'Meu pai morreu após ser baleado na cabeça enquanto fazia cruzadinhas'

Sebastião Silva, de 66 anos, morreu após levar um tiro por engano enquanto fazia palavras cruzadas sentado em uma calçada, em Aparecida de Goiânia (GO) no último dia 30. A filha de Sebastião, a professora Giselle Silva, de 39 anos, narra o desespero da família ao saber da notícia.

O que aconteceu

Sebastião saiu de casa e, como de costume, parou em uma distribuidora de bebidas para conversar com os amigos e tomar um refrigerante. Depois, sentou na calçada para descansar e fazer palavras cruzadas. Em poucos segundos, foi alvejado na cabeça. O crime aconteceu no dia 30.

Por volta das 21 horas, bateram forte no portão de casa. Meu marido foi atender e logo voltou assustado para me dizer que teria de ir até a distribuidora, pois algo havia acontecido com meu pai. Um vizinho me disse que um bandido havia atirado na cabeça dele, enquanto ele fazia palavras cruzadas. Fiquei desesperada e entrei em choque.
Giselle Silva

A vítima chegou a ser socorrida e internada em estado grave no Hospital de Urgências de Goiás Dr. Valdemiro Cruz (Hugo), mas não resistiu aos ferimentos e morreu na sexta-feira.

Câmeras de segurança capturaram o momento em que o idoso foi baleado. As imagens mostram Sebastião sentado em uma calçada fazendo palavras cruzadas, quando foi atingido. Segundo a Polícia Militar de Goiás, o responsável pelos disparos é um adolescente de 16 anos, que foi apreendido. Nas imagens, também é possível perceber um homem atirando para o alto. O segundo suspeito tem mais de 18 anos e está preso.

Ao prestar depoimento à Polícia Militar, o suspeito esclareceu que o idoso não era o alvo pretendido. Ele justificou os tiros como parte de um conflito entre facções criminosas e revelou que faz parte de uma facção paulista, enquanto os supostos alvos pertencem a uma facção do Rio.
Polícia Militar, em nota

Idoso estava aposentado e era atleta

Sebastião estava casado havia 40 anos, tinha dois filhos e dois netos. O idoso se aposentou em agosto, após trabalhar por anos como encarregado de produção, cobrador de ônibus, vendedor e motorista.

Nos últimos meses, aproveitava o tempo livre para cuidar da esposa e se reunir com familiares e amigos. Sebastião também era atleta e colecionava medalhas.

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Meu pai sempre foi muito extrovertido. Gostávamos de nos reunir aos finais de semana para ouvir modão raiz, contar experiências da vida e sorrir. O bairro inteiro sabia como ele era brincalhão. Ele também competia em várias maratonas. Ganhou premiações em dinheiro, medalhas e troféus. Nadava como um peixe, amava passeios em clubes e chácaras, além de competir em torneios de futebol amador.
Giselle Silva

Giselle lembra da última conversa com o pai, horas antes de sua morte. Sebastião estava preocupado com a falta de insulina na rede pública de saúde, usada diariamente pela esposa, e combinava com a filha uma forma de comprar o medicamento na farmácia.

Ele sempre cuidou de todo mundo. Deixava a casa muito organizada, fazia almoço e jantar. Naquele dia, tinha ido buscar as insulinas, mas não encontrou. Quando chegou em casa para fazer comida, minha mãe, que nunca preparava pelo estado de saúde dela, já tinha feito. Como ele viu que estava pronto, desceu para a praça e, em seguida, para a distribuidora para fazer as cruzadinhas. Essa era outra atividade que ele amava, um grande hobby. Depois, ele voltava para casa feliz da vida.
Giselle Silva

Sebastião era aposentado e competia em maratonas
Sebastião era aposentado e competia em maratonas Imagem: Arquivo pessoal

Mãe foi poupada da notícia. A esposa de Sebastião tem doença de Alzheimer e outros problemas de saúde. "Fizemos de tudo para que minha mãe não soubesse, fantasiamos uma história que ela crê até então [um tombo, em que ele bateu a cabeça e não resistiu] porque acho forte para ela, assim como me dói ver fotos e vídeos."

A família agora quer Justiça. "Sei que a mãe [do adolescente] está sofrendo, pois soube que ele foi apreendido, mas ela tem o filho vivo. E nós? Um luto que está nos rasgando por dentro, sabendo que ele não voltará, não irei ouvir as risadas dele, até sinto falta das broncas que dava nele."

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Meu aniversário seria este mês. Digo o verbo no passado porque não conseguirei mais comemorar. Inventamos para a minha mãe que ele morreu após bater a cabeça para amenizar a dor dela, pois a nossa nunca vai diminuir.
Giselle Silva

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