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'Apanhava de fio, ele enforcava a gente', diz mulher resgatada de cárcere

Cárcere privado: família foi mantida 17 anos presa antes de ser resgatada no Rio de Janeiro - Divulgação
Cárcere privado: família foi mantida 17 anos presa antes de ser resgatada no Rio de Janeiro Imagem: Divulgação

Do UOL, em São Paulo

30/07/2022 15h03Atualizada em 01/08/2022 08h44

A mulher, que era mantida em cárcere privado com dois filhos em Guaratiba, na zona oeste do Rio, relatou uma rotina de violência nos últimos 17 anos. Eles foram resgatados na quinta-feira (28) e o marido dela, que também é pai dos dois jovens, foi preso no local.

Em entrevista à GloboNews, a mulher contou que os três sofriam maus-tratos.

Ficava sem comida, sem água e apanhando, ele amarrava. Apanhava de fio, ele enforcava a gente. Não tinha televisão e às vezes ficava o som muito alto.
Mulher resgatada com filhos no Rio de Janeiro relata agressões

Ela também relatou que o homem sempre foi agressivo, "mas, com o decorrer dos anos, foi piorando mais".

O capitão da PM William, responsável pelo resgate, diz que a mulher chegou a relatar incômodo com a luz do sol, após ser mantida tanto tempo em cárcere privado.

Os três estavam em um imóvel sem condições dignas de habitação. De acordo com a PM, que divulgou fotos do local, o chão era de cimento, não havia água encanada, os colchões eram sujos e sem lençol. Os filhos do casal foram encontrados amarrados e, devido ao grave estado de saúde, aparentavam ter idades entre 10 e 12 anos. Eles têm 19 e 22 anos.

Mãe e filhos eram mantidos em cárcere privado; situação já durava 17 anos - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
Mãe e filhos eram mantidos em cárcere privado; situação já durava 17 anos
Imagem: Reprodução/TV Globo

A polícia foi ao local após uma denúncia anônima. De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, os três apresentavam quadro grave de desnutrição e desidratação. Eles foram encaminhados para o Hospital Municipal Rocha Faria.

As crianças não falavam. Não sei se por conta da situação que foram submetidas, se não se desenvolveram, ou se nasceram com alguma deficiência. A mulher foi quem nos disse que estava naquela situação há 17 anos e os vizinhos confirmaram que ela nunca era vista na rua.
Capitão da PM William, responsável pelo resgate da família

Ainda de acordo com o militar, o homem preso no local informou que era trabalhador e alegou que os filhos tinham problemas psicológicos e que, por isso, precisavam ficar amarrados.

"Ele não demonstrou remorso nem arrependimento em momento algum" , disse William.

O marido e pai das vítimas, que não teve o nome divulgado, foi autuado em flagrante pelos crimes de tortura, cárcere privado e maus-tratos.

"Nunca vi nada igual"

Há 15 anos na Polícia Militar, William disse que nunca viu situação igual. Chamou a atenção do capitão o estado de saúde das vítimas e as condições às quais eram submetidas no interior de uma casa na Rua Leonel Rocha, em Guaratiba.

Nunca vi nada parecido. Tenho experiência de outras unidades, a gente tem notícias de eventos negativos e absurdos, mas nada comparado a isso. Na hora, a gente pensa na família, nos filhos, mas precisamos manter o controle emocional.

Segundo ele, os vizinhos relataram que passavam comida por brechas do portão à mulher, mas que ela tinha muito medo de que o marido descobrisse a ajuda.

No local, moradores relataram à TV Globo que o caso já havia sido denunciado ao posto de saúde do bairro e ao Conselho Tutelar, mas que nada foi feito.

Procurada, a direção da Clínica da família Alkindar Soares Pereira Filho informou que notificou a suspeita de maus-tratos em 2020 ao Conselho Tutelar da região. Já o Conselho Tutelar disse que acompanha o caso há dois anos e que o Ministério Público e polícia foram acionados, mas nada foi feito até então.

Procurado, o MP disse que tomou ciência dos fatos em março de 2020 e que foi informado pelo Conselho Tutelar de que o órgão "havia tomado todas as medidas pertinentes, sobretudo, quanto à notícia dos fatos ao 27º Batalhão da Polícia Militar e à Polícia Civil, gerando, inclusive, registro de ocorrência com vistas à cessação da prática do crime de cárcere privado" e que "não houve nenhuma informação posterior no sentido de que a violência não fora estancada, motivo pelo qual, está sendo apurada a atuação posterior do Conselho do Tutelar e da rede de proteção".