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Defesa de 'Gatinha da Cracolândia' cita morte do pai, depressão e drogas

Lorraine Bauer Romeiro, a "gatinha da Cracolândia", foi flagrada em imagens vendendo drogas com o companheiro André Luiz de Almeida na feira livre do tráfico no centro de São Paulo - Reprodução
Lorraine Bauer Romeiro, a "gatinha da Cracolândia", foi flagrada em imagens vendendo drogas com o companheiro André Luiz de Almeida na feira livre do tráfico no centro de São Paulo Imagem: Reprodução

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

19/11/2021 18h10

A influenciadora digital Lorraine Bauer Romeiro, de 19 anos, jovem de classe média presa há quatro meses ao ser acusada de integrar o tráfico na Cracolândia, enfrentou a depressão, consumiu drogas e se afastou da família no começo do ano com uma herança de R$ 50 mil deixada pelo pai, um empresário do ramo da construção civil assassinado há sete anos.

As informações fazem parte de um pedido de instrução e julgamento presencial da defesa, encaminhado à Justiça de São Paulo em 27 de outubro, ao qual o UOL teve acesso. Lorraine, que responde a processos por tráfico e organização criminosa, foi ouvida pela primeira vez pela Justiça em audiência virtual ocorrida hoje à tarde.

A sessão virtual na 13ª Vara Criminal do Fórum de Barra Funda, zona oeste de São Paulo, foi conduzida pela juíza Erika Fernandes. Foram ouvidas ainda três testemunhas de acusação, em audiência concluída por volta das 16h20. André Luiz Santos de Almeida, 18, companheiro de Lorraine e preso sob a suspeita de integrar o tráfico, também é réu.

"Não houve confissão. Minha cliente contou detalhes dos fatos ocorridos quando foi presa e as supostas drogas imputadas a ela foram localizadas na região da Cracolândia", disse a advogada Patrícia Carvalho em nota enviada à imprensa.

Passeios de lancha com atores mirins e trabalho como modelo

No documento sigiloso assinado pela advogada, a defesa também traz à tona detalhes sobre o estilo de vida de Lorraine até a vida adulta com base em informações repassadas pela família, que mora em um bairro de classe média de Barueri, região metropolitana de São Paulo.

Lorraine sempre esteve inserida em família estruturada de classe média (...). Teve acesso à melhor educação, em escola particular"
Trecho do pedido da defesa

O documento também cita uma rotina de atividades extracurriculares, como aulas de dança, inglês, vôlei, natação e teatro. De acordo com a família, Lorraine chegou a trabalhar em uma agência de modelos em dezembro de 2019 —o contrato inclusive foi anexado junto ao documento entregue à Justiça.

Quando não estava em aula, Lorraine também participava de passeios marítimos com um grupo de amigos em viagens para Angra dos Reis (RJ), Ilhabela (SP) e Riviera de São Lourenço, praia em bairro nobre de Bertioga (SP). A defesa cita ainda um núcleo de amigos composto por atores famosos da sua mesma faixa etária —os nomes deles não serão revelados pela reportagem.

Luta contra a depressão, drogas e gravidez

A defesa cita ainda uma luta contra a depressão desde a adolescência após a morte do pai, resultando em problemas de aprendizagem na escola e de relacionamento com a família e levando a jovem a passar por tratamentos psicológicos.

Os problemas emocionais se intensificaram após Lorraine levar um tapa no rosto em um desentendimento com uma amiga em uma festa junina em Alphaville, em junho de 2019. A jovem então se afastou do grupo de amigos e pediu transferência para um colégio público.

Segundo a família, foi quando ela passou a consumir bebidas alcoólicas e maconha "de forma frequente", cita o documento apresentado pela defesa. Em fevereiro de 2020, Lorraine engravidou de um namorado.

Em janeiro deste ano, Lorraine usa parte de uma herança de R$ 50 mil deixada pelo pai para sair da casa da família, deixando a filha, hoje com 1 ano de idade sob os cuidados da avó. Na época, se matriculou em um curso de Direito, conforme consta em documento anexado pela defesa. "Somente após a primeira prisão de Lorraine é que a família passa a ter conhecimento dos fatos narrados na denúncia", cita.

Lucro diário de até R$ 6 mil, diz polícia

A jovem era apontada pela investigação como a responsável por administrar uma das tendas na área conhecida pelo intenso fluxo de venda de entorpecentes na capital paulista e tinha lucro diário de até R$ 6 mil, segundo a Polícia Civil.

Imagens no inquérito da Operação Caronte, da Polícia Civil, mostram Lorraine na tenda ao lado de André. Ao UOL, Karina Pereira, sogra de Lorraine, disse que a jovem era reservada e carinhosa. "Ela me chamava de 'tia'. Era de uma família bem estruturada. O meu filho também tem família. Mas, infelizmente, fez escolhas erradas e vai pagar por isso", disse.

Em entrevista à TV Record, a jovem, que cumpre prisão preventiva na penitenciária feminina de Franco da Rocha, negou envolvimento com o tráfico. "Nunca vendi [drogas], só ia para comprar".

Na casa de Lorraine em Barueri, na região metropolitana da capital paulista, policiais encontraram 100 frascos de lança-perfume e mais de 400 porções de crack, cocaína, maconha e ecstasy. A jovem ainda foi com os agentes até um hotel na região da Cracolândia, onde foi encontrada uma mochila com drogas. Após a prisão dela, a Prefeitura de São Paulo interditou o local, que não tinha alvará de funcionamento.

PCC recrutava mulheres para despistar ações contra o tráfico, diz polícia

Lorraine não era um caso isolado de mulher suspeita de integrar o tráfico de drogas na região da Cracolândia. Segundo a Polícia Civil, o PCC (Primeiro Comando da Capital) recrutava mulheres para tentar despistar as ações de combate ao tráfico.

Uma investigação mapeou as ações da facção criminosa em uma das áreas mais lucrativas de atuação do crime organizado, capaz de gerar um lucro de cerca de R$ 200 milhões por ano. Vídeos obtidos pelo UOL que fazem parte da investigação registraram a presença de mulheres de perfis variados e em funções de liderança na hierarquia do crime.

Mulheres do PCC na Cracolândia - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Cerca de dez mulheres foram presas nos últimos meses pela Operação Caronte, responsável pelo monitoramento do tráfico de drogas com base em vídeos obtidos pelos policiais.

"Há um número expressivo de mulheres ligadas ao tráfico na Cracolândia em funções inclusive de liderança naquele local. Os perfis são variados. Não é comum a figura feminina tão em evidência em áreas dominadas pelo crime organizado. O tráfico passou a recrutar mulheres porque elas chamam menos a atenção das forças policiais", disse o delegado Roberto Monteiro, da Delegacia Seccional Centro.

Mulheres do PCC na Cracolândia 2 - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Presa em agosto, Daniela Alves dos Santos, 29, é suspeita de receber dinheiro de um dos chefões do PCC na região. Natália Soares dos Santos, de 25 anos, foi detida em junho quando tentava, segundo a polícia, fugir para Curitiba (PR) com o companheiro e comparsa Elias Oliveira Santos em um carro de luxo.

Representantes dessas mulheres não foram localizadas pelo UOL para se posicionar.