Dividido e ampliado, bolsonarismo se espalha por 19 partidos nas eleições
Em seu primeiro teste eleitoral desde que venceu a disputa para presidente da República, o bolsonarismo chega às eleições municipais de 2020 diluído como nunca no vasto espectro político nacional. Um levantamento do UOL em todos os estados do país aponta que 19 partidos diferentes apresentam candidatos a prefeito identificados como bolsonaristas ou impulsionados por aliados próximos do presidente Jair Bolsonaro.
A lista é formada por Avante, Cidadania, DEM, DC, MDB, Novo, Patriota, PL, Podemos, PP, PROS, PRTB, PSC, PSD, PSDB, PSL, PTB, Republicanos e Solidariedade. O Brasil tem 33 partidos registrados, ou seja, 58% terão pelo menos alguma candidatura alinhada ao governo federal.
"O bolsonarismo não é um fenômeno partidário, por isso tem gente identificada em vários lugares. É um fenômeno político com enraizamento social mais profundo em termos de valores e crenças, ligado a uma parcela forte da sociedade", afirma o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getulio Vargas (FGV). "Mas se identificar também é uma maneira de se beneficiar da alta recente na popularidade de Bolsonaro, para obter voto. Isso aconteceria qualquer que fosse o presidente."
A dispersão reflete dois movimentos distintos na base de apoio do presidente Bolsonaro: um de divisão, após brigas políticas entre bolsonaristas a nível local ou regional; outro de ampliação, a partir da aliança firmada pelo governo com líderes do centrão —o grupo de partidos que inclui PP, PSD, PL, PTB, PROS, Avante e Solidariedade e tradicionalmente troca apoio por verbas e indicação de cargos na máquina federal.
Após o divórcio do PSL, em novembro de 2019, o projeto bolsonarista era criar sua sonhada legenda própria, o Aliança pelo Brasil. Longe de obter as necessárias 492 mil assinaturas de eleitores em nove estados para formalizar o novo partido na Justiça Eleitoral (até agora só alcançou 6% disso), o presidente indicou aos apoiadores que buscassem abrigo em outras legendas para as eleições de 2020.
"Bolsonaro não faz questão de coordenar o bolsonarismo, que é parte de uma onda conservadora maior. Não coordena alianças locais como o PT fazia. Sua única prioridade é se manter no governo. Aí as pessoas surfam na onda, dizem que são amigas dele", explica o cientista político Humberto Dantas, do Centro de Liderança Pública (CLP).
O principal destino, ou "barriga de aluguel" como chamam até políticos bolsonaristas, é o Republicanos (ex-PRB). O partido criado em 2005 para servir de plataforma política à Igreja Universal do Reino de Deus recebeu em março as filiações de dois filhos do presidente, o senador Flávio e o vereador Carlos, além da mãe deles, Rogéria Bolsonaro. Desde então, o número de filiados saltou de 424 mil para 478 mil.
Quase dez anos depois de se abrir para não integrantes da Universal, o Republicanos colou sua imagem na de Bolsonaro, começando pelas duas maiores cidades do país.
Em São Paulo, onde o cisma no PSL resultou no boicote à candidatura da deputada federal Joice Hasselmann, ainda rompida com a família Bolsonaro, o escolhido foi o deputado federal Celso Russomanno. Amigo do presidente, com quem troca mensagens de WhatsApp, o apresentador da TV Record já recebeu duas manifestações públicas de apoio. Bolsonaro publicou em suas redes sociais um vídeo em que Russomanno defende o governo no caso do aumento do arroz, elogiando o deputado pelo que chamou de "aula de humildade e conhecimento".
Posteriormente, o presidente declarou em live que pode abandonar sua posição oficial de não apoiar candidatos no primeiro turno das eleições em ao menos três cidades: São Paulo, Santos e Manaus.
"Se chegar um ponto tal e eu achar que posso influenciar nas eleições nestas três cidades, eu vou manifestar porque acho que este candidato nosso, em chegando, tem tudo para fazer um bom mandato para o bem de São Paulo, de Santos ou de Manaus", disse.
Bolsonaro não citou o Rio de Janeiro, onde o prefeito e candidato à reeleição Marcelo Crivella (Republicanos) participou de inaugurações e divulgou vídeos ao lado do presidente, que mantém apoio velado.
Para Humberto Dantas, não há interesse de Bolsonaro em se associar diretamente à candidatura de Crivella para não se indispor mais com Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados. Maia trabalha pela eleição do ex-prefeito Eduardo Paes (DEM), líder nas pesquisas.
"As estratégias eleitorais nas megacidades como Rio e São Paulo passam por Brasília. A prioridade de Bolsonaro é não enfrentar Maia e comprometer sua já frágil governabilidade."
Mas Crivella conta com a participação de Flávio e Carlos Bolsonaro na campanha, ameaçada por decisão do TRE-RJ que declarou o prefeito inelegível —ainda cabe recurso. Caso ele não possa concorrer, uma opção é o ex-nadador e deputado federal Luiz Lima (PSL), que vem recebendo apoio de parlamentares bolsonaristas no Congresso.
A aproximação da família presidencial levou o Republicanos a também conquistar o apoio bolsonarista nas eleições em cidades do interior do Rio. Em Nova Iguaçu, por exemplo, o nome escolhido é o da deputada federal Rosângela Mendonça, da Igreja Universal. Mas em São Gonçalo, maior colégio eleitoral do interior fluminense, o acordo para receber nomes que pretendiam se filiar ao Aliança pelo Brasil foi com o PSD, que lançou para prefeito o ex-deputado federal Roberto Sales.
Em Manaus, uma das três cidades citadas por Bolsonaro, o Republicanos tem como candidato o deputado federal Capitão Alberto Neto. Depois de divulgar vídeos com o presidente, ele aposta na vinculação ao bolsonarismo para crescer nas pesquisas, embora o presidente tenha manifestado mais simpatia pelo coronel reformado do Exército Alfredo Menezes (Patriota).
Outros candidatos pelo Republicanos aliados do bolsonarismo são os deputados federais Lafayette Andrada (Belo Horizonte) e Vavá Martins (Belém). Também alinhados são o delegado e deputado estadual Lorenzo Pazolini (Vitória) --que integrou a comitiva organizada pela ministra Damares Alves para tentar impedir o aborto legal de uma menina de 10 anos na cidade São Mateus (ES)-- e o empresário Gil Barison (Palmas), fiel seguidor de Bolsonaro que se acertou com o Republicanos depois de ser cortejado pelo PSL do Tocantins.
Em Belo Horizonte, o deputado estadual Bruno Engler, "bolsonarista raiz" e um dos fundadores do movimento Direita Minas, sai candidato pelo PRTB do vice-presidente Hamilton Mourão com apoio da família Bolsonaro. Mas disputa o potencial eleitorado bolsonarista da cidade —onde o presidente teve 65% dos votos em 2018— com Andrada e Rodrigo Paiva (Novo), nome do governador Romeu Zema. Por enquanto, nenhum decolou ao ponto de ameaçar o favoritismo do prefeito centrista Alexandre Kalil (PSD).
Rachas dividem, mas alianças ampliam apoio a Bolsonaro
Em várias cidades, brigas e articulações políticas transformaram bolsonaristas em adversários nestas eleições. Em Aracaju, o campo se dividiu em quatro nomes: Danielle Garcia (Cidadania), delegada que integrou a equipe do ex-ministro Sergio Moro; Georlize Teles (DEM), também delegada apoiada pelo empresário bolsonarista João Tarantella; Rodrigo Valadares (PTB), deputado estadual que chegou a liderar o PSL sergipano; e o publicitário Lúcio Flávio (Avante). Todos, antes de disputar os votos, disputam o posto de representante de Bolsonaro na capital sergipana.
Casos assim costumam resultar em um problema matemático. "Há uma divisão de votos e todos morrem abraçados", diz o cientista político Cláudio Couto.
Racha parecido ocorreu no Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre, onde a esquerda lidera as pesquisas com Manuela D'Ávila (PCdoB), políticos que andavam unidos no PSL sob a bandeira do bolsonarismo agora vão pedir votos para candidatos de outros partidos.
Os mais competitivos são o ex-vice-prefeito Sebastião Melo (MDB), apoiado pelo deputado federal bolsonarista Bibo Nunes (PSL), e o ex-prefeito José Fortunati (PTB), cuja coligação abriu as portas para a empresária Carmen Flores (PSC). Candidata de Bolsonaro ao Senado em 2018, ela deixou o PSL após Bibo Nunes denunciar repasses irregulares em sua campanha, mas continua uma apoiadora fiel do presidente.
Se por um lado o leque maior de partidos com aliados do presidente Bolsonaro resulta de brigas políticas entre os próprios bolsonaristas, por outro também demonstra a adesão das legendas do centrão ao Palácio do Planalto.
Isso é mais evidente no Nordeste, região onde o bolsonarismo mais costurou novas alianças. No Maranhão, seu representante na disputa pela Prefeitura de São Luís é o deputado federal Eduardo Braide (Podemos), que desafia a concertação do governador Flávio Dino (PCdoB), um dos maiores adversários de Bolsonaro na esquerda.
Já em Fortaleza, no Ceará, o candidato bolsonarista é o deputado federal Capitão Wagner (PROS), ex-PM que ascendeu politicamente após liderar um motim da Polícia Militar no fim de 2011 e início de 2012. Ele tenta tirar a capital cearense da esfera de influência de outro grande crítico de Bolsonaro, o ex-candidato a presidente Ciro Gomes (PDT).
O PP, outra sigla do centrão, chega com apoio do governo Bolsonaro para as eleições nas capitais de Alagoas e da Paraíba. Em Maceió, o candidato é o deputado estadual Davi Davino, afilhado político do deputado federal Arthur Lira, um dos responsáveis pelo alinhamento do partido ao núcleo do bolsonarismo. Em João Pessoa, encabeça a chapa do PP à prefeitura o ex-prefeito Cícero Lucena, que já admitiu ser eleitor de Bolsonaro.
O presidente nacional do partido, senador piauiense Ciro Nogueira, tem sintonia cada vez maior com o presidente, ao ponto de ter ganhado o apelido de "Zero Cinco" em referência ao modo como Bolsonaro chama os filhos. No Piauí, Nogueira indicou o vice da candidatura de Kleber Montezuma (PSDB), deixando o bolsonarismo perto do ninho tucano em Teresina, onde o candidato natural do governo federal seria o Major Diego Melo (Patriota).
Não é o único caso de apoio bolsonarista a um nome do PSDB nas eleições 2020. Em Roraima, o governador Antonio Denarium, aliado de Bolsonaro eleito pelo PSL, apadrinhou a candidatura da deputada federal tucana Shéridan Oliveira à Prefeitura de Boa Vista. A articulação sugere que a oposição a Bolsonaro feita pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), um provável rival na próxima disputa presidencial, ainda não influencia as alianças eleitorais pelo Brasil.
Segundo a imprensa local, o acordo prevê o apoio do grupo de Shéridan à reeleição de Denarium em 2022. Atualmente sem partido, o governador de Roraima aguarda a criação do Aliança pelo Brasil.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.