Ouvidoria vê excesso em ação da PM com filho de Telhada que acabou em morte
Resumo da notícia
- Relatório da Ouvidoria das Polícias de São Paulo, embasado nos laudos, aponta que todos os policiais atiraram contra suspeito
- Ouvidor, Benedito Mariano afirma que a não preservação do local da ocorrência e ausência da perícia prejudicaram as investigações
- Enquanto investigado, filho de Telhada foi promovido ao cargo de capitão da PM
Relatório da Ouvidoria das Polícias de São Paulo, enviado à Corregedoria da PM (Polícia Militar) e obtido com exclusividade pelo UOL, aponta que uma ação policial que resultou na morte de um suspeito, na divisa de Osasco, na região metropolitana, em março deste ano, teve "indícios de excesso de legítima defesa".
Na ação, estava o PM Rafael Henrique Cano Telhada, filho do deputado estadual Paulo Telhada (PP), que comemorou a morte à época em suas redes sociais.
De acordo com o relatório, o não envio da perícia ao local da ocorrência, determinado por um delegado da Polícia Civil, atrapalhou as investigações.
A decisão da realização da perícia cabe ao delegado responsável pela investigação. Segundo o registro da ocorrência, assinado pelo delegado Vinícius Brandão de Rezende, "em virtude de o local ser de difícil acesso, bem como de o corpo já ter sido removido do local, não havendo, portanto, campo para perícia, deixou a Autoridade Policial de requisitar perícia local".
A reportagem pediu uma entrevista com o policial por meio da assessoria de imprensa da SSP, mas não foi atendida. Em nota, a pasta informou que "o caso segue em investigação, por meio de inquérito policial e que não comenta casos em andamento. Todos os fatos também são apurados pela PM, que instaurou Inquérito Policial Militar e segue em caráter sigiloso, como definido no Art. 16 do Código de Processo Penal Militar".
Falta informação sobre cena do confronto
A reportagem teve acesso também aos laudos balístico e necroscópico. Por meio deles, ficou detectado que, além de Rafael Telhada, os outros quatro policiais que estavam na ocorrência também atiraram contra o suspeito.
O laudo aponta que o suspeito também teria atirado contra os policiais. Djaedson Roque da Silva Junior, 23, morto na ocorrência, tinha antecedentes criminais pelos crimes de roubo qualificado, tentativa de homicídio, homicídio e receptação.
Pela perícia inicial, poderia ser descoberto quantos tiros foram efetuados na cena do crime, por exemplo —o que poderia comprovar que os policiais foram recebidos a tiros ou divergir da versão dos PMs, caso houvesse indícios de apenas quatro tiros disparados. O caso ainda é investigado, tanto pela Polícia Civil quanto pela Corregedoria da PM, em inquéritos policiais independentes um do outro.
Laudo prejudicado
De acordo com o ouvidor das polícias, Benedito Mariano, "o laudo de local ficou prejudicado em razão da não preservação do local. Tendo como referência os laudos balístico e necroscópico, a Ouvidoria da Polícia vê indícios de ocorrência de excesso na legítima defesa. Enviamos a análise à Corregedoria da PM, para que seja anexada no inquérito policial militar".
A Corregedoria informou que dois oficiais do órgão estão fazendo as investigações sobre o caso e que "o delegado liberou a perícia porque o indivíduo foi socorrido na viatura do oficial". No boletim de ocorrência, o delegado registrou que "em virtude de o local ser de difícil acesso, bem como de o corpo já ter sido removido do local, não havia, portanto, campo para a perícia".
Policial festejou nas redes morte de criminoso
Horas depois da ocorrência, Telhada comemorou a morte nas redes sociais. "O facínora tombou baleado e, socorrido, evoluiu a óbito. Graças ao bom Deus, todos os guerreiros do COE estão bem. A caveira sorriu mais uma vez". No Instagram, ele complementou: "mais um combate, mais um inimigo tombado, vitória". Em comentários, seguidores elogiaram a ação.
Em nota, a PM informou à época, que "em relação às opiniões pessoais do policial, elas não refletem a posição da instituição e serão apuradas".
A SSP (Secretaria da Segurança Pública), questionada se a comemoração contraria os princípios da corporação, não se manifestou sobre o assunto.
Moto já havia sido recuperada
Segundo a Polícia Civil, por volta das 8h do dia 2 de março, no km 15 da rodovia Castelo Branco, dois criminosos em uma moto tentaram roubar uma outra motocicleta, da marca Suzuki. Acionados por testemunhas do crime, PMs que estavam a 3 km dali foram ao local. Lá, teriam sido recebidos a tiros e revidaram. Ninguém ficou ferido na ocorrência e a moto foi recuperada.
Um dos criminosos fugiu a pé, por um viaduto. O outro roubou um Chevrolet Montana e também fugiu, de acordo com a Polícia Civil.
Enquanto os PMs envolvidos na troca de tiros e a vítima do roubo da moto estavam no 10º DP (Distrito Policial) de Osasco, no Jardim Helena Maria, para produzir o registro da ocorrência, chegou ao local a equipe de Rafael Telhada, lotado no COE (Comando e Operações Especiais).
Telhada afirmou na delegacia que testemunhas da tentativa de roubo disseram à sua equipe policial que um homem estava roubando carros nas proximidades e se escondendo em uma região de mata perto da rodovia Castelo Branco. Telhada e outros quatro PMs foram ao local.
Chegando lá, segundo a versão policial apresentada na delegacia, os policiais do COE foram recebidos a tiros, revidaram e atingiram o suspeito quatro vezes: duas no pescoço, uma no peito e outra no abdômen. O suspeito chegou a ser socorrido e levado ao hospital regional de Osasco, mas não resistiu aos ferimentos. O outro suspeito não foi localizado.
Os policiais mexeram na cena do confronto ao socorrer o suspeito baleado. Eles levaram para a delegacia uma arma e vestimentas, que seriam do rapaz. Essas roupas teriam sido identificadas pelos primeiros policiais militares envolvidos na ocorrência, que teriam afirmado que eram semelhantes às usadas pelos criminosos. A reportagem questionou a Secretaria da Segurança Pública sobre o porquê de o corpo ter sido retirado e por quem, mas não obteve retorno.
Segundo a desembargadora Ivana David, que já recebeu prêmio do Conselho da Polícia Civil e que, em 2017, recebeu a medalha da Constituição das mãos do deputado Paulo Telhada, houve indícios de, ao menos, dois erros na ação policial: a alteração da cena do crime feita pelos PMs e a falta de trabalho de perícia no local.
Promovido "por merecimento" enquanto investigado
Enquanto era investigado pelo caso, o então primeiro-tenente Rafael Telhada foi promovido pela PM paulista ao cargo de capitão "por merecimento". A promoção foi publicada no DOE (Diário Oficial do Estado) no último 24 de maio.
Questionada pela reportagem sobre quais as métricas para uma promoção por merecimento na corporação, a Corregedoria da PM informou que as condições são: não ter punição disciplinar e conter medalhas e elogios registrados por seus superiores.
"Providências serão tomadas"
Depois de o UOL ter revelado como foi a operação, em março deste ano, com base no boletim de ocorrência registrado no 10º DP (Distrito Policial) de Osasco, Paulo e Rafael Telhada reagiram contrariamente ao que foi registrado e noticiado, chamando a reportagem de "fraude" e de conter "hipocrisia".
A reportagem solicitou entrevista com Telhada, à época e agora, por meio da SSP (Secretaria da Segurança Pública), mas o pedido não foi atendido.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, parabenizou o policial pelo Instagram. Em resposta, o policial paulista escreveu que "as providências serão tomadas", sem especificar quais, ao complementar que "esses órgãos de imprensa medíocres insistem em publicar matérias tendenciosas e criminosas".
Política de apoio ao policial que mata
O governador João Doria (PSDB) foi criticado por oposicionistas, durante a campanha ao governo, do ano passado, depois de afirmar que o policial deve "atirar para matar" e de dizer, ao lado do deputado Coronel Paulo Telhada (PP), que os policiais que matarem devem ter, pagos pelo estado, "os melhores advogados" disponíveis. À época, o comandante-geral da PM disse que a orientação é de proteger vidas.
Para o professor de gestão pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Rafael Alcadipani, "qualquer ação policial que resulta em morte jamais deve ser celebrada. Porque toda vez que há confronto o policial também está em risco". Ainda de acordo com o especialista, "a ação policial perfeita, e que deve ser comemorada, é aquela em que não há confronto e o suspeito é preso". Ainda segundo o professor, "é lamentável que a investigação tenha deixado a desejar. Isso só fortalece uma polícia justiceira, não profissional".
Em 2018, a PM de São Paulo reduziu em 9,5% o número de pessoas mortas por policiais. No ano anterior, as polícias de São Paulo bateram recorde de letalidade. Em contraponto, 60 policiais foram mortos em serviço e durante a folga tanto em 2017 quanto em 2018.
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