'Queremos enterrar nossos entes': cemitério sob risco vira drama em Maceió

Familiares de pessoas sepultadas no cemitério Santo Antônio, no bairro Bebedouro, em Maceió, buscam indenização e uma solução para a falta de cemitérios na cidade.

O que aconteceu

O cemitério foi fechado em 2020 devido ao afundamento do solo causado pela mineração da Braskem. Em área de risco máximo, o local foi reaberto no ano seguinte apenas para visitação. A ausência de seu serviço agravou o colapso funerário na capital alagoan, que sofre com a falta de vagas para sepultamentos em cemitérios.

Prefeitura de Maceió diz que cemitério abre diariamente, mas estava fechado. O UOL visitou o local na tarde de sexta-feira (19), às 15h40, mas ele estava fechado com cadeado e não havia ninguém para dar informações. Segundo a prefeitura, o cemitério abre diariamente, das 8h às 16h.

Cenário de abandono, descreve o auxiliar administrativo Maciel Alexandre. A família dele tem jazigos no Santo Antônio há pelo menos 40 anos. Lá estão enterrados seus avós, pai e sua irmã.

A gente quer que nossos entes sejam enterrados dignamente.

O que eu espero, como todos os moradores aqui da nossa localidade isolada [Flexal, no Bebedouro], é que tenha um cemitério adequado, como tínhamos antes, para enterrar nossos entes queridos. Se falecer alguém, a luta é grande para encontrar local para fazer um funeral
Maciel Alexandre, auxiliar administrativo

Pessoas que possuem jazigos há décadas no Santo Antônio precisam buscar pelas poucas vagas em outros cemitérios na cidade. É o caso do agente penitenciário José Damião de Oliveira, 55. "Meu irmão faleceu e a gente não pode enterrá-lo no cemitério em Bebedouro porque estava tudo fechado. No jazigo que a família tem não podia enterrar", disse. José Damião conseguiu espaço em um jazigo pertencente ao seu cunhado, em outro cemitério.

A gente busca outro cemitério, outro local, ter um jazigo e enterrar nossos parentes. Pegar os ossos, os restos mortais e colocar em outro canto, e ter outro jazigo para enterrar o resto da família. Quero que a prefeitura dê uma solução.
José Damião de Oliveira, agente penitenciário

Professor Balbino: um dos nomes à frente do movimento por um novo cemitério em Maceió
Professor Balbino: um dos nomes à frente do movimento por um novo cemitério em Maceió Imagem: Carlos Madeiro/UOL
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Um dos nomes à frente do movimento por um novo cemitério na cidade é o do professor José Balbino, 60 anos. Ele faz parte da MUVB (Associação do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem) e também tem jazigos no Santo Antônio —um da família do pai, há 64 anos, e outro da sua mãe, há 75.

"Transformar o cemitério em memorial, isso nós conseguimos", afirma. "A remoção de restos mortais fica a critério de cada família, é opcional", acrescenta. O movimento aguarda ainda a construção de um novo cemitério na cidade e indenização.

[Buscamos] o ressarcimento das pessoas que compraram jazigos [no Santo Antônio]. Muitas estão comprando [novos jazigos] porque não vão deixar os cadáveres dos entes queridos em cima da terra.
José Balbino, membro do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem

Cemitério em área de risco e sem enterros: famílias em AL buscam reparação
Cemitério em área de risco e sem enterros: famílias em AL buscam reparação Imagem: Carlos Madeiro/UOL

"Tem pessoas que levaram três dias para ser sepultadas", conta a funcionária pública Cláudia Nascimento, 56. "Isso não existe, é uma falta de dignidade terrível."

Ela relata que sua família possui jazigo há mais de 60 anos no Santo Antônio. Seus bisavós, avós e tios foram enterrados lá. "Uma tia, última irmã da minha mãe, faleceu em maio. Fizemos outro posicionamento em outro cemitério, esse é particular. Já tinha passado o tempo da carência e, graças a Deus, não teve problema nenhum", disse.

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Cemitério parece conservado, conforme observou a reportagem. As ruas estão limpas, a fachada bem pintada e a placa de indicação conservada, embora alguns túmulos sem a devida manutenção, com mato cobrindo até lápides. Do lado de fora, um fato chama atenção: galinhas mortas, vasos de cerâmica quebrados e velas queimadas. Segundo um ex-morador que passava pelo local, há constantes rituais com orações e sacrifícios de animais na porta do cemitério.

Outro lado: procuradas pelo UOL, a Prefeitura de Maceió e a Braskem não responderam sobre o prazo para criação de um novo cemitério em Maceió.

O que diz a Braskem

A Braskem informa que o acordo firmado com o Município de Maceió em julho de 2023, no valor de R$ 1,7 bilhão, prevê a construção de um novo cemitério na capital, entre outras medidas. Também ficou estabelecido que o Cemitério Santo Antônio continuará funcionando como memorial e aberto à visitação. A construção do novo cemitério, um equipamento público, é de responsabilidade da administração municipal, que também responde pela gestão global dos recursos pagos pela Braskem.

O que diz a Prefeitura de Maceió

A Alurb (Autarquia Municipal de Limpeza Urbana) informa que há um plano para remanejamento dos túmulos do cemitério, que está fechado para sepultamentos desde outubro de 2020. O cemitério mantém visitação normal, de domingo a domingo, das 08 às 16h e conta com vigias e coveiros, além dos responsáveis pela manutenção da limpeza.

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O que diz o MPF

O Ministério Público Federal diz acompanhar a situação do Cemitério Santo Antônio junto à Defensoria Pública da União e ao Ministério Público do Estado. Segundo o órgão, por ser um equipamento público municipal, sua situação foi "abrangida pelo acordo do Município com a Braskem no que diz respeito a sua preservação enquanto memorial, inclusive aberto à visitação".

O Município informou às instituições que está adotando providências para ampliação de outro cemitério --o São Luiz-- e que tais providências serão suficientes para equacionar a situação de superlotação dos cemitérios públicos de Maceió. O acordo do município diz respeito apenas aos danos do ente público. A situação dos atingidos --familiares dos sepultados no cemitério de Bebedouro-- pode ser buscada individualmente na Justiça, conforme o entendimento de cada família. Paralelamente, as instituições vêm buscando um acordo coletivo que garanta a estas pessoas uma indenização justa pelos jazigos familiares, mantendo-se seus direitos sobre os restos mortais de seus entes sepultados.
MPF

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