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Em luto, Petrópolis busca desaparecidos e vive caos 1 semana após tragédia

21.fev.2022 - Cenário da Vila Felipe, onde parte de uma encosta deslizou em Petrópolis - Lucas Landau/UOL
21.fev.2022 - Cenário da Vila Felipe, onde parte de uma encosta deslizou em Petrópolis Imagem: Lucas Landau/UOL

Lola Ferreira

Do UOL, em Petrópolis

22/02/2022 04h00

A nuvem de poeira e as retroescavadeiras espalhadas denunciam que Petrópolis não vive normalmente há uma semana. Na última terça-feira (15), deslizamentos em diferentes pontos do município deixaram ao menos 183 pessoas mortas e 85 desaparecidas — provavelmente sob os escombros.

Os impactos ainda podem ser observados pela quantidade de lama na cidade, na agonia nos rostos de familiares de plantão em busca de notícias sobre quem amam e na expressão resignada de comerciantes. O ritmo de recuperação indica que a normalidade vai demorar a voltar à cidade imperial.

"O que aconteceu mostrou a nossa solidariedade, a nossa união. Aos poucos a gente volta", diz Jucimar Costa, homem que viveu duas faces da mesma tragédia: seus filhos sobreviveram e sua cunhada morreu. Junto a ele, a cidade reúne outra centena de histórias marcadas pela dor.

Noite de temporal gerou traumas e impactou famílias

"Era um silêncio absoluto. Mas um silêncio diferente, sabe?", dispara retoricamente um morador da Vila Felipe, um dos pontos com moradores ainda soterrados.

Ele relata que na noite do temporal, caminhou pela lama logo após a chuva, quando o cenário já era de completa destruição. Ajudou a escavar os escombros e não demorou a achar um corpo.

O local estava no mais completo breu, frio. "Não tinha ninguém aqui. Quem ficou, saiu correndo", relembra. O socorro chegaria nas primeiras horas da madrugada, e sete dias depois bombeiros ainda procuravam — agora com a ajuda de cães farejadores — corpos sob os escombros.

Em uma das montanhas de lama, já no pé do morro, especula-se que estejam os dois filhos de 5 e 7 anos e a esposa, de 27, de um homem que tem vivido os dias em função de encontrar sua família. "Ele está firme, mas quando achar vai desabar", diz o mesmo morador.

A família querida no local gera reações de incredulidade quando o assunto surge. "O mais velho jogava bola muito bem", "Lembra como eles soltavam pipa?", "Ele era muito agarrado naqueles moleques".

Na tarde de ontem, corpos foram encontrados no local onde alguns objetos pessoais dos meninos estavam, indicando que o pai poderá enterrar sua família em breve. Falta a confirmação por meio da identificação.

Do outro lado da região do Alto da Serra, os moradores da rua Lopes Trovão enfrentam os traumas da queda dos barrancos. No domingo (20), a reportagem conversou com Jéssica Silva, 24, que relatou o choque da filha de dois anos, que repete que o morro "é papel".

Estudantes do colégio conhecido como EMAS, a Escola Municipal Vereador José Fernandes da Silva, passaram por experiência parecida. Em horário escolar, viram uma barreira de vidro ser atingida em cheio pela água que descia do Morro da Oficina e se romper. As salas alagaram. Dias depois, o rastro de lama indica a destruição.

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Bombeiros atuam em Petrópolis; faltam equipamentos básicos, como pás e galochas
Imagem: Lucas Landau/UOL

Busca por desaparecidos: DNA e mãos na lama

Do alto aos pés dos morros, famílias seguem a busca por ao menos 110 pessoas — de acordo com a última atualização da Polícia Civil — que não apareceram desde o temporal. Entre estes, há 17 crianças e adolescentes e 34 idosos.

Há corpos que chegam ao IML (Instituto Médico-Legal) em estado avançado de decomposição, o que impossibilita o reconhecimento pelos meios mais comuns — pelas digitais ou facial — e leva a Polícia Civil a adotar o exame de DNA.

A previsão é que, até o fim desta semana, todas as famílias com entes desaparecidos tenham seu material genético arquivado no programa que busca combinações. O objetivo é obter respostas até 60 dias após a coleta.

Moradores se unem para resgatar familiares em Petrópolis após deslizamento - Lucas Landau/UOL - Lucas Landau/UOL
Moradores se unem para resgatar familiares em Petrópolis após deslizamento
Imagem: Lucas Landau/UOL

A esperança de dar um enterro digno aos familiares marcou a semana. No Morro da Oficina, homens agacharam e cavaram a lama com as próprias mãos. Outros usavam ferramentas domésticas, como cordas e marretas. Demorou três dias para que os bombeiros chegassem ao alto do morro. Com cães farejadores, somente no quarto dia de buscas.

Nos últimos sete dias, a reportagem ouviu relatos que expunham que o efetivo de profissionais destinados à cidade era pouco e que até ferramentas estavam escassas.

Em entrevista coletiva, o governador Cláudio Castro (PL) negou o baixo efetivo e disse que as equipes eram deslocadas com base em critérios técnicos.

Porém, documentos internos do Corpo de Bombeiros mostram que falta material básico, como pás e galochas.

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Cemitério de Petrópolis (RJ) recebeu mais de 40 enterros por dia
Imagem: Rolland Gianotti/UOL

Movimento no IML e em cemitério expõe 'clima de morte'

Com o avanço dos dias, a cidade já tem um cheiro diferente. Um profissional da companhia de elétrica disparou, ao descer do carro à beira da Vila Felipe: "Que cheiro de morte".

Quem testemunha não se opõe. Diante do sol que estala forte antes da chuva comum do fim da tarde, o calor exala um odor que parece misturar esgoto, lama e algo orgânico — corpos ou alimentos.

A cada dia, a lista de desaparecidos diminui e a de mortos aumenta. Com isso, a peregrinação de famílias ao IML é uma das tônicas da tragédia. Distante 15 km do centro da cidade, o instituto montou um posto de cartório para expedir certidão de óbito, e tenta agilizar os atendimentos para liberação.

Com funcionamento em horário comercial (até as 18h), o alto número de corpos faz com que muitas famílias tenham de voltar ao lugar mais de uma vez. Há ainda aquelas famílias que chegam em busca de informações.

É o caso de Leandro da Rocha, de 49 anos, pai de Gabriel Vila Real, 17. O rapaz desapareceu após imagens registrarem ele afundando junto a um ônibus próximo à rua Washington Luiz, no centro da cidade.

Leandro vai ao IML diariamente para saber se algum corpo que chegou por lá tem as características do filho — ainda sem sucesso. Ontem, a família de Gabriel achou o tênis que ele calçava na terça-feira. Agora, o objetivo é encontrar o rapaz.

O Cemitério Municipal presenciou dias com mais de 40 enterros das vítimas da chuva. A praça que concentra funerárias da cidade está sempre cheia e as ruas que dão acesso às entradas do cemitério, também.

A maioria das famílias caminha em silêncio, abraçando-se em duplas ou trios. No momento em que o caixão fecha, por vezes há um choro desesperado, por outras, lágrimas contidas. Todos evitam dar entrevista.

Moradores transitam pela rua Teresa, em Petrópolis, em meio à lama causada pela chuva - Lucas Landau/UOL - Lucas Landau/UOL
Moradores transitam pela rua Teresa, em Petrópolis, em meio à lama causada pela chuva
Imagem: Lucas Landau/UOL

Economia tenta se reerguer na cidade

O trânsito em toda a cidade expõe a desorganização. Uma semana após o temporal que bloqueou ruas, bairros e devastou dezenas de casas, motoristas de serviços oficiais — como polícia e bombeiros — dividem o engarrafamento com carros de motoristas solitários e suas doações.

As poucas lojas que teimam em funcionar, à revelia do mar de lama em sua porta, na rua Teresa, veem um movimento quase nulo.

A chuva pode ter causado uma perda de aproximadamente R$ 665 milhões no PIB de Petrópolis. Além disso, 65% das 286 empresas entrevistadas pela Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) na cidade após a tragédia afirmam que foram diretamente afetadas.

No dia 18 de fevereiro, 85% não tinha voltado a funcionar — o que se comprova com o alto número de estabelecimentos fechados na cidade.

Uma loja de cosméticos do centro passou uma manhã lavando produtos. "A gente vai avaliar o que dá pra botar na prateleira e o que está em bom estado para doação", diz uma funcionária.

As doações, aliás, expõem a vulnerabilidade econômica dos cerca de 900 desalojados. A todo o tempo, água, alimentos, itens de higiene e roupas chegam a um dos 13 pontos de apoio da prefeitura — sem contar os não oficiais.

Um motociclista, parte do grupo que tem viabilizado o transporte de itens essenciais na cidade travada, resume:

"De pouquinho em pouquinho, a gente ajuda o outro e consegue voltar a fazer as coisas darem certo."