Varginha: especialistas apontam semelhanças com chacina no Jacarezinho
A ação policial responsável pela morte de 26 suspeitos de integrar uma quadrilha especializada em assaltos a banco em Varginha (MG) tem pontos em comum com a chacina do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, como o elevado número de mortes e indícios de adulteração na cena do crime, de acordo com especialistas em segurança pública ouvidos pelo UOL.
O Ministério Público de Minas Gerais, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a comissão de direitos humanos da Assembleia Legislativa apuram se houve excesso no interior mineiro. A PM-MG (Polícia Militar de Minas Gerais) instaurou inquérito para apurar as circunstâncias da ação. Relatório de inteligência da polícia, ao qual o UOL teve acesso, identifica 20 dos suspeitos mortos, que integravam núcleos do grupo em Minas Gerais e Goiás.
Na área rural de Varginha, as mortes se concentraram em ações simultâneas em duas chácaras. Já no Rio, foram registradas ocorrências com mortes pela polícia em nove localidades da favela em um intervalo de seis horas em maio deste ano com 27 mortes —uma a mais em comparação com a cidade mineira. A operação é apontada como a mais letal da polícia carioca.
A capitão Layla Brunnela, porta-voz da PM de Minas Gerais, contesta o questionamento sobre o alto índice de letalidade na mesma operação e o pedido de informações sobre número de mortes em outras incursões feitas por forças de segurança no estado.
"Não é um parâmetro. Não mensuramos o tamanho de uma operação pela quantidade de mortos, mas por quantas vidas nós salvamos. Deixou de acontecer um crime grandioso na cidade", rebateu.
Socorro ou desmonte de cena do crime?
Em Varginha e na favela carioca, as forças de segurança retiraram as vítimas sob a alegação de que ainda apresentavam sinais vitais. Laudos periciais e exames de necropsia no Jacarezinho mostram indícios de fraude processual para desmontar a cena do crime.
Embora a ação na cidade mineira ainda esteja em fase inicial de investigação, especialistas em segurança pública ouvidos pelo UOL veem indícios para investigar o caso.
"É difícil imaginar que todos os suspeitos sobreviveram inicialmente a uma troca de tiros com armas de alto poder de fogo. [A retirada dos corpos] esvazia a investigação e o laudo de perícia de local. Não estou dizendo que houve uma adulteração da cena do crime, mas isso precisa ser investigado", analisa Cássio Thyone Almeida de Rosa, perito federal aposentado e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Questionado, o perito compara as ações no Jacarezinho e em Varginha.
Há a semelhança pelo elevado número de óbitos em uma operação policial. No Jacarezinho, os mortos eram suspeitos de integrar o tráfico de drogas. Já em Varginha, envolve um grupo planejando uma das ações do novo cangaço"
Cássio Thyone Almeida de Rosa, perito federal aposentado
O sociólogo Luis Felipe Zilli, pesquisador da Fundação João Pinheiro e membro do Fórum de Segurança Pública, diz que a ação em Varginha foge ao padrão das incursões policiais em Minas Gerais. Com base em um levantamento com cerca de 3,5 mil ocorrências entre 2013 e 2018, o pesquisador afirma que a polícia mineira é uma das menos letais do país —atrás apenas de Rondônia e do Distrito Federal.
O especialista também vê semelhanças entre as duas operações com mais alto índice de letalidade no país nos últimos anos.
"No Jacarezinho, foi feita uma operação em uma comunidade urbana para combater o tráfico. Agora, estamos lidando com um grupo fortemente armado em uma zona rural. Mas ambas as operações possuem altíssima letalidade e seguem a lógica de que investiga-se pouco e mata-se muito. As mortes interrompem a chance de avanço nas investigações", compara.
No entendimento dele, a ação em Varginha poderia ter sido melhor planejada. "A Polícia Militar teve uma semana para planejar essa ação, que foi feita sem a participação da Polícia Civil, que poderia ajudar com informações de investigações sobre o novo cangaço no Brasil", analisa.
Armas apreendidas com quadrilha em Varginha
A polícia afirma que os suspeitos estavam escondidos em duas chácaras na área rural de Varginha, onde planejavam um mega-assalto para roubar cerca de R$ 65 milhões de uma central de valores do Banco do Brasil na cidade. Segundo a PM, "olheiros" do grupo abriram fogo contra os agentes, que revidaram. No local, os policiais afirmaram ter encontrado cerca de 40 kg em explosivos e armas de grosso calibre —entre elas, um fuzil ponto 50, com capacidade para abater um helicóptero.
Quatro mandados de prisão em aberto
Quatro dos mortos identificados até o momento tinham mandados de prisão pendentes, segundo levantamento feito pelo UOL no banco de dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Um deles era José Filho de Jesus Silva Nepomuceno, de 27 anos, investigado por um assalto aos moldes daquele que seria cometido em Varginha (MG). Ele tinha mandado por suspeita de participação em um roubo em outubro de 2020 com a tática conhecida como "novo cangaço" em Miguel Alves, no interior do Piauí.
Os outros três são Gerônimo da Silva Souza Filho, Raphael Gonzaga Silva e Adriano Garcia.
Na lista de delitos que envolvem os suspeitos, há uma morte por um desentendimento banal com o dono de um pet shop, um mega-assalto a banco e um ataque a um caixa eletrônico dentro da sede da Assembleia Legislativa de Rondônia. Aos menos 14 deles responderam a processo criminal.
Morador de Porto Velho, capital de Rondônia, Nunis Azevedo Nascimento, 33, exibe uma extensa ficha criminal. Com mandado de prisão preventiva expedido pela Justiça por suspeita de envolvimento na explosão de um caixa eletrônico na Assembleia Legislativa da cidade em janeiro deste ano, Nunis já foi preso por envolvimento em um roubo.
Em julho de 2019, estava entre os 16 internos que desligaram uma câmera de vigilância para fugir do complexo penitenciário em Belém, no Pará, e passou a ter o rosto estampado em uma lista de criminosos perigosos foragidos.
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