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'A Justiça chega': Leia a íntegra do anúncio da condenação de Lessa e Élcio

A juíza Lúcia Mothé Glioche leu nesta quinta-feira (31) a sentença que condenou os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz a 78 e 59 anos de prisão, respectivamente, pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista dela, Anderson Gomes. Os dois foram mortos a tiros em 14 de março de 2018.

Decisão foi lida pela juíza após dois dias de júri. Às 17h, os sete jurados — homens, "de pele clara" e de "meia-idade", segundo o MP — foram para a sala secreta. Pouco menos de uma hora depois, a sentença foi lida pela titular do 4º Tribunal do Júri da Justiça do RJ.

Leia abaixo a íntegra da leitura da condenação de Lessa e Élcio pela magistrada:

"O júri é uma democracia. Democracia esta que Marielle Franco defendia.

Aqui prevalece a vontade do povo em maioria. Aqueles que atuam como os jurados nada recebem; prestam um serviço voluntário, gratuito, representando a vontade do povo no ato de julgar o semelhante, que é acusado de ter praticado um crime tão grave que é querer tirar a vida da outra pessoa.

Portanto, senhores jurados, obrigada em nome do Poder Judiciário. Obrigada em nome da população da cidade do Rio de Janeiro.
A sentença que será lida, agora, talvez não traga aquilo que se espera da Justiça. Talvez, a Justiça que tanto se falou aqui, fosse que o dia de hoje jamais tivesse ocorrido. Talvez, a Justiça fosse Marielle e Anderson presentes.

Como se a Justiça tivesse o condão de trazer o morto de volta.

Então, dizemos que vítimas do crime de homicídio são aqueles que ficam vivos, precisando sobreviver no esgoto que é o vazio de permanecer vivo sem a vida daquele que foi arrancado do seu cotidiano.

A sentença não serve para tranquilizar as vítimas, que são Marinete, mãe de Marielle; Anielle, irmã de Marielle; Mônica, esposa de Marielle; Luyara, filha de Marielle; Ágatha, esposa de Anderson; e Arthur, filho de Anderson.

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Homicídio é um crime traumatizante -- finca no peito uma dor que sangra todo dia, uns dias mais, uns dias menos, mas todos os dias.
A pessoa que é assassinada deixa uma falta, uma carência, um vácuo. Que palavra nenhuma descreve. Toda a minha solidariedade, do Poder Judiciário, às vítimas.

A sentença que será dada agora talvez também não responda à pergunta que ecoou pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, do Brasil e do mundo: Quem matou Marielle e Anderson?

Talvez ela não responda aos questionamentos dos 46.502 eleitores cariocas que fizeram de Marielle Franco a 5ª vereadora mais votada na cidade do Rio de Janeiro nas eleições municipais de 2016 — e que tiveram seu direito de representação ceifado no dia 14 de março de 2018.

Todavia, a sentença que será lida agora se dirige aos acusados aqui presentes. E mais: ela se dirige aos vários Ronnies e vários Élcios que existem na cidade do Rio de Janeiro — livres por aí.

Eu digo sempre que nesses 31 anos que eu sirvo do sistema de Justiça, nenhum de nós do povo nunca saberá o que se passou no dia de um crime. Quem não estava na cena do crime, não participou dele, nunca sabe o que aconteceu.

Mesmo assim, o Poder Judiciário e, hoje, os jurados precisam julgar o crime com as provas que o processo apresenta, e trazer às provas para o processo, para os jurados, é árduo.

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Porém, com todas as dificuldades e todas as mazelas de investigar um crime, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou os acusados. Eles foram processados e tiveram garantido o seu direito de defesa — e foram julgados.

Por anos exercendo a plenitude do direito constitucional de autodefesa, os acusados juraram inocência, pondo a todo o tempo em dúvida a prova trazida contra eles. Até que um dia, no ano passado, 2023, por motivos que, de verdade, a gente jamais vai saber, o acusado Élcio fez a colaboração premiada. Depois, o acusado Ronnie a fez também.

Os acusados confessaram a execução e a participação no assassinato da vereadora Marielle Franco.

Por isso, fica aqui para os acusados presentes, e serve para os vários Ronnies e vários Élcios que existem por aí, soltos, a seguinte mensagem: A Justiça, por vezes, é lenta, é cega, é burra, é injusta, é errada, é torta, mas ela chega.

A Justiça chega mesmo para aqueles que, como os acusados, acham que jamais vão ser atingidos pela Justiça. Com toda dificuldade de ser interpretada e vivida pelas vítimas, a Justiça chega aos culpados e tira deles o bem mais importante depois da vida, que é a liberdade.

A Justiça chegou para os senhores Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz. Os senhores foram condenados pelos jurados do 4º Tribunal do Júri da Capital:

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A 78 anos e 9 meses de reclusão e 30 dias-multa para o acusado Ronnie;

A 59 anos de prisão e 8 meses de reclusão e 10 dias-multa para o acusado Élcio.

Saem os dois condenados a pagar até os 24 anos do filho de Anderson Gomes, Arthur, uma pensão.

Ficam os dois condenados a pagar, juntos, R$ 706 mil de indenização por dano moral para cada uma das vítimas — Arthur, Ághata, Luyara, Mônica e Marinete.

Condeno os acusados a pagarem as custas do processo e mantenho a prisão preventiva [por tempo indeterminado] deles, negando o direito de recorrer em liberdade.

Agradeço as partes, a Defensoria Pública, às defesas dos dois acusados. Agradeço aos serventuários da Justiça, aos policiais militares. Renovo o agradecimento aos jurados.

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Encerro a sessão de julgamento e quebro a incomunicabilidade.

Tenham todos uma boa noite."

Como foram os dias de júri

Na quarta-feira (30) foram 13 horas entre sorteio dos jurados, depoimento de nove testemunhas, e dos réus confessos.

Enquanto Lessa admitiu os crimes e pediu desculpas aos familiares, Queiroz disse que só soube que Marielle seria assassinada no momento que já levava o atirador.

A audiência do segundo dia teve sustentação oral dos promotores e da assistência de acusação entre 9h26 e 12h08. Já no início da tarde, os advogados de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz sustentaram oralmente as defesas dos ex-policiais militares, das 12h33 às 13h22.

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Últimas cartadas da defesa

Saulo Carvalho, advogado de Lessa, reconheceu a importância pessoal e política de Marielle, além de verbalizar pesar pela morte de Anderson. Depois, afirmou que, se não fosse pela confissão do cliente, o crime nunca seria esclarecido e as autoridades jamais chegariam até os mandantes.

"O Ronnie confessa todos os crimes. Mas, por essa confissão, entendo até como um pedido que faço aos senhores: eu peço a condenação de Ronnie Lessa. Mas que ele seja condenado de uma forma justa", disse o advogado.

A advogada de Queiroz, Ana Paula Cordeiro, seguiu a mesma linha, dizendo que seu cliente assumiu o crime, mas que desejava que os jurados aplicassem uma pena justa. "Somente no caminho, da Barra da Tijuca até o centro da cidade, que foi informado pra ele [Queiroz] quem era Marielle. Ele [Queiroz] nunca tinha ouvido falar da Marielle. Ele [Queiroz] não planejou o crime", disse.

Motivação e mandantes

Em delação premiada à Polícia Federal, Lessa afirmou que foi contratado por Domingos Brazão, conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado), e por Chiquinho Brazão (sem partido), deputado federal, para assassinar a vereadora. Os irmãos Brazão negam envolvimento no crime.

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O delator também disse que o delegado Rivaldo Barbosa, que assumiu a chefia da Polícia Civil um dia antes do crime, recebeu propina para proteger os atiradores e os mandantes dos assassinatos. O delegado também nega qualquer participação no crime.

Lessa afirmou à Polícia Federal que a motivação teve como principal motivação grilagem de terras na zona oeste da capital fluminense. No júri, o atirador afirmou que a ação ocorreria no bairro Tanque.

Segundo ele, Marielle se opôs numa discussão na Câmara dos Vereadores sobre um texto que previa flexibilizar exigências legais, urbanísticas e ambientais para a regularização de imóveis.

Irmã diz que 'a luta continua'

Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial e irmã de Marielle, disse à imprensa que "a luta continua". "A gente não para aqui. Ainda tem muita coisa pela frente. Não é só pela Marielle e pelo Anderson, é pelo projeto que a gente acredita. Para que todos nós saibamos que sair de casa para trabalhar e voltar é direito".

A viúva de Anderson, Ágatha Arnaus, afirmou que não perdoará Lessa, após o assassino confesso pedir desculpas pelas mortes. "Alguém que claramente não tem qualquer arrependimento. [...] Quem tem que perdoar é Deus, ou qualquer coisa que ele acredite e possa fazer isso para ele. Eu não perdoo, nunca. Eu tenho paz na minha vida, mas não preciso perdoar".

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A diferença de quase 20 anos entre as condenações chamou a atenção do MP-RJ, que ainda avaliará se irá recorrer. "Não tivemos acesso à sentença, vamos olhar com calma", disse o promotor Eduardo Martins. "Me pareceu uma discrepância grande, mas não vi ainda os fundamentos que a juíza invocou. Vamos analisar com calma", explicou.

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