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Governador do RJ já disse que delegado preso é 'altamente qualificado'

O governador do Rio, Cláudio Castro (PL) -  WALLACE SILVA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
O governador do Rio, Cláudio Castro (PL) Imagem: WALLACE SILVA/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO

Ruben Berta

Do UOL, no Rio

11/05/2022 04h00

Em um documento enviado em julho do ano passado para a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), classificou o delegado Marcos Cipriano, preso nesta terça (10) em uma operação do Ministério Público contra o jogo do bicho, como um "profissional altamente qualificado".

O elogio consta no texto em que o governador indica Cipriano a uma vaga de conselheiro da Agenersa (Agência Reguladora de Saneamento Básico e Energia do Rio). Após aprovação do Legislativo, o delegado assumiu o cargo, com salário de R$ 18,4 mil, em setembro. O mandato é de quatro anos.

Questionada se o governador havia se arrependido da indicação, a assessoria de imprensa de Castro afirmou que ele "não compactua com nenhum desvio de conduta cometido por servidores". A assessoria disse ainda que "o delegado será submetido a processo disciplinar pela Corregedoria de Polícia Civil".

A reportagem também perguntou à Agenersa se o policial seguirá recebendo salário mesmo preso e se será aberto algum procedimento administrativo contra ele.

A agência afirmou, em nota, que "conforme determina a Lei 4.556/2005, Marcos Cipriano será implicado se houver condenação em processo administrativo disciplinar —aberto na Corregedoria da Polícia Civil— ou condenação judicial transitada em julgado, pois os fatos são anteriores à sua nomeação no cargo de conselheiro. Ademais, não comentamos decisão judicial".

Reação na Alerj

Apesar de ter sido aprovada na Alerj, a nomeação do delegado gerou reações na Casa à época. Dois parlamentares —Alexandre Freitas (Podemos) e Filippe Poubel (PL)— entraram com um pedido de liminar para impedir Cipriano de se tornar conselheiro da Agenersa, o que foi negado pela Justiça.

Além de argumentar que o policial civil não possuía qualquer experiência nas áreas de energia e saneamento básico, os deputados mencionaram reportagem do UOL de 2020 que já apontava contatos entre o ex-PM Ronnie Lessa —um dos acusados da morte de Marielle Franco— e Cipriano após uma apreensão de máquinas caça-níqueis.

Para os parlamentares, as suspeitas em torno do delegado colocavam em dúvida a reputação ilibada necessária para que ele assumisse o cargo de conselheiro.

O que diz o MP

Na denúncia da Operação Calígula, realizada na terça (10), o MP cita a "promiscuidade com que Cipriano se relaciona com criminosos, especialmente com Ronnie Lessa". Os promotores apontam o delegado como integrante de uma rede de apoio a jogos de azar do contraventor Rogério de Andrade.

Defesa de Cipriano

O advogado Ricardo Braga, que representa Cipriano, afirmou que "será demonstrada no processo uma inocência que está mais do que comprovada nas próprias investigações". Braga disse ainda que a relação do delegado com Lessa foi pontual e que nada tem a ver com alguma ajuda relacionada a máquinas caça-níquel.

PGE defende indicação

Mesmo sem a concessão da liminar, o processo contra a nomeação do policial na Agenersa segue em tramitação na Justiça, para a análise do mérito.

Em dezembro do ano passado, a PGE (Procuradoria Geral do Estado) elaborou um documento reforçando a defesa da indicação de Cipriano para conselheiro da Agenersa.

A PGE afirma que "se só se permitir a composição do Conselho Diretor da Agenersa por pessoas que tenham trabalhado na área de energia e saneamento, não haverá risco, mas efetiva captura da agência pelo setor regulado".

A Procuradoria também defendeu que o Judiciário não interfira na nomeação porque "não há como recusar o conteúdo político da escolha de um agente público para exercer mandato em entidade autônoma".

Por fim, a PGE argumenta que o delegado não era à época réu em nenhuma ação, sendo as suspeitas levantadas pelos deputados baseadas em reportagem jornalística.

Na quarta (11), a assessoria de imprensa do governo estadual disse que ainda aguarda eventual intimação da decisão judicial que determinou a prisão de Cipriano para analisar todos os seus efeitos.

Curso de tiro com pistola

No currículo de Cipriano, enviado por Cláudio Castro à Alerj, entraram experiências que nada têm a ver com energia e saneamento, como cursos de tiro e manuseio de pistola Glock e de tática policial.

Os únicos cargos fora da polícia foram o de subsecretário de Fiscalização de Ativos da Casa Civil, para o qual foi nomeado em agosto de 2020, e o de vice-presidente do Detro (Departamento de Transportes Rodoviários do Rio), em novembro do mesmo ano.

Na época da primeira nomeação, o governador do Rio ainda era Wilson Witzel, que afirmou que não conhece Cipriano e que a responsabilidade pelo cargo era do então secretário da Casa Civil, André Moura.

Moura não foi localizado pela reportagem. Ele seguiu atuando na gestão Cláudio Castro, sendo seu último cargo o de representação do governo em Brasília, do qual se afastou este ano para concorrer a uma vaga para o senado por Sergipe.

Na época da nomeação do delegado para o Detro, Castro já havia assumido o governo, de forma interina, após o afastamento de Witzel.

Além dos cargos na Polícia Civil e dos cursos realizados, o currículo de Cipriano enviado pelo governador à Alerj listou homenagens de políticos ao delegado. O destaque foi para a Medalha Tiradentes, honraria maior da Assembleia Legislativa, concedida em 2009 pelo então deputado Domingos Brazão.

Brazão chegou a ser preso em 2017 na Operação Quinto do Ouro, que investigou um esquema de propina envolvendo deputados e membros do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio). Atualmente, ele é conselheiro afastado da Corte e responde ao processo em liberdade.