informe não relata o quanto foi direcionado no período para o Museu Nacional. A reportagem procurou a assessoria da universidade sobre a questão, mas ainda não conseguiu retorno.

Nesta segunda, ao responsabilizar o governo federal pela falta de recursos para o museu, o diretor da instituição, Alexander Kellner, disse que "seria uma irresponsabilidade querer que a UFRJ abarcasse tudo".

"Já há uma década não existe investimento na manutenção. A ironia do destino é que o dinheiro [do BNDES] chegou. Só não deu tempo. [...] A responsabilidade é do governo federal, não adianta dizer que não. Tem que se falar diretamente. Se tivéssemos conseguido o terreno que pedimos aqui do lado, para o acervo, algo a mais teria sido salvo. Bastava bom senso. Só chorar não adianta. Nem manchete de jornais. O museu precisa de ajuda, já foi falado em diversas ocasiões. Isso é resultado de como tratamos nossa história", falou.

Embora os embates tenham se focado nos repasses da UFRJ ao Museu Nacional, a instituição cultural também recebeu recursos do governo federal por meio do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), ligado ao Ministério da Cultura, e da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), ligado ao Ministério da Educação. Esses, porém, são expressivamente menores do que os recebidos por meio da UFRJ.

O governo federal se comprometeu hoje a tentar viabilizar a doação de um terreno da União anexo ao prédio do museu na Quinta da Boa Vista. O presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, afirmou que uma decisão judicial envolvendo a ocupação de outro terreno, no Jardim Botânico, impede a doação imediata à instituição.