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Enviados pelo governo federal ao Ceará defenderam PMs em palanques do motim

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

02/03/2020 19h10

Resumo da notícia

  • Vídeos mostram discursos de enviados pelo governo Bolsonaro durante motim de PMs no Ceará
  • Falas mostram apoio a militares que conduziam paralisação vetada pela Constituição
  • Socióloga afirma que governo não apoiou movimento, mas demonstrou simpatia aos militares

Apesar do discurso oficial de repúdio à paralisação de policiais no Ceará, classificada de ilegal pelo ministro da Justiça Sergio Moro, líderes do governo federal enviados ao estado frequentaram palanques e fizeram discursos elogiosos aos militares amotinados. O motim de policiais militares no Ceará durou 13 dias e terminou na noite do domingo (2).

Em pelo menos duas ocasiões durante a paralisação, dois desses representantes subiram em palanques a convite dos líderes de PMs amotinados. A prática de greve por policiais é vedada pela Constituição.

Antes da votação que resultou no fim do motim, no último domingo, o diretor da Força Nacional de Segurança Pública, coronel Aginaldo de Oliveira, fez um discurso pedindo o fim do motim, mas rasgou elogios aos policiais que paralisaram as atividades e ocuparam quartéis no estado.

"Encerrando essa paralisação hoje, podem ter certeza que vão sair do tamanho do Brasil. Vocês já são grandes, já são corajosos: é muita coragem fazer o que os senhores estão fazendo, não é pra todo mundo", disse o militar, ao lado de líderes do motim —um deles que usava uma camisa com o desenho do rosto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Oliveira é integrante do quadro da PM do Ceará e foi nomeado para o cargo máximo da Força ainda em janeiro de 2019. Ele é casado com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP).

O coronel ainda afirmou aos militares que "os covardes nunca tentam, e os fracos ficam no meio do caminho"

"Só os fortes conseguem atingir os seus objetivos. E vocês estão atingindo os seus objetivos. Vocês movimentaram toda uma comissão de poderes constitucionais do estado cearense e do estado brasileiro. O senhores se agigantaram de uma forma que não têm tamanho, que é do tamanho do Brasil que vocês representam"
Comandante da Força Nacional sobre motim ilegal de PMs do Ceará

Oliveira defendeu, ainda em seu discurso, uma votação dos militares a favor da volta ao trabalho e fim do motim. Ele ressaltou a onda de violência que tomou conta do estado desde o início da paralisação e que "a sociedade clama pela presença nossa nesse momento".

"São centenas de mortes. Se os senhores não voltarem, essas mortes não cessarão e atingirão nossos amigos, familiares, nossos entes queridos e pessoas inocentes; e acredito que nenhum de vocês quer isso", afirmou, antes de emendar com mais elogios aos militares.

"Vocês são gigantes, vocês são monstros, são corajosos; demonstraram isso nos 10, 11, 12 dias que estão aqui dentro desse quartel em busca de melhoria da classe —e vão conseguir. É sem palavras para dizer o tamanho da coragem que vocês estão tendo esses dias. Façam o melhor para a nação cearense e para a nação brasileira", disse.

O Ministério da Justiça e Segurança Pública foi questionado pelas declarações do coronel Aginaldo de Oliveira, e suas considerações serão acrescentadas a este texto, caso sejam enviadas.

Enviado por Damares também demonstrou apoio aos militares

No mesmo dia em que o senador Cid Gomes (PDT-CE) foi baleado ao tentar entrar com uma retroescavadeira no batalhão da PM em Sobral, no dia 19, um representante da Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos também discursou aos militares.

Herbert Barros, diretor de Proteção e Defesa de Direitos Humanos da pasta, participou de um evento no 18º Batalhão da PM, tomado por amotinados. O ato era uma avaliação do caso envolvendo Cid Gomes.

"O primeiro objetivo aqui é reafirmar a visão do ministério de que os direitos humanos valem para todas as pessoas, e o reconhecimento de que os senhores e senhoras são a linha de frente na defesa dos direitos da população. E por isso o direito de vocês precisa ser respeitado em todo tempo. Esse é o recado tem a ministra [Damares Alves]", discursou.

Barros ainda falou que os militares "precisam ser valorizados", e em nenhum instante citou que a paralisação seria ilegal ou pediu a volta ao trabalho dos militares.
"Precisamos da valorização dos nossos policiais, como promotores e defensores dos direitos humanos, mas também como sujeitos de direitos humanos da população também. Estamos aqui para resguardar o direito de vocês, que sejam preservados", afirmou.

Em nota, o MDH confirmou que o representante foi enviado ao Ceará e disse que ele foi designado "para avaliar riscos de violação de direitos humanos no local".

Simpatia ao militarismo

A socióloga e professora da Uece (Universidade Estadual do Ceará) Camila Marinho, avalia que, apesar da participação em palanques, não houve um apoio direto do governo federal ao movimento.

"O governo não dá aumento salarial há três anos aqui para nenhuma categoria, e a polícia termina tendo um mecanismo de pressão muito mais forte. O que posso é considerar é uma simpatia do governo federal à ideia do militarismo", diz.

Marinho lembra que o governo Bolsonaro tem forte representação militar.

"Você tem um ato da PM, e você tem um governo militarizado —a maior parte da equipe do governo do Presidente da República é formado por pessoas das Forças Armadas. Então acho que há uma simpatia natural, e natural também que [o governo] fique simpático ao movimento dos militares contra um governo do PT", avalia.

O governo Bolsonaro teve início em 1º de janeiro de 2019, com a posse do presidente Jair Bolsonaro (então no PSL) e de seu vice-presidente, o general Hamilton Mourão (PRTB). Ao longo de seu mandato, Bolsonaro saiu do PSL e ficou sem partido até filiar ao PL para disputar a eleição de 2022, quando foi derrotado em sua tentativa de reeleição.