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Cana lidera trabalho escravo no Brasil, problema que já atingiu até a Coca

A Caravelas começou a atuar no mercado em 1994 - Divulgação
A Caravelas começou a atuar no mercado em 1994 Imagem: Divulgação

Do UOL, em São Paulo*

04/03/2023 04h00

Cana-de-açúcar, carvão, alho, café estão entre os líderes de trabalhadores em situação análoga à escravidão, no ano passado. É o que aponta o relatório do Ministério do Trabalho e Previdência. Nesta semana, a Caravelas foi identificada como compradora de uma fazenda no interior de São Paulo que mantinha pessoas em condições degradantes, mas outras grandes empresas como Coca-Cola e Ipiranga já tiveram impactos em suas produções.

Ao todo, 2.575 trabalhadores em trabalho análogo à escravidão foram encontrados em 2022. Desses, 2.469 foram resgatados dos locais em que estavam. O número quase que dobrou em relação à 2019, antes da pandemia, de 1.131 trabalhadores.

A maior parte deles está em zonas rurais. Do total de ações, 73% delas ocorreram na área rural. A principal atividade foi no cultivo de cana-de-açúcar.

  • Cultivo de cana-de-açúcar: 362 pessoas resgatadas
  • Atividades de apoio à agricultora: 273 pessoas resgatadas
  • Produção de carvão vegetal: 212 pessoas resgatadas
  • Cultivo de alho: 171 pessoas resgatadas
  • Cultivo de café: 168 pessoas resgatadas
  • Cultivo de maçã: 126 pessoas resgatadas
  • Extração e britamento de pedras: 115 pessoas resgatadas
  • Criação de bovinos: 110 pessoas resgatadas
  • Cultivo de soja: 108 pessoas resgatadas
  • Extração de madeira: 102 pessoas resgatadas
  • Construção civil: 68 pessoas resgatadas

Grande maioria dos resgatados são homens. Dados do seguro-desemprego mostram que eles são 92% das pessoas resgatadas. Desse número, 51% residiam na região Nordeste e outros 58% eram naturais dessa região.

E também são pretas. 83% deles se autodeclararam negros ou pardos, enquanto 15% brancos e 2% indígenas. Além disso, 148 resgatados eram imigrantes — um número que é o dobro do ano anterior. Foram encontrados 101 paraguaios, 25 bolivianos, 14 venezuelanos, 4 haitianos e 4 argentinos.

Crianças e adolescentes também são vítimas. Ainda segundo o relatório, os maiores resgates ocorreram em cultivos de café (24%).

Brasília foi onde que mais ocorreu resgates — e Minas Gerais o principal estado, com 1070 trabalhadores resgatados. Goiás teve 49 fiscalizações e a Bahia na sequência, com 32 ações. O maior resgate ocorreu em Varjão de Minas (MG): 273 pessoas trabalham em condições degradantes no e corte de cana-de-açúcar.

Mais empresas envolvidas

Na semana passada, 207 pessoas foram resgatadas em uma operação no Rio Grande do Sul em vinícolas fornecedoras das empresas Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi

Situação semelhante também ocorreu com Coca-Cola, Ipiranga e Suzano Papel e Celulose. Segundo o Repórter Brasil, trabalhadores foram encontrados em situação análoga à escravidão em distribuidoras da Usina Coruripe, que fornecia açúcar para a Coca-Cola, além de, na ocasião, manter contratos de venda de etanol para os postos Ipiranga.

Também no ano passado, uma fazenda nomeada São Sebastião, no Maranhão, teve as condições irregulares descobertas após um empregado sobreviver a um tiro. A maior parte da propriedade estava arrendada para a Suzano Papel e Celulose, que planta eucalipto em 190 dos 210 alqueires totais.

Desde 2003, o governo federal mantém um cadastro popularmente conhecido como "lista suja" do trabalho escravo, que reúne empregadores que usaram mão de obra em condições análogas à escravidão.

Um dos mais recentes a entrar na lista foi a propriedade rural de Torcato Junior Tatim, produtora de fumo em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul.

Ali, em janeiro de 2021, foram resgatados três trabalhadores que moravam em condições precárias e não sabiam ao certo desde quando estavam ali ou quanto recebiam de salário. O fumo produzido na fazenda era comprado pela subsidiária brasileira da multinacional americana Universal Leaf.

O que disseram as empresas citadas?

No caso dos vinhos, o CIC-BG (Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves), associação empresarial do Rio Grande do Sul, que atua com grandes vinícolas havia culpado o assistencialismo pela falta de trabalhadores.

Nesta terça-feira (28), o centro afirmou entender que as políticas públicas assistenciais são fundamentais para oferecer amparo às pessoas em situação de vulnerabilidade.

"Nosso compromisso, enquanto entidade, é oportunizar que as pessoas não dependam exclusivamente do assistencialismo para sobreviver —mas que encontrem incentivo para ingressar/retornar dignamente ao mercado do trabalho. O maior programa de assistencialismo que pode existir é dignificar as pessoas por meio do emprego e, com esse propósito, o CIC-BG está prestando valiosíssima contribuição social."

O grupo voltou a afirmar que repudia às "práticas inadequadas, que estão sendo alvo de investigação, no trato aos trabalhadores."

Já a Coca-Cola afirma que o respeito aos direitos humanos é um valor fundamental da companhia. "A The Coca-Cola Company reforçou com a liderança de seus fornecedores o aprimoramento dos mecanismos de fiscalização com sua cadeia de valor e de terceiros conforme expresso pelos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre negócios e direitos humanos. Todos reafirmaram o compromisso com a assinatura de novos termos para cumprimento das ações. As medidas adotadas pela Usina Coruripe e que estão sendo acompanhadas pela Coca-Cola, foram: o cancelamento pela Usina Coruripe do contrato com as duas fazendas envolvidas no relatório, a ação de fiscalização diária em fornecedores na safra e entressafra colheita, capacitação 100% dos fornecedores, abertura anônima de um canal de denúncia e obtenção de certificação pelo padrão Internacional de Agricultura Sustentável no que diz respeito à produção responsável e sustentabilidade."

Ao UOL, a Ipiranga informou que suspendeu operações com o fornecedor em agosto de 2022 e, ainda no ano passado, elaborou um Termo de Responsabilidade e Ajuste de Conduta, que foi assinado pela Coruipe como forma de compromisso legal contra o trabalho em situações análogas à escravidão. "As operações foram retomadas seguindo o contrato vigente", disse a empresa.

A companhia ainda reforçou que signatária do pacto contra o trabalho escravo "e que toda e qualquer forma de exploração de trabalho é repudiada."

A Suzano Papel e Celulose disse que, ao tomar conhecimento do caso, deu início a um procedimento para apurar os fatos, ainda no ano passado. "Apesar dos ocorridos não envolverem a área ou o contrato objeto do arrendamento para a Suzano, a empresa decidiu, diante os fatos apurados, terminar imediatamente a relação contratual com o proprietário", informou a empresa ao UOL.

"A Suzano reforça as diretrizes de suas políticas internas e código de conduta e repudia a exploração do trabalho forçado ou compulsório, infanto-juvenil ou qualquer outra forma de exploração que agrida a dignidade humana e a legislação trabalhista vigente.", diz comunicado.

O que diz a lei

Conforme o Código Penal, o trabalho análogo à escravidão é caracterizado pela submissão de alguém a trabalho forçado ou a jornadas exaustivas, sujeição a condições degradantes ou restrição do ir e vir em razão da dívida com o empregador, por meio da retenção dos documentos do trabalhador ou cerceamento do uso de meios de transporte, por exemplo.

Também é passível de punição quem mantém vigilância ostensiva no local de trabalho.

O crime de reduzir alguém a condição análoga à de escravo prevê uma pena de reclusão de dois a oito anos e multa. A pena aumenta se o trabalhador explorado for criança ou adolescente, se o crime tiver motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

*Com informações da DW