Coronel com 111 armas: lei permite colecionador com esse tipo de arsenal?

A lei permite que colecionadores mantenham armas em casa, sem limite de quantidade, de acordo com especialistas ouvidos pelo UOL. Na segunda-feira (26), a polícia descobriu um arsenal de 111 armas, 3.000 munições e duas granadas no apartamento do coronel reformado do Exército Virgílio Parra Dias, 69, em Campinas (SP).

O que aconteceu

Polícia encontrou arsenal após apartamento pegar fogo. O acidente deixou 44 pessoas feridas. As causas ainda estão sendo investigadas.

Coronel Parra tem registro válido de CAC (Caçador, Atirador e Colecionador). Como ele se enquadrava nas três formas de registro, é permitido ter tantas armas. As responsabilidades do militar, nesse caso, são as mesmas de um civil com posse de arma de fogo.

Condições de armazenamento são investigadas. O militar, porém, precisa apresentar a documentação do armamento e esclarecer como ele era armazenado. O 1° DP de Campinas investiga se essas condições contribuíram para o incêndio, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP).

É preciso checar as condições em que essas armas estavam mantidas, as instalações do lugar, ter uma perícia muito técnica, responsável, para que sirva de estudo de caso. Que sejam feitas, principalmente, fiscalizações mais eficazes. O Exército falhou demais no papel de fiscalizador.
Roberto Uchôa, policial federal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Fiscalização é responsabilidade do Exército. O Exército brasileiro informou que abriu processo administrativo para apurar possíveis irregularidades no armazenamento das armas. Os militares confirmaram que o registro de Parra estava regular.

Lei proíbe ter granadas em casa. Não é permitido ter o artefato nem sendo colecionador, com registro de CAC. Mas granadas inativas ou imitações, que não explodem, são permitidas.

PM explodiu granadas encontradas com coronel. O Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais da Polícia Militar) não explicou se elas estavam ativas. Os policiais levaram os artefatos para uma área segura e os explodiram por cautela. Especialistas dizem acreditar que se tratava de granadas inativas.

As granadas que são utilizadas para segurança pública não são como as de guerra. São de funcionalidade específica, de gás, luz e som. Elas não causam efeito explosivo danoso, são simplesmente para se degenerar. Deve-se aguardar para saber o que efetivamente estava à disposição. A de combate teria explodido, e os efeitos seriam bem maiores
Murilo Ribeiro, especialista em execução penal e política criminal, da PUC-MG

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O simulacro de granada me pareceu ser um modelo histórico, mas tudo indica que estava inativa. Se fosse efetiva, o incêndio seria um desastre bem maior
Alisson de Assis, advogado e CAC

Governo Bolsonaro afrouxou regras

O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro foi marcado por uma política armamentista, que facilitou o acesso a armas. Colecionadores podiam comprar quantas armas quisessem, desde que fossem no máximo cinco de mesmo modelo e calibre. Caçadores ou atiradores podiam ter até 64 armas, explica Tony Santana, advogado especialista em legislação armamentista.

Como colecionador, não havia limite de número de armas, desde que respeitada a condição dos modelos. Até fuzil poderia.
Tony Santana, advogado especialista em legislação armamentista

CACs se tornaram o maior segmento armado do país, graças a medidas pró-armas baixadas no governo Bolsonaro. Em 2019, eles eram 197 mil. Em julho de 2023, 803 mil. Para efeito comparativo, estima-se em cerca de 406 mil o número de policiais militares ativos de todos os estados e em 365 mil o efetivo das Forças Armadas.

Regras foram endurecidas por Lula

As regras mudaram no governo Lula, ficando mais restritas. Colecionadores agora podem ter até uma arma de cada modelo para coleção, de acordo com o decreto 11.615.

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Temos níveis de quantidade maiores e menores. Um atirador esportivo pode ter uma gama maior, um caçador é mais restrito. O colecionador pode ter armas com valor histórico, então as quantidades são superiores.
Murilo Ribeiro, especialista em execução penal e política criminal, da PUC-MG

Quem comprou armas no governo Bolsonaro está sujeito às regra da época. Ou seja, quem já tinha as armas antes do novo decreto de Lula não precisa se desfazer delas. A investigação vai revelar se era esse o caso do coronel Parra.

Ao que me parece, ele vem juntando esse acervo há anos. Como colecionador, ele não tem limite para aquisição de armas e insumos. São consideradas apenas armas de coleção. Mas é preciso deixar claro que ele não pode atirar com elas.
Alisson Assis, advogado e CAC

'É raro esses materiais explodirem sozinhos'

Especialistas destacam a importância de o Exército fiscalizar com rigor os arsenais dos CACs. No ano que vem, a responsabilidade será transferida para a Polícia Federal.

Existem requisitos a serem cumpridos quando esses equipamentos são autorizados. O Exército tem o poder de fiscalizar a residência, no endereço do acervo, para saber como eles são armazenados. Esses materiais não explodem sozinhos, isso é raro. Eles dependem de um tipo de ativação, e isso tem que ser analisado.
Murilo Ribeiro, especialista em execução penal e política criminal, da PUC-MG

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Fiscalização é a chave. Se o Estado permite, ele tem que se responsabilizar pelo acompanhamento. Não é só uma questão de CAC, é uma questão da sociedade. Uma explosão dessa coloca todo mundo em risco. E acredito que se deve limitar a possibilidade de alguém ter um arsenal. Não podemos voltar a ter CAC com 60 armas de fogo.
Roberto Uchôa, policial federal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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