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Bacamarteiro fala de quebra de tradições em 2º ano sem São João: 'Tristeza'

Cosmo João atira com seu bacamarte  - Prefeitura de Altinho/Divulgação
Cosmo João atira com seu bacamarte Imagem: Prefeitura de Altinho/Divulgação

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

24/06/2021 04h00

Hoje é quinta-feira, dia de São João, e as ruas de Caruaru (130 km do Recife) seriam tomadas por batalhões de bacamarteiros no tradicional desfile dos soldados.

Um deles seria Cosmo João Maciel, 49, chefe do Batalhão 25. Pelo segundo ano consecutivo, ele e seus soldados não vão desfilar devido à pandemia. O último desfile, em 2019, reuniu cerca de 800 homens, mulheres e até crianças.

Quando podia, rodava o interior todo aqui. Eu fiz apresentação em Tacaimbó, em Ibirajuba, em Gonçalo Ferreira, no sítio Juá. A gente sempre era chamado para sair de Caruaru, era sempre lindo.
Cosmo João Maciel, bacamarteiro e chefe do Batalhão 25

A tradição do bacamarte remonta ao século 19. "As granadeiras ou bacamartes que serviram na Guerra do Paraguai, em 1865, foram modificadas para que as armas se adaptassem ao uso dos bacamarteiros nas festas do interior de Pernambuco. Desde os fins do século 19, grupos de bacamarteiros se exibem em Caruaru durante as festas juninas", explica a bibliotecária Lúcia Gaspar, da Fundação Joaquim Nabuco e especialista em documentação científica.

"A forma como os bacamarteiros se agrupam é bastante primitiva. Não há formalidades ou regulamentos. Só é necessário possuir um bacamarte, obedecer ao sargento e saber manejar a arma", explica.

"A sanfona de oito baixos, o triângulo, a zabumba de couro curtido e a banda de pífanos acompanham os bacamarteiros de Caruaru, ao som de uma melodia de xaxado, que é acelerada nos desfiles ou lenta nas evoluções, na apresentação das armas, na frente das igrejas e antes do início das salvas. O vestuário compõe-se de roupa de zuarte (algodão azul), lenço no pescoço, chapéu de couro, alpargatas e cartucheiras de flandre", completa.

Não à toa Cosmo é da quarta geração que atira com os bacamartes na sua família. "Começou com meu bisavô", conta.

Em Caruaru, segundo a Fundação de Cultura, existem 12 batalhões de bacamarteiros, com entre 20 e 40 integrantes. É uma tradição que passa de pai para filho.

Ao UOL, em áudio, o chefe Cosmo deu um relato da tradição e da saudade que sente da festa na rua. Leia:

"Sou Cosmo João Maciel, vou fazer 50 anos e sou conhecido como Nêgo do Batalhão 25, aqui de Caruaru. Essa tradição do bacamarte já vem do meu bisavô, passou para o meu avô, depois para o meu pai.

Eu comecei acompanhando meu pai aos 12 anos de idade. Antes dele falecer, em 2013, ele pediu para eu continuar aqui. Como eu era o único filho que entrava na brincadeira, ele disse para eu continuar e, graças a Deus, estou continuando. Eu assumi então o batalhão.

Cosmo bacamarteiro - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Cosmo, o bacamarteiro, comanda seu batalhão
Imagem: Arquivo pessoal

O bacamarte é uma brincadeira que é um divertimento para a gente. É a brincadeira melhor que a gente tem de São João é a tradição melhor que a gente tem. Aqui eu sou chefe de 20 componentes.

A gente aqui em Caruaru tem uma associação de bacamarteiros. A gente fazia apresentação sempre quando tinha as festas juninas.

Quando podia, rodava o interior todo aqui. Eu fiz apresentação em Tacaimbó, em Ibirajuba, em Gonçalo Ferreira, no sítio Juá. A gente sempre era chamado para sair de Caruaru, era sempre lindo.

Sem ter festa de São João, a gente sente, fica um pouco triste. São dois anos sem a gente poder se apresentar. Eu ainda gravei uma 'livezinha' aqui no sábado à tarde, mas daquele jeito, né? Estávamos isolados, portão fechado. Gravei porque a Fundação de Cultura de Caruaru pediu. Hoje me apresento às 11h para a TV Asa Branca [afiliado Globo], mas sempre é pouca gente. A gente sente saudade demais.

A emoção de atirar com bacamarte é enorme. A gente se sente muito emocionado. Dá aquele momento de tristeza quando a gente fica pensando que a gente podia fazer tudo isso.

Todo ano a gente fazia, mas agora a gente faz limitado, aos poucos. A gente cai na lembrança ainda."