Morto em ação, acusado de liderar milícia dava refúgio a criminosos, diz MP
A geografia de Itaguaí (RJ), município da Baixada Fluminense, foi explorada como refúgio para os chefes de uma das maiores milícias do país nos últimos anos, segundo o MP-RJ (Ministério Público do Rio). Um sítio em uma extensa área rural, a mais de 70 km da capital fluminense, já foi usado há dois anos como esconderijo por Wellington da Silva Braga, apontado como o chefe do Bonde do Ecko, organização criminosa que leva seu apelido.
A região era o reduto do ex-PM Carlos Eduardo Benevides Gomes, o Bené, homem de confiança de Ecko, morto na rodovia Rio-Santos na noite de quinta-feira (15) —segundo a polícia, um comboio com 12 suspeitos atacou agentes após ser interceptado nos limites do município. Apontados como um dos braços armados da milícia, todos morreram e um policial ficou ferido sem gravidade.
O local foi usado para ocultar o paradeiro de outros membros da organização criminosa procurados pela polícia, segundo o MP-RJ. Itaguaí também faz parte do plano de expansão da milícia, que criou "franquias do crime" na baixada nos últimos anos.
Bené assumiu o controle do grupo de Itaguaí em maio de 2016, quando o ex-PM Julio César Ferraz de Oliveira, que chefiava a milícia local, foi preso em uma operação de fiscalização da PRF (Polícia Rodoviária Federal), acusado de crimes como homicídio, lesão corporal e extorsão.
Bené passou então a exercer o seu domínio pela violência. Um vídeo obtido pelo UOL revelou depoimento de um ex-integrante da quadrilha ao MP-RJ em setembro de 2018, relatando a participação do ex-PM no assassinato de dois membros do próprio grupo criminoso.
Cinco meses depois, o corpo de André Vitor de Souza Corrêa, jurado de morte pela quadrilha, foi encontrado no porta-malas de um carro com marcas de tiro.
Segundo o relato, Ecko mandou Bené matar dois integrantes da organização criminosa por supostamente usarem o nome dele para extorquir dinheiro de moradores em um condomínio do programa federal "Minha Casa Minha Vida".
"O Bené já veio dando a explicação, dizendo que era parada de homem. Disse que o Ecko mandou resolver. Só que o Paulinho [apelido de uma das vítimas] ainda estava vivo. E gritou assim: 'Pelos meus filhos, não fui eu que meti a mão'. O Bené veio com a AK-47 e deu um tiro na cara dele. Depois, mandou a gente botar os corpos na caçamba do carro. Aí, fomos para o cemitério clandestino", disse André, em depoimento gravado.
"O Bené é conhecido como uma pessoa extremamente violenta, que torturava, matava, ameaçava e extorquia [dinheiro] dos moradores daquela região. Ele estava em um comboio com segurança armada para reagir a qualquer abordagem policial ou de rivais", disse Fábio Salvadoretti, delegado-assistente da Core.
Desaparecimentos e cemitérios clandestinos
A geografia local também já foi explorada para a ocultação de cadáveres em cemitérios clandestinos e para armazenar armas de grosso calibre, aponta o MP-RJ.
Em agosto de 2018, seis corpos foram encontrados em um terreno baldio a apenas 5 km da área central da cidade. De acordo com levantamento do MP-RJ, mais de 30 pessoas desapareceram em Itaguaí entre 2014 e 2016.
Quando anoitece, milicianos armados e com facas na cintura surgem nas vias da cidade para abordar veículos. "A população passou a ter medo de sair de casa à noite", relatou um morador, que pediu para não ser identificado.
Ligação de Itaguaí com o surgimento da milícia
O grupo de Itaguaí faz parte dos primórdios da integração entre a milícia da zona oeste do Rio e a Baixada Fluminense. E, desde o início, essa atuação contou com a participação de policiais e ex-policiais, segundo investigações da Polícia Civil.
Em 2008, o hoje ex-PM Luciano Guinâncio Guimarães foi denunciado pela atuação no município. Ele é filho de Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, acusado de ser um dos primeiros chefões da antiga Liga da Justiça, e foi condenado a 38 anos e um mês pelos crimes de extorsão, homicídio qualificado e organização criminosa.
No bairro Chaperó, reduto da milícia em uma região afastada de Itaguaí, paramilitares exploram os moradores do "Minha Casa Minha Vida". Para quem circula por lá, há uma falsa sensação de segurança, já que os roubos são proibidos pela milícia. Quem quebrar a regra, paga com a vida.
Há um ano, um adolescente foi assassinado por causa de uma foto, onde aparecia fazendo um sinal de apologia a uma facção criminosa do Rio. Para o tribunal da milícia, a pena também é de morte para o assédio a mulheres casadas, segundo o MP-RJ.
"Os milicianos entram como se fossem integrantes de forças especiais. Passam nos comércios para dizer que a bagunça acabou. Depois, fazem atrocidades. Matam algumas pessoas de forma aleatória para se impor pelo medo", disse o promotor Jorge Luiz Furquim, em entrevista ao UOL em fevereiro.
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