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Enterros sem corpos, buscas e pagamentos impedem Brumadinho de fechar luto

Diogo Antunes/Futura Press/Folhapress
Imagem: Diogo Antunes/Futura Press/Folhapress

Luciana Quierati

Do UOL, em Brumadinho (MG)

25/07/2019 04h00

Todo dia, sem precisar de despertador, Maria Amélia de Oliveira Melo, a dona Lita, 70, acorda perto das 3h da madrugada, apoia o joelho no chão em frente à cama, reza um Pai-Nosso e uma Ave-Maria e faz um pedido ao santo de devoção: "São Judas, assim como o senhor achou minha filha, ajude a achar a Juliana da Ambrosina. Mostre aos bombeiros onde ela está".

A merendeira aposentada passou 69 dias de velório sem corpo até a filha Eliane de Oliveira Melo, grávida de cinco meses da bebê Maria Elisa, ser encontrada em meio ao rejeito de minério que vazou da barragem da Vale em Brumadinho em 25 de janeiro, exatamente seis meses atrás. Hoje, ainda inconformada e 12 kg mais magra, ora para que a dor da espera de outra mãe, sua conhecida da igreja, não perdure por muito mais.

Na mesma hora, a algumas quadras da casa de dona Lita, a dona de casa Ambrosina Resende, 52, reza pela filha Juliana Creizimar de Resende Silva, e pelas outras 21 joias, como as famílias de referem às vítimas que seguem desaparecidas.

Aos que enterraram seus entes, aqueles que não puderam se despedir visualmente e os que ainda aguardam, juntam-se as famílias de Brumadinho que, mesmo sem passar pela perda de pessoas próximas, ainda convivem com as mudanças que a tragédia provocou na região. Do trânsito mais intenso, passando por preços superfaturados e problemas de saúde, chegando até ao deslumbre com as mesadas pagas mensalmente a todos os moradores da cidade.

Ritual incompleto

O convite distribuído nas redes sociais para o ato que vem sendo realizado todo dia 25 no trevo da cidade ao meio-dia diz que é um momento para lembrar "daqueles que não estão mais aqui, mas também dos que ficaram".

Quem sepultou seus familiares e sequer pôde vê-los de fato pela última vez não consegue materializar a perda. É um luto que não fecha, como uma ferida permanentemente aberta, um "luto ambíguo", como explica a psicóloga Sandra Rodrigues de Oliveira, cuja tese de doutorado pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica) é sobre o luto das famílias das cerca de 100 pessoas que seguem desaparecidas em razão da maior tragédia climática do país, na região serrana do Rio em 2011.

"Existe a ritualização da morte, com velório, enterro ou cremação, que não é só algo simbólico. É o momento em que a perda se materializa, há uma passagem concretizada, como que se a pessoa olhasse o familiar falecido e tomasse ciência de que a morte é real", diz Sandra. "Como o que se teve foi um caixão fechado, a pessoa até cumpre o ritual, mas não necessariamente consegue acessar o próprio luto. Em alguns momentos, fica a sensação de que algo não foi vivido."

Sem família, sem casa, sem dinheiro

O luto também continua porque a cidade está diferente. "Brumadinho nunca mais vai ser a mesma, é muita dor. É dor de pai, é dor de filho, é dor de irmão, de padrinhos, de vizinhos", diz Sirlene Ribeiro Brito Toscano, 55, que perdeu na tragédia a irmã advogada Sirlei Brito Ribeiro.

Muitas famílias tiveram a rotina alterada, e algumas delas não puderam mais voltar para suas casas, invadidas pelo rejeito. "Perdi minha filha (Camila, 16) e ainda tive que deixar minha casa, minhas plantas. Me colocaram nesse apartamento frio. Acha que eu me acostumo? Nunca", afirma o pedreiro Wilson Joaquim da Fonseca Silva, 48.

Outras tiveram o meio de subsistência perdido por causa da água contaminada.

Para a articuladora social em Brumadinho Marina Paula Oliveira, da Arquidiocese de Belo Horizonte, "o rompimento é um marco histórico, um pacote, com mortes, feridos, dano ambiental, doenças, depressão, consumo de drogas, brigas comunitárias, pataxós e quilombolas afetados. São danos incalculáveis, que a gente não sabe aonde vai dar, só para quando chegar lá".

Há ainda quem segue na expectativa das buscas por corpos e fragmentos em meio à chamada zona quente. Desde 6 de julho, nenhuma nova vítima é identificada. Até agora, são 248 os mortos e 22 desaparecidos.

"Fico na janela esperando ela voltar"

"Você vai pôr na internet a nossa dor?", quer saber a dona de casa Márcia Oliveira Martins Silva, 44, pedindo em seguida para a filha Karine Aparecida da Fonseca Silva, 24, ler para ela a reportagem quando for publicada. "Sou analfabeta, mas eu conto o que estou sentindo. Tem vez que eu passo o dia olhando pela janela, esperando ela voltar."

Karine repreende a mãe. "Mas não pode ficar assim. Já falei que ela não vai voltar. Não vai acontecer." Márcia começa a chorar. "Eu tô com saudade. Vou fazer o quê?" E complementa a frase, baixinho, como se falasse consigo mesma:

Tem hora que eu tô comendo e tá pingando lágrima no prato de comida

Mãe e filha falam da caçula Camila, que teria feito 17 anos em junho, mas foi atingida pela lama na pousada Nova Estância, onde pediu emprego depois que o pai, Wilson Joaquim da Fonseca Silva, 48, enfartou e não pôde mais trabalhar.

O corpo da jovem foi encontrado sete dias depois da tragédia, velado após uma cerimônia de dez minutos e sepultado no jazigo de número 99 da Quadra A, do cemitério Parque das Rosas a pública, onde hoje divide espaço com outra vítima da tragédia, um rapaz de 37 anos.

Leia aqui a matéria completa.

Enquanto buscas seguem, mato ocupa área onde ficava barragem de Brumadinho

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