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Amigo de Gilmar, brasileiro em Corte internacional defendeu Eike e Gleisi

Advogado Rodrigo Mudrovitsch durante entrevista à Folha em seu escritório, em Brasília - Pedro Ladeira/Folhapress
Advogado Rodrigo Mudrovitsch durante entrevista à Folha em seu escritório, em Brasília Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Guilherme Castellar

Do UOL, no Rio

19/11/2021 04h00Atualizada em 22/11/2021 11h36

Eleito com a maior votação para o cargo de juiz na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o advogado brasileiro Rodrigo Mudrovitsch é visto com reserva por grupos de direitos humanos.

O advogado venceu, no dia 12, a eleição realizada durante a 51ª Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington, nos Estados Unidos. Ele foi o mais votado, com 19 dos 24 votos possíveis, e irá assumir um mandato de 6 anos (2022-2027).

A própria indicação de Mudrovitsch pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido), no final do ano passado, surpreendeu entidades de direitos humanos brasileiras, pois o advogado era desconhecido na área.

Eike, 'rei do ônibus', Gleisi e Lindberg estão entre os clientes

Formado na Universidade de Brasília, Mudrovitsch se notabilizou na banca de advocacia defendendo empresários como Eike Batista e Jacob Barata Ribeiro - o "rei do ônibus", no Rio de Janeiro. Na Lava Jato, seu escritório cresceu viabilizando acordos de delação premiada, como o da Odebrecht, e defendendo uma dezena de acusados, entre eles, senadores petistas, como Gleisi Hoffmann (PR) e Lindberg Farias (RJ).

O advogado é próximo de Gilmar Mendes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), que teria sugerido o seu nome ao presidente. Mudrovitsch já defendeu o ministro em ações na Justiça e é professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), do qual Mendes é sócio.

Avaliação de especialistas em direitos humanos é crítica ao currículo do juiz

Apesar da carta de apresentação da candidatura de Mudrovitsch elencar algumas causas de direitos humanos representadas pelo advogado no STF - como a que define que a licença-maternidade de mães de prematuros passe a contar a partir da data da alta hospitalar -, um grupo de juristas e especialistas internacionais considerou o currículo de Mudrovitsch deficitário na área.

O Painel Independente, iniciativa civil que busca mais transparência na escolha dos representantes nacionais na OEA, avaliou os sete candidatos à Corte. Na de Mudrovitsch, o Painel apontou que o seu envolvimento com os direitos humanos é recente e que ele carece de familiaridade com os desafios regionais na área.

Segundo o Painel, a sua biografia "evidencia uma falta de conhecimento do direito internacional público e do direito internacional dos direitos humanos, ramos fundamentais considerando-se a alta magistratura a que se candidata".

Instituições de direitos humanos do Brasil consultadas pelo UOL não se manifestaram sobre a eleição da CIDH, algumas delas reafirmando não conhecer a trajetória do advogado. No entanto, um representante de uma entidade internacional que atua com direitos humanos na OEA conversou com o UOL sob a condição de sigilo.

Escritório do juiz defende interesse de ruralistas na discussão sobre o marco temporal

Ele apontou outros pontos na carreira do defensor que seriam colidentes com a jurisprudência da CIDH. Por exemplo, as resoluções em matéria de diretos de povos indígenas que são contrários à doutrina do marco temporal, que está em discussão no STF e que tem o escritório de Mudrovitsch na banca dos advogados dos ruralistas no processo, como apontou reportagem da Agência Pública.

O marco é de interesse da bancada ruralista e conta com apoio de Bolsonaro. O futuro juiz já declarou que não atua diretamente no processo, que seria conduzido por um sócio do escritório.

Especialidade é o direito constitucional

Na carta de apresentação da sua candidatura, o próprio advogado destaca que sua especialidade é o direito constitucional. Porém, argumenta que esse conhecimento o habilitaria ao cargo, uma vez que na advocacia sempre aplicou o seu "interesse pessoal e acadêmico pelo papel da jurisdição constitucional na concretização dos Direitos Humanos."

O ex-procurador-geral do Estado de São Paulo Elival da Silva Ramos, que foi orientador da tese de doutorado de Mudrovitsch na USP (Universidade de São Paulo), concorda que há uma relação direta entre direito constitucional e direitos humanos.

"Os seus profundos conhecimentos na área de direito constitucional, notadamente com relação a direitos fundamentais e políticas públicas, será importante para sua atuação como juiz. Por exemplo, quando a Corte avalia questões de respeito às liberdades públicas ou de respeito à dignidade humana, ela está no campo tipicamente constitucional", afirma Ramos.

O UOL tentou ouvir Mudrovitsch, que não quis se manifestar.

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores disse que Mudrovitsch "reúne todas as condições para desempenhar com êxito a função de juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos" e que ele "tem ampla experiência profissional e acadêmica envolvendo temas de direitos humanos, tendo atuado em diversas ocasiões na mais alta Corte deste país".

"Cabe esclarecer que não é a primeira vez que o Brasil deixou de indicar candidato para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Dado o caráter extremamente competitivo do pleito, o governo brasileiro avaliou que poderia ser arriscado apresentar candidaturas para a Corte Interamericana e para a Comissão, na mesma ocasião. Historicamente, países que lançaram candidatos para os dois órgãos enfrentam dificuldades adicionais para eleger-se para ambas as vagas. Tendo em vista que o Brasil ocupou apenas duas vezes assento na Corte, considerou-se priorizar o tribunal na atual ocasião, em vez da Comissão", diz o texto.