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SP: Escolas precisam registrar casos de violência, mas governo não responde

Famílias e alunos prestam homenagem às vítimas de ataque da escola Thomazia Montoro, na zona oeste de São Paulo - Bruno Santos/Folhapress
Famílias e alunos prestam homenagem às vítimas de ataque da escola Thomazia Montoro, na zona oeste de São Paulo Imagem: Bruno Santos/Folhapress

Do UOL, em São Paulo

31/03/2023 04h00

Diretores de escolas ouvidos pelo UOL afirmaram que não têm retorno das ocorrências incluídas no sistema criado pelo governo de São Paulo para receber diariamente registros de casos de violência nas escolas públicas —como bullying, brigas, ameaças e assaltos.

O que acontece

O Placon, como é chamado o sistema, é um dos braços do programa Conviva SP, lançado após o massacre de Suzano, em 2019, para "aprimorar a convivência na comunidade escolar".

"A secretaria só lida com números, nunca vi uma interferência sobre [o conteúdo das] ocorrências registradas na plataforma", disse a diretora de uma escola na capital paulista, que preferiu não ser identificada.

Quatro diretores ouvidos pela reportagem contaram ter registrado diferentes casos como briga entre alunos, ameaças e vandalismo —em nenhum deles houve retorno, intervenção ou orientações da secretaria.

"A polícia está na rua e, quando chamamos a ronda escolar, ela vem. Mas não tem uma política para além da questão emergencial", contou o diretor de uma escola da Grande São Paulo.

"Acho que o novo secretário nem sabe dessa plataforma", diz outro diretor. "Tivemos casos de roubo de fiação da escola, de aluno dizendo que ia jogar uma bomba, que vai brigar com o colega na saída", afirmou outro diretor.

Procurada nos últimos dois dias, a Secretaria Estadual da Educação não respondeu objetivamente qual é o encaminhamento para os registros da plataforma (leia mais abaixo).

A ideia era que as escolas registrassem os casos, a secretaria tivesse uma ideia dos problemas da rede e os dados servissem para uma devolutiva tanto do estabelecimento de proposta de intervenções, quanto de propostas de prevenção."
Raul Alves, mestre e doutorando em Educação pela Unesp e um dos pesquisadores que desenhou o programa Conviva

Alves afirma que a ideia era que, no caso de uma situação alertada pela escola, as ocorrências deveriam ser encaminhadas para equipes dedicadas. Em seguida, estratégias de intervenção e acompanhamento deveriam ser elaboradas e colocadas em prática.

Programa sofreu redução

O UOL apurou que o Conviva SP sofreu redução e não foi implementado por completo.

A assessoria do ex-secretário Rossieli Soares, responsável por lançar o programa, afirmou, que durante sua gestão, 2.000 profissionais atuavam como professores coordenadores de convivência (identificados como POCs) e outros 16, na coordenação central.

"Em casos que houve necessidade no reforço da atuação local, a secretaria enviava profissionais até escola para tomar as medidas cabíveis", disse a assessoria.

Hoje o programa conta com "mais de 500" POCs e seis profissionais da coordenação central, segundo a Secretaria Estadual da Educação.

Depois do ataque na escola Vila Sônia, nesta semana, a gestão de Renato Feder anunciou o aumento para 5.000 professores no programa.

O ex-secretário da Educação Humbert Aqueres, da gestão do ex-governador Rodrigo Garcia (PSDB), nega que tenha reduzido o número de professores coordenadores. De acordo com ele, eram mais de 700 em dezembro de 2022, quando deixou a pasta.

As equipes foram mantidas em funcionamento o tempo todo e os programas ligados à segurança e convivência nas escolas estaduais foram reforçados."
Humbert Aqueres, ex-secretário estadual da Educação

Como as escolas agiram

Uma funcionária da escola anterior do aluno de 13 anos que planejou e executou o ataque no colégio Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona oeste, já havia registrado boletim de ocorrência citando o "comportamento suspeito" do adolescente.

Na semana passada, o mesmo estudante brigou com um colega e o chamou de "macaco". A professora Elisabeth Tenreiro interveio. Na última segunda-feira, o menino teria uma conversa com a direção.

As ações tomadas em relação ao estudante partiram das escolas e não de uma orientação ou protocolo da secretaria.

No fundo, a secretaria finge que está fazendo intervenção, mas faz um monitoramento. A secretaria e a polícia deveriam ter tomado uma atitude. Não teve erro de execução, porque a escola seguiu, teve erro do governo de ignorar."
Daniel Cara, professor e pesquisador na Faculdade de Educação da USP

Cara também afirma que é preciso que os governos deixem de olhar os episódios como casos isolados. Ele ressalta que os adolescentes têm sido mobilizado por conteúdos da extrema direita.

"A prova disso é que a máscara usada pelo adolescente foi vista [nos massacres] em Suzano e em Aracruz. Enquanto não se assumir isso, não se acerta o diagnóstico", afirma Cara.

Como funciona a plataforma

Existe um prazo de até sete dias para que as escolas registrem ocorrências no sistema, segundo a Secretaria da Educação.

As escolas precisam incluir número do aluno, tipo de violência e quais ações foram tomadas pelo colégio. Casos de violência física, verbal, vandalismo e ameaça são alguns dos tipos registrados.

As escolas não recebem um relatório dos casos registrados no sistema.

O que diz a secretaria

A plataforma será modernizada pela gestão atual para que a equipe central do Conviva possa intervir com maior celeridade.

Sobre o caso do adolescente que esfaqueou a professora Elisabeth, a pasta afirmou que todas as informações foram incluídas na plataforma, mas não explicou o que fez na prática com os registros.

Após o registro das ocorrências no Placon, as equipes do Conviva estabelecem estratégias de apoio e acompanhamento às equipes docentes e aos dirigentes. A plataforma é utilizada para que sejam propostas atividades, rodas de conversa e políticas públicas de combate ao bullying, violência e racismo nas escolas da rede."
Secretaria da Educação do Estado de São Paulo