Polícia nega recurso e mantém sigilo em relatório da chacina do Jacarezinho
A Polícia Civil do Rio de Janeiro negou o recurso que questiona o sigilo imposto aos documentos da operação do Jacarezinho do dia 6 de maio. A ação policial, conhecida como "chacina do Jacarezinho", foi a mais letal da história do Rio de Janeiro: morreram 28 pessoas, sendo que ao menos 20 eram homens negros.
No dia 7 de maio, o UOL requisitou à Polícia Civil via LAI (Lei de Acesso à Informação) o comunicado da instituição ao MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) — o documento visava justificar a operação — e o relatório final da ação policial, com a descrição de todos os atos nela ocorridos.
Mas o pedido foi negado sob justificativa de que poderia "comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações".
A LAI determina que cabe recurso às negativas. O UOL entrou com o pedido de revisão, sob o artigo 21 da LAI, que define: informações sobre "condutas que impliquem violação dos direitos humanos" praticadas por agentes públicos não poderão ser restritas.
Ainda assim, o secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Alan Turnowski, indeferiu o recurso no último dia 10. Em documento oficial, ele afirma que concorda com a argumentação da negativa de acesso aos documentos. O UOL entrará com recurso em segunda instância.
No Brasil, em 2019, 74,4% das vítimas de homicídio foram pessoas negras. Entre as mortes cometidas por agentes do estado, 79,1% das vítimas eram negras. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, mais recente levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Na esfera do poder público, não existe uma divulgação transparente de dados oficiais nacionais sobre homicídios ou sobre mortes provocadas por policiais em todo o Brasil. O governo brasileiro também não disponibiliza dados nacionais sobre as investigações e punições de homicídios.
Documentos são "tema de interesse público", diz advogado
Na ocasião da primeira negativa sobre as informações do Jacarezinho, Maria Vitória Ramos, cofundadora e diretora da Fiquem Sabendo, agência de dados especializada em acesso à informação, disse acreditar que há mais argumentos favoráveis do que contrários à divulgação dos documentos.
"A polícia poderia tarjar apenas nomes, locais e informações sensíveis e disponibilizar o documento para que a sociedade possa avaliar esse fato tão relevante."
Daniel Sarmento, advogado constitucionalista, também avaliou a imposição de sigilo como errada. "É um tema de interesse público e a sociedade precisa saber". Sarmento representa o PSB na ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635 — a partir da ação, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou a restrição de operações policiais no Rio durante a pandemia de covid-19 a casos excepcionais.
No dia seguinte à resposta inicial sobre a negativa de acesso aos documentos, o ministro do STF Edson Fachin posicionou-se em seu voto contra o sigilo em operações policiais no julgamento de um recurso da ADPF 635.
O UOL questionou a Polícia Civil se, após o voto de Fachin, há pretensão de retirar o sigilo dos documentos. Após a publicação da reportagem, a Polícia Civil respondeu que "falar em violação aos direitos humanos" é "precipitado" antes da conclusão das investigações. E afirmou que as informações do comunicado e do relatório estão à disposição dos responsáveis pela investigação.
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