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Procuradoria aponta desvio de R$ 3 mi em compra de uniforme de presos do PA

Imagem de arquivo do sistema penitenciário do Pará - Thiago Gomes/AGIF/Folhapress
Imagem de arquivo do sistema penitenciário do Pará
Imagem: Thiago Gomes/AGIF/Folhapress

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

07/08/2019 04h01

Resumo da notícia

  • Ministério Público de Contas aponta "indícios robustos" de superfaturamento
  • Contrato registrou aquisição, fabricação e entrega dos uniformes em um dia
  • Representação pede ressarcimento e bloqueio de bens; Tribunal de Contas avalia

Pouco antes de a crise no sistema penitenciário do Pará explodir com um massacre na unidade de Altamira, que terminou com 62 presos mortos, no fim de julho, o MPC (Ministério Público de Contas) estadual apontou "robustos indícios" de superfaturamento na compra de uniformes para detentos do estado, ao custo de R$ 3 milhões.

Em 27 de março deste ano, o procurador Patrick Bezerra Mesquita apresentou ao Tribunal de Contas uma representação com pedido de medida cautelar apontando uma "possível má aplicação de dinheiro público pela Susipe (Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará)". O tribunal analisa o caso.

De acordo com a representação, a ONG Fábrica Esperança fabricou uniformes para presos do sistema penitenciário do estado sem licitação. Apesar de os uniformes não terem sido entregues, foi emitida nota fiscal pela compra no valor de R$ 3 milhões. Além disso, a tramitação de todo o processo de compra ocorreu em um dia: às vésperas do primeiro turno das eleições.

A Susipe informou, por meio de nota, que "após acordos realizados pela nova gestão, os uniformes estão sendo entregues mensalmente desde junho" e que "o desvio se refere à gestão passada, quando os uniformes não foram entregues. A atual gestão fez negociações e, a partir daí, os uniformes estão sendo entregues normalmente".

No documento, o procurador escreveu que "chama a atenção o fato de um contrato no valor de R$ 3 milhões, referente a mais de 90 mil itens, ter sido formalizado, empenhado, liquidado e pago em um só dia, praticando-se todos os atos necessários à sua perfectibilização na data de 04 de outubro de 2018, curiosamente em agudo período eleitoral, às vésperas do primeiro turno das eleições".

Representação feita pelo MPC sobre possível superfaturamento da Susipe - 06.ago.2019 - Reprodução - 06.ago.2019 - Reprodução
Representação feita pelo MPC sobre possível superfaturamento da Susipe
Imagem: 06.ago.2019 - Reprodução

"Por maior e por mais qualificado e eficiente que seja o quadro de servidores da Susipe, e não se duvida que o seja, é humanamente impossível que, num único dia, tenha ele conseguido conferir o recebimento de nada mais, nada menos, 93.736 peças de uniformes (entre camisas,
camisetas, calças e bermudas)", complementou o procurador.

Em entrevista ao UOL, Mesquita afirmou que a ONG contratada "faz um trabalho muito bonito, mas causou estranheza a forma como a compra ocorreu".

Patrick Bezerra Mesquita, procurador de Contas no Pará - Divulgação - Divulgação
Patrick Bezerra Mesquita, procurador no Pará
Imagem: Divulgação

"Diante da grande possibilidade de ter se pago além do que recebido, provocamos o Tribunal de Contas, pedimos uma liminar para indisponibilidade de bens. O tribunal indeferiu esse pedido. Teve uma atitude mais cautelosa. Mas o tribunal ainda analisa", disse.

Confirmada a denúncia, os servidores denunciados e o estado devem ser obrigados a ressarcir os cofres públicos. No caso dos servidores, eles também podem ter a movimentação bancária bloqueada, além de não poderem mais assumir cargos públicos.

A ONG firmou um acordo se comprometendo a entregar os uniformes depois da representação [feita pelo MPC]. Uma confissão do superfaturamento, porque eles teriam sido entregues em outubro do ano passado.
Patrick Bezerra Mesquita, procurador do MPC-PA

Resolução carcerária está em 2º plano, diz pesquisadora

Entre 2016 e 2017, o Funpen (Fundo Penitenciário Nacional) transferiu para o Pará uma remessa de R$ 40 milhões para a geração de vagas no sistema carcerário do estado, segundo relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) divulgado em janeiro. Desse total, o governo executou apenas R$ 432 mil. Ou seja, o equivalente a cerca de 1% do total.

Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) - 03.set.2018 - Eduardo Anizelli/Folhapress - 03.set.2018 - Eduardo Anizelli/Folhapress
Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública)
Imagem: 03.set.2018 - Eduardo Anizelli/Folhapress

Para Samira Bueno, pesquisadora e diretora-executiva do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), caso tenha de fato ocorrido um desvio de dinheiro da pasta, denota que a preocupação do estado paraense com o bem comum do preso e a ressocialização esteja em segundo plano.

"Em um momento no qual o sistema prisional deveria ser a prioridade de todos os governantes, em que já temos informações suficientes que demonstram que as facções no Brasil surgem e tem suas lideranças dentro dos presídios, que essa é uma área estratégica de intervenção, causa estranhamento que o setor continue em segundo plano e até envolvido em escândalos de desvios de recursos", afirmou a especialista.

Entrega de 9 mil uniformes em junho

Por meio de nota, a Susipe informou ao UOL que "após acordos realizados pela nova gestão, os uniformes estão sendo entregues mensalmente desde junho". A pasta apontou, também, que a Fábrica Esperança entregou 9 mil uniformes no fim de junho.

Artur Jansen, diretor-geral, informou que "foi realizado um levantamento sobre a capacidade de produção da fábrica e 30% desta foi comprometida para a entrega dos uniformes para a Susipe, que estava atrasada desde a gestão passada".

Foi firmado a quantidade de 9 mil peças por mês para serem entregues em 160 dias. O nosso objetivo é que a Fábrica Esperança volte a ter a credibilidade dos anos em que ela foi criada.
Artur Jansen, diretor-geral da Fábrica Esperança

A entrega das 9 mil peças foi acompanhada por Giussepp Mendes, auditor-geral do estado. "Após a abertura de uma investigação feita na Auditoria Geral sobre um processo licitatório que perdurou um período de 24 horas para a contratação de 91 mil uniformes, nós identificamos que esses uniformes não tinham sido entregues em tempo hábil, mas haviam sido pagos", explicou.

"Ao invés de judicializar a situação, nós procuramos a nova diretoria da fábrica, que aceitou de pronto a propositura de um acordo para que nós pudéssemos modular a entrega desses uniformes. Esperamos dar continuidade nas investigações das ações praticadas pela gestão que estava na Susipe e na Fábrica Esperança", complementou.

26 dos 62 mortos em Altamira eram presos provisórios

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