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'Queria ter segurado aquela criança', diz motorista de ônibus arrastado

Do UOL, em São Paulo

18/02/2022 09h29Atualizada em 18/02/2022 11h43

Os motoristas que dirigiam os dois ônibus arrastados pela enxurrada em Petrópolis (RJ) contam que tentaram unir esforços para salvar os passageiros enquanto os veículos eram invadidos pela água, resultado de uma chuva recorde na cidade fluminense.

Carlos Alberto Nascimento, que completa 52 anos nesta sexta (18), destaca a "dor" que sente por não ter conseguido resgatar algumas das vítimas, entre elas uma criança, levada junto ao veículo para dentro do leito de um rio. O profissional conduzia um ônibus da linha 401-Independência pela rua Washington Luís quando foi surpreendido por uma onda que o obrigou a estacionar.

"Eu não sei quem é o pai daquele menino que eu não consegui pegar. Mas ele pode estar certo que a dor que está sentindo é a mesma que eu estou. Eu só quero que Deus conforte muito a família. Aquela criança era tudo o que eu queria ter segurado", contou Carlos Alberto ao Setranspetro (Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário de Petrópolis).

Seu colega, Carlos Antônio, 45, que fazia o caminho da linha 465-Amazonas, também destaca que sua prioridade em meio ao alagamento era ajudar os passageiros que levava.

"Eu só queria salvar todo mundo. Só isso", afirma o condutor, explicando que ele e o colega seguiram a recomendação de interromper o caminho até que o nível das águas baixasse, sendo surpreendidos pela piora crescente do alagamento, que obrigou os dois a acionarem a alavanca de emergência que retira as janelas dos coletivos.

"Lançaram cordas em nossa direção, que foram amarradas nos ônibus e em portões, colunas e poste da via, sendo possível começar a fazer o resgate dos passageiros, com a ajuda das pessoas do condomínio, a quem somos extremamente gratos", contaram os motoristas.

Segundo eles, o maior obstáculo enfrentado pelo resgate improvisado foi a queda de uma barreira na região.

"Com o impacto da queda, a força da água balançou o ônibus, fazendo com que os veículos começassem a ser arrastados, não sendo possível salvar mais ninguém", lamentou a dupla na entrevista ao sindicato, publicada na noite de ontem, mesmo dia em que os dois voltaram ao trabalho.

Um vídeo gravado por testemunhas registrou o momento em que os passageiros tentavam sair dos dois ônibus, ilhados em meio à inundação causada pelo temporal que atingiu Petrópolis (RJ) na terça-feira (15), deixando pelo menos 117 mortos.

As imagens gravadas no momento do incidente mostram pessoas saindo pelas janelas dos veículos e se apoiando no topo dos ônibus, que estavam instáveis por conta da movimentação da enxurrada. Alguns dos passageiros ainda decidiram pular na água e nadar à procura de outro local.

"Todo mundo acreditava que água ia baixar, mas não baixou"

Passageira da linha 465, a manicure Karine Matos Gomes, 37, conseguiu se salvar escapando pela janela. Ao lado do tio, contou com a ajuda de uma escada, apoiada no muro de um condomínio, para sair do veículo. Ao UOL, ela contou que ainda não ser capaz de dormir ao lembrar das pessoas que não conseguiram sair do veículo, entre elas um passageiro que usava perna mecânica.

"A água batia com força na porta do ônibus e entrava. Um menino chegou a fazer força para segurar a porta e impedir a entrada da água. Ele até machucou o braço. O ônibus começou a encher. Queríamos que todos ficassem no ônibus fazendo peso para impedir que ele saísse do lugar. Todo mundo acreditou que a água fosse baixar, mas não baixou", lembra.

"Conforme o ônibus enchia, as pessoas ficavam cada vez mais apavoradas. Outro ônibus apareceu e veio arrastando o nosso. A minha sorte é que em um momento o meu ônibus ficou próximo a um muro de condomínio. Nos ajudaram com uma escada. Ela foi apoiada na janela e no muro".

Eu e meu tio pulamos pelo muro para dentro do condomínio. Muita gente não quis arriscar. A água batia com muita força na escada. Eu fiquei com muito medo. Acho que umas dez pessoas só saíram. Depois, lá dentro do condomínio a gente ouvia os gritos das pessoas pedindo ajuda. Eu não tenho conseguido dormir. As imagens daquele ônibus não saem da minha cabeça. Queria ter ajudado mais gente, mas não consegui", Karine Matos, passageira de ônibus ilhado.

"Tinha um rapaz no ônibus que tinha uma perna mecânica. Ele não conseguiu sair. Fiz amizade com ele no ônibus e ele me falou: 'não posso sair, minha perna é mecânica'. Eu tentei acalmá-lo dizendo para ficar tranquilo e que tudo ia dar certo. Eu acabei saindo e ele não. Não sei quantas pessoas tinham no ônibus no total. Não sei o que aconteceu com elas. Sei que esse rapaz não sobreviveu. Eu não penso em outra coisa", concluiu a mulher.

Família reconhece vítima por vídeo

Um rapaz de 17 anos, identificado apenas como Gabriel, foi reconhecido pela família como um dos passageiros dos ônibus. Donizete, um tio do rapaz, contou a um repórter da TV Globo que parentes viram o adolescente saindo da janela de um dos veículos e logo depois sendo levado pela correnteza nas imagens gravadas por testemunhas, que ganharam repercussão também nas redes sociais.

Apesar da pista, a família não recebeu nenhuma notícia oficial sobre Gabriel desde terça-feira (15). No momento da entrevista ao Bom Dia Rio, Donizete visitava o IML (Instituto Médico Legal) em busca do paradeiro do sobrinho.