PE: Ela viu a mãe perder tudo numa chuva; agora, grávida, foi a vez dela
Larissa Aragão, 23, conta que, aos 5 anos, a filha dela perdeu a primeira casa para a força das chuvas na Região Metropolitana do Recife —o local em que viviam, na Comunidade do Chiclete, no bairro da Iputinga, na capital pernambucana, foi tomado pelas águas do rio Capibaribe.
Para ela, grávida de quatro meses, a sensação é familiar. Em 2010, quando um temporal devastou municípios da Mata Sul do estado, lembra de olhar para a mãe lamentando a perda da casa da família de modo semelhante.
Mas ainda maior que o temor sobre a sina das duas gerações continuar, é a incerteza se suas crianças sobrevivam até lá. "Hoje eu perdi ao bens materiais, mas quem garante que daqui a cinco anos eu não perca minha filha e até mesmo minha vida?", questiona enquanto encontra espaço num abrigo improvisado na escola municipal Diná de Oliveira, na Zona Oeste do Recife — onde, atualmente, 12 famílias dividem o espaço de uma sala de aula.
Na época, eu era a filha de minha mãe e perdemos tudo. Hoje sou mãe e estou grávida e perdi tudo mais uma vez. Não sobrou nada.
Larissa Aragão
Pernambuco soma, até o momento, 9.302 pessoas desabrigadas. Somente na escola Diná de Oliveira, são 600 acolhidas. O pouco que elas conseguiram salvar das águas se junta às doações que chegam a toda hora. Roupas, colchões, comida e até brinquedos para as crianças tentam abrandar os efeitos dos temporais que, desde a semana passada, provocou inundações e deslizamentos que, mais que desabrigar, tirou a vida de 128 pessoas.
A tragédia que salta gerações, numa reunião de infortúnios, soa menos incomum do que se poderia pensar. Priscila Rafaela, 23, também perdeu tudo. O único lugar seguro para se abrigar com a filha de 3 anos foi a escola municipal. "Aqui a gente tem comida, um lugar para dormir. Mas o que a gente quer realmente é uma casa digna", afirma.
Apenas na capital, o déficit habitacional é de 71.160 moradias. Sem alternativas, milhares acabam construindo vidas em palafitas e áreas de morro, vulneráveis às intempéries.
A dona de casa Silvania da Costa, 43, faz parte dessa estatística. Desabrigada, se pôs a dar, de novos, conhecidos primeiros passos básicos — porque além do teto, as águas levaram também seus documentos. Um mutirão foi armado pela Defensoria Pública de Pernambuco para atender esse tipo de caso, que é numeroso. "Sem documentos fica difícil recomeçar", conta, usando o verbo que, há dias, todos ouvem e repetem, sem saber bem como fazer diferente do que foi trilhado até então.
De acordo com a Prefeitura do Recife, 2.577 unidades habitacionais estão em construção ou em fase de projeto para contornar o déficit habitacional na cidade. Enquanto isso, o governo do estado anunciou ontem o pagamento de R$ 1,5 mil como forma de ajudar as vítimas das chuvas. Além disso, famílias que perderam parentes nas enchentes poderão ter direito a uma pensão bancada pelo poder público.
Após perder tudo o que tinha duas vezes em 23 anos, Larissa diz saber o quanto o conceito de lar se desfaz rapidamente, em questão de minutos, mas o quanto a espera por uma casa considerada digna pode ser longa. Ela diz que entrou no cadastro da prefeitura do Recife há cinco anos. Até então, não foi contemplada. "Tudo que queria era uma casa. O jeito vai ser voltar para a beira do rio", lamenta, desconhecendo o privilégio de distinguir os verbos recomeçar e repetir, cada vez mais comuns na região.
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