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Condenados por maior chacina de SP continuam na PM e com salários em dia

23 pessoas foram assassinadas em 8 e 13 de agosto de 2015 em Osasco (SP) e cidades próximas - Reprodução
23 pessoas foram assassinadas em 8 e 13 de agosto de 2015 em Osasco (SP) e cidades próximas Imagem: Reprodução

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

25/01/2019 04h00

O estado de São Paulo paga, mensalmente, salários a dois policiais militares presos e condenados por participação na maior chacina registrada em São Paulo, ocorrida entre 8 e 13 de agosto de 2015, nas cidades de Osasco, Carapicuíba, Barueri e Itapevi. Ao todo, 23 pessoas foram assassinadas naquele período.

Foram condenados por participação na chacina os policiais militares Fabrício Emmanuel Eleutério, Thiago Barbosa Henklain e Victor Cristilder Silva dos Santos, além do guarda municipal Sérgio Manhanhã, servidor da cidade de Barueri.

Os dois primeiros PMs foram condenados em 1ª instância, em setembro de 2017, a mais de 240 anos de prisão cada um. O terceiro, condenado a 119 anos em março de 2018.

O soldado Eleutério, que, quando investigado, integrava a Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), recebe mensalmente R$ 2.923,70. Ele foi condenado a 255 anos, 7 meses e 10 dias de prisão por participação em 17 dos 23 homicídios ocorridos em agosto de 2015. 

"O Fabrício recebe salário por força de decisão judicial, uma vez que não foi excluído da Polícia Militar. O processo administrativo ainda está tramitando", afirmou a advogada do soldado, Flávia Artilheiro.

Testemunhas protegidas tiveram nomes revelados nos júris da maior chacina de SP - 22.set.2017 - Antônio Cícero/Photopress/Estadão Conteúdo - 22.set.2017 - Antônio Cícero/Photopress/Estadão Conteúdo
Sentados e de costas, ao centro, Thiago Henklain, e à direita, Fabrício Eleutério, durante júri que os condenou
Imagem: 22.set.2017 - Antônio Cícero/Photopress/Estadão Conteúdo

O mesmo júri que condenou Eleutério condenou o soldado Henklain a 247 anos, 7 meses e 10 dias, também em regime fechado. Ele, no entanto, deixou de receber os salários mensalmente em agosto de 2018, passando a ter apenas auxílio-reclusão. 

"Avaliamos que não valia o risco de se ajuizar ação na Justiça para manter o salário, pois a tese ainda é um tanto quanto controversa. O auxílio equivale a menos da metade do que ele recebia", explicou Fernando Capano, advogado do policial, que disse não saber o valor preciso de quanto ele ganha atualmente.

Ainda de acordo com o advogado, a defesa aguarda julgamento do seu recurso.

28.fev.2018 - Segundo dia de julgamento do policial militar Victor Cristilder Silva dos Santos, de 32 anos, no Fórum de Osasco (SP), nesta quarta-feira (28) - 28.fev.2018 - Guilherme Rodrigues/Estadão Conteúdo - 28.fev.2018 - Guilherme Rodrigues/Estadão Conteúdo
Victor Cristilder, em julgamento que o condenou, em março de 2018
Imagem: 28.fev.2018 - Guilherme Rodrigues/Estadão Conteúdo

Seis meses depois da finalização do primeiro júri, foi a vez do cabo Cristilder, em março de 2018, ser condenado pelo mesmo processo a 119 anos, 4 meses e 4 dias de prisão, em regime fechado. Ele continua assalariado, recebendo mensalmente R$ 3.215,14.

"Eles recebem por conta de ainda serem policiais militares. Só perdem o salário se perderem o cargo. Ocorre que o processo administrativo deles saiu com parecer favorável para manter na tropa, uma vez que a Polícia Militar entendeu que eles são inocentes", disse João Carlos Campanini, advogado de Cristilder. 

Corregedor da PM nega parecer favorável a condenados

14.ago.2018 - Ao centro, corregedor da PM-SP Marcelino Fernandes, durante coletiva de imprensa em Campinas - 14.ago.2018 - Divulgação/PM - 14.ago.2018 - Divulgação/PM
Corregedor da PM de SP, Marcelino Fernandes
Imagem: 14.ago.2018 - Divulgação/PM

O corregedor Marcelino Fernandes, porém, afirmou à reportagem que "o processo administrativo ainda não terminou", o que significa que a corporação ainda não assinalou de forma oficial um posicionamento sobre a situação dos três policiais no caso da chacina de Osasco. "O processo administrativo teve na base uma decisão favorável a eles, mas retornou para diligências. É o relatório, não é a decisão do comandante", explicou.

Fernandes informou, também, que o CIAF (Centro Integrado de Apoio Financeiro) da corporação apontou que os salários chegaram a ser suspensos, mas voltaram a ser pagos após a defesa dos condenados conseguir isso na Justiça. Além disso, o corregedor afirmou que os policiais só serão considerados culpados e terão eventualmente os salários suspensos após o fim dos recursos. "Eles não recebem o salário integral, apenas uma parte."

A reportagem consultou os salários dos policiais através do site da transparência do governo do estado. Os salários recebidos mensalmente por eles equivalem ao que soldados e cabos da corporação, não condenados e em liberdade, recebem.

O que disseram as famílias das vítimas e dos policiais

UOL Notícias

Definição só ao fim do processo

Em nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) confirmou as informações do corregedor e dos advogados, apontando que os salários de Cristilder e Eleutério foram restabelecidos por decisão da Justiça, e que Henklain recebe auxílio-reclusão por força de lei federal. Especialistas em segurança pública, no entanto, criticam o que classificam como "demora" para o processo de demissão e expulsão dos PMs já condenados pelo júri. 

Para o professor de gestão pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Rafael Alcadipani, "causa estranheza uma pessoa condenada por homicídio múltiplo continuar a receber o seu soldo do estado. Qualquer preso comum, quando vai para a cadeia, deixa de trabalhar. Quando a pessoa deixa de trabalhar, deixa de receber", diz o professor, especialista em segurança pública.

O coronel reformado José Vicente da Silva Filho, que já comandou a PM paulista e foi secretário nacional de Segurança Pública do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), afirmou que o período entre a 1ª condenação e agora já teria sido o suficiente para condená-los, também, no processo administrativo dentro da corporação. "Não é necessário transitar em julgado para a PM condená-lo. Isso pode durar dez anos. Não faz sentido e não me parece plausível que um indivíduo condenado por um crime como esse receba salários", afirmou.

Segundo a desembargadora Ivana David, da 4ª Câmara da Justiça de São Paulo, composta por magistrados mais experientes, só após o trânsito em julgado da sentença os efeitos da condenação criminal podem ser aplicados. "Ainda que a Justiça tenha declarado a responsabilidade criminal e aplicado pena de mais de cem anos de reclusão, os policiais condenados continuam fazendo parte do quadro da corporação e auferindo vencimentos", disse a magistrada. 

O ouvidor das polícias de São Paulo, responsável por receber e encaminhar investigações de denúncias, Benedito Mariano, afirmou que o órgão "espera agilidade, tanto no processo da Justiça quanto da decisão da esfera administrativa, que culmine na expulsão dos policiais". Caso isso ocorra, os policiais terão os salários suspensos e irão a um presídio comum.