Marielle: milícia, Ferreirinha e outros pontos ligam família Brazão a crime

As suspeitas de vínculo com a milícia e com uma falsa testemunha que atrapalhou a investigação são alguns dos pontos que ligam a família Brazão ao assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Chiquinho Brazão (União-RJ), deputado federal, teria sido citado delação premiada do ex-PM Ronnie Lessa, apontado como autor dos crimes, que foi homologada nesta terça-feira (19).

O que aconteceu

Homologação da delação de Lessa levou caso para Supremo Tribunal Federal. Como o conteúdo da delação não foi divulgado, a suspeita é que o ex-PM tenha citado como mandantes do crime autoridades com foro privilegiado, como deputados federais —o que justificaria a movimentação.

Os irmãos Brazão têm carreira na política. Vereador no Rio de Janeiro por 12 anos, Chiquinho era colega de Parlamento de Marielle na época do crime. Em 2018, foi eleito para a Câmara pela primeira vez.

Deputado estadual e conselheiro do TCE. O irmão mais velho de Chiquinho, 62, é o deputado estadual fluminense Pedro Brazão (União Brasil), de 63 anos. O irmão mais novo é Domingos Brazão, de 59 anos, ex-deputado estadual e atual conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado) do Rio de Janeiro.

Em 2019, a PGR apontou Domingos Brazão como "o principal suspeito de ser o autor intelectual dos crimes contra Marielle e Anderson". Segundo a Folha, a Procuradoria-Geral da República investigava os métodos usados pela Polícia Civil do Rio para solucionar o caso, por suspeita de irregularidades.

Marielle e Chiquinho Brazão eram vereadores no Rio de Janeiro na época do crime
Marielle e Chiquinho Brazão eram vereadores no Rio de Janeiro na época do crime Imagem: Foto: Renan Olaz/CMRJ


Apesar de mencionar Domingos, PGR não pediu seu indiciamento. À época, o entendimento foi de que a medida cabia à Polícia Civil do Rio, que tocava as investigações. A partir do ano passado, a Polícia Federal passou a colaborar com os trabalhos, que também têm auxílio do Ministério Público do Rio.
"Não conhecia e não me lembro de Marielle", afirmou Domingos em nota. No texto divulgado por ocasião da delação de Lessa, o conselheiro do TCE disse que não mantinha uma relação pessoal com a vereadora morta e que ouviu "falar muito dela quando aconteceu essa trágica ocorrência", em referência ao assassinato.
Domingos disse desconhecer Lessa e Élcio de Queiroz. Os dois são apontados como passageiro e motorista do carro de onde partiram os tiros que mataram Marielle e Anderson.

Chiquinho disse ter convívio "amistoso e cordial" com Marielle durante a passagem dos dois pela Câmara Municipal do Rio. O hoje deputado federal afirmou ainda que "coloca-se à disposição das autoridades para todo e qualquer esclarecimento" e que "aguarda o esclarecimento dos fatos".

Caso Ferreirinha gerou denúncia por obstrução de justiça

Investigações mostraram indícios de que uma falsa testemunha recebeu pagamentos de assessor de Domingos no TCE. O inquérito da Polícia Federal encontrou indícios de que o funcionário fez pagamentos ao PM Rodrigo Ferreira para que ele apontasse o miliciano Orlando Curicica e Marcello Siciliano como mandantes.

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Siciliano é rival político da família Brazão. Ele disputa votos com o clã na região de Jacarepaguá e, em 2016, havia sido eleito vereador --assim como Chiquinho. À época dos crimes, chegou a circular a hipótese, nunca provada, de que Marielle teria sido morta para que Siciliano fosse incriminado.
O caso Ferreirinha fez com que Domingos fosse denunciado pela PGR por obstrução de Justiça. O caso envolveu ainda a participação de um delegado federal (responsável por levar o ex-PM à Polícia Civil). Ele era amigo do funcionário do gabinete do conselheiro que fez pagamentos à falsa testemunha.

Domingos teve, pelo menos, mais uma situação de estranhamento com o grupo político de Marielle. O PSOL foi o único partido a votar contra sua indicação ao TCE, em 2015. Dois anos depois, ele foi preso por recebimento de propina de empresários na operação "O Quinto do Ouro", da Polícia Federal.

Família é suspeita de ligação com milícia

A suposta conexão da família Brazão com a milícia se tornou pública em 2008. Naquele ano, em depoimento à CPI (comissão parlamentar de inquérito) sobre o tema na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), o vereador Nadinho disse que Domingos Brazão teria feito campanha com apoio de milicianos em Rio das Pedras.

O relatório da CPI também cita Chiquinho Brazão. Juntamente com Domingos, ele é apontado como um dos atores políticos ligados a um grupo que atuava nos bairros de Campinho e Oswaldo Cruz. Outro integrante da milícia seria Marcos Falcon, presidente da Portela morto em 2016 , quando era candidato a vereador.
Investigação da Polícia Civil mostrou conexão entre milícia e Pedro Brazão. Escutas autorizadas pela Justiça em 2018 mostraram que milicianos que pagavam propina relativa a negócios que mantinham na Muzema e em Rio das Pedras negociavam o valor dos pagamentos por meio de um assessor de Pedro na Alerj.

Integrantes da milícia que atuava na Muzema e em Rio das Pedras faziam parte do Escritório do Crime. O grupo de matadores tinha Lessa entre seus membros e é acusado de arquitetar a morte de Marielle.

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Procurado à época da denúncia, Pedro não retornou à reportagem. Os contatos foram retomados nesta quarta-feira, sem sucesso.

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