Igreja afasta fiéis e divulga seus pecados nas redes: 'Fofoca, embriaguez'

Uma igreja evangélica no Rio de Janeiro afastou líderes de seus cargos e expôs em suas redes sociais os motivos, que seriam "pecados" relacionados a embriaguez, omissão, fofoca, autoritarismo e manipulação.

Entenda o caso

A Igreja One, que fica zona oeste do Rio de Janeiro, fez uma publicação na última segunda-feira (3) para avisar que membros da congregação seriam afastados. One reúne mais de 25 mil seguidores em suas redes sociais e é focada em um público mais jovem.

O texto publicado diz que foram identificadas "falhas em várias áreas que causaram dor e decepção". Em seguida, são listados os nomes dos fiéis afastados e o que cada um fez. Quatro presbíteros foram afastados da instituição.

Em outro momento, a nota cita uma mulher por comportamento inadequado: "Ficou decidido que (nome preservado) deve ser afastada, pois suas ações de manipulação, fofoca e autoritarismo não apenas estavam erradas, mas também são pecados que contrariam os princípios que defendemos. Ela reconheceu seus erros, se arrependeu e também fará o caminho de restauração".

Exposição pode ser prejudicial para igreja e membros

Rômulo Soares, um dos citados no post, disse ao UOL que não pretende processar a igreja e que "concordou com a publicação":

Congregamos todos lá, somos todos membros da igreja e fomos afastados apenas dos ministérios. A exposição não é algo ruim, a meu ver. O arrependimento genuíno é acompanhado de exposição, disse Soares.

A reportagem fez contato com outros citados no post, mas até a conclusão da reportagem, não obteve retorno.

O UOL também procurou os presbíteros da Igreja One, Alessandro Vilas Boas, Gabriel Cantarino e David Cardoso para comentarem sobre a decisão de expor os membros, mas não teve resposta até o fechamento da matéria. O espaço segue aberto para manifestação.

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Israel Belo de Azevedo, pastor, historiador e doutor em filosofia, afirma que não conhece a igreja One e nem seus ensinos, mas explica como funciona a questão dos afastamentos e acredita que a exposição pode ser prejudicial tanto para quem é exposto quanto para a própria instituição.

O ideal é que a disciplina jamais seja pública. Quando o problema é tornado público, as chances de retorno das pessoas "disciplinadas" são mínimas. O recomendado é que o pastor (na igreja congregacional) ou o presbitério (nas igrejas presbiterianas) chame a pessoa e a oriente, sem expor seu caso ou seu nome, tanto pelo objetivo da disciplina, que é a restauração, tanto pela obediência aos preceitos legais, afirma Israel Belo, autor do livro "Bíblia Prazer da Palavra", a primeira versão da Bíblia pensada e preparada por um brasileiro.

O que é disciplina?

O pastor explica que no meio evangélico, recebe o nome de "disciplina" o termo que designa a responsabilidade das igrejas com relação aos seus membros. Numa perspectiva histórica, as igrejas evangélicas aceitam pessoas no seu "rol de membros", podendo desligá-las quando a comunidade reunida em assembleia ou por um grupo de líderes, assim decida, sempre com direito a defesa.

Nas igrejas de formato congregacional, o erro é levado à congregação, que nomeia uma comissão para ouvir o membro. Essa comissão traz seu relatório. Quando a comissão nota que houve arrependimento, com desejo de correção de rumo, por parte do acusado, ela recomenda que seja mantido no rol de membros. Se não houver disposição de mudança ou reparação do erro, ela recomenda o desligamento do rol, desligamento esse nunca definitivo. Em qualquer momento, a pessoa pode solicitar sua "reconciliação".

Além do afastamento, Israel fala sobre a exposição dos nomes. "No contexto da LGPD, as igrejas, inclusive, estão solicitando aos participantes nos cultos que autorizem a veiculação de suas imagens, que são captadas e transmitidas. Todas as igrejas que transmitem seus cultos devem ter esse cuidado. Qualquer exposição de nomes ou imagens de pessoas "disciplinadas" pode ser prejudicial. As consequências no plano moral e jurídico podem ser imprevisíveis", alerta Israrel, pastor da Igreja Batista Itacuruçá.

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Post pode se tornar crime de injúria

Nas redes sociais da One, enquanto uns defendiam a atitude da instituição dizendo que havia respaldo bíblico para a exposição, outros incentivaram que os citados entrassem com ação judicial contra a congregação.

Para o advogado criminalista e professor de Direito Penal Carlos Fernando Maggiolo, são poucos os elementos através da publicação da Igreja, mesmo assim, já é possível apontar crimes como difamação, injúria e constrangimento ilegal.

Ao utilizar os termos "manipulação, fofoca e autoritarismo", os subscritores empreenderam qualidades que difamam a imagem dos indivíduos "punidos" pelos sacerdotes. Se porventura eles se sentirem ofendidos com tais qualificações, está caracterizado o crime de injúria. O fato de darem publicidade ao ocorrido através da nota, e ter chegado ao conhecimento de terceiros, caracteriza o delito de difamação, Carlos Fernando Maggiolo

O professor também explica que o afastamento dos membros de suas funções pode retratar o crime de constrangimento ilegal, reduzindo a capacidade de resistência dos envolvidos a permanecerem praticando suas funções religiosas.

As infrações penais de injúria e difamação são crimes de ação penal privada. Se os implicados já tiverem disponíveis prova de autoria e materialidade, podem ingressar diretamente com queixa-crime perante a Justiça. Entretanto, o crime de constrangimento ilegal - é delito de ação penal pública incondicionada. Para tanto, as vítimas devem registrar ocorrência junto à delegacia de polícia, onde será lavrado um termo circunstancial e remetido ao Juizado Especial Criminal. Independentemente dessas ações na esfera criminal, as vítimas podem ingressar com ação civil visando a reparação do dano à imagem e ao bom nome construído ao longo de suas vidas.

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