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Registro de 'cacho' de cobra-verde no RS roda o mundo após nota científica

"Amontoado" de cobras-verdes é resultado de tática de reprodução de serpentes  - Reprodução/Facebook/Telmo Santos
"Amontoado" de cobras-verdes é resultado de tática de reprodução de serpentes Imagem: Reprodução/Facebook/Telmo Santos

Do UOL, em São Paulo

25/01/2022 14h12Atualizada em 26/01/2022 10h34

Um "cacho" de cobras-verdes registrado em Santo Antônio da Patrulha (RS) virou assunto de uma revista científica especializada na biologia de serpentes e a imagem rodou o mundo. Pesquisadores do Instituto Butantan, em São Paulo, publicaram uma nota científica no periódico Herpetological Review explicando a história por trás do "amontoado" de répteis, flagrado sobre um pé de mexerica.

Segundo Karina Banci, uma das autoras do documento, a união das serpentes na árvore frutífera faz parte de uma tática de reprodução de várias espécies de cobras.

O fenômeno é chamado de agregação reprodutiva. No período reprodutivo, as fêmeas secretam pela pele hormônios sexuais chamados feromônios. Por meio do olfato, os machos são atraídos até a fêmea, conseguindo, inclusive, seguir as trilhas de feromônios que as fêmeas vão deixando por onde passam. Eventualmente, muitos machos são atraídos ao mesmo tempo por uma fêmea só, o que faz com que eles se agreguem em volta dela, tentando copular.
Karina Banci, técnica de apoio à pesquisa do Butanta

Karina, que é técnica de apoio à pesquisa científica no Butantan, divide a autoria da nota sobre o fenômeno com Silara Batista, que também atua na instituição.

O trabalho das duas realiza o desejo de Telmo Santos, autor da foto do "cacho", que publicou o registro em um grupo no Facebook em busca de explicações científicas para a reunião das serpentes.

A pesquisadora explica que, apesar de não aumentar o sucesso reprodutivo dos machos individualmente, já que nem todos conseguirão copular com a fêmea, o "amontoado" das cobras-verdes pode aumentar o sucesso reprodutivo da espécie como um todo.

"Ao induzir uma agregação de machos em volta de si, a fêmea induz indiretamente - já que não é algo 'pensado' - uma seleção sexual. De acordo com a teoria da seleção sexual, a fêmea escolhe machos com maior 'fitness' reprodutivo, isto é, maiores, mais vistosos, mais saudáveis, etc. No caso do comportamento relatado neste trabalho vemos 3 machos e 1 fêmea. A agregação faz com que somente os machos com melhor 'fitness' consigam efetivamente copular com a fêmea, ou seja, é uma escolha indireta", detalha Karina.

"O benefício para a espécie é que as fêmeas produzirão filhotes destes machos que obtiveram sucesso, e estes têm maior probabilidade genética de serem filhotes saudáveis e adultos com sucesso reprodutivo".

Mas, apesar de a técnica aumentar a chance da geração de filhotes saudáveis, a pesquisadora destaca que é comum que os filhotes de serpente tenham mais de um pai.

Diante desta possibilidade, para garantir a paternidade, machos de algumas espécies chegam a depositar uma substância gelatinosa na cloaca da fêmea, chamada "plug copulatório", que bloqueia a entrada da cloaca da fêmea por algumas horas ou poucos dias, impedindo que outros machos consigam copular com a mesma.

"Além disso, sabemos também que há competição dos espermatozoides, já dentro da fêmea, após a cópula", conta a técnica.

Já em relação aos locais em que a agregação reprodutiva ocorre, Karina explica que o cenário muda de espécie para espécie. A cobra-verde (Philodryas olfersii) é arborícola, ou seja, vive principalmente nas árvores, o que justifica o comportamento visto na imagem feita no Rio Grande do Sul.

No caso de espécies terrícolas que também praticam a técnica com frequência, como a cobra-liga-comum (Thamnophis sirtalis), a agregação ocorre no chão. Já no caso de sucuris, que são aquáticas, esse comportamento pode ocorrer próximo a corpos d'água, conclui a pesquisadora, afirmando ainda que as "bolas" reprodutivas podem durar horas.