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Projeto de Bolsonaro não se consolida em base municipal, diz Haddad

Emanuel Colombari, Ana Carla Bermúdez e Henrique Sales Barros

Do UOL, em São Paulo

16/11/2020 12h47Atualizada em 23/11/2020 15h12

Para Fernando Haddad (PT), ex-prefeito de São Paulo e candidato à Presidência da República em 2018, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) não conseguiu influenciar os resultados das eleições municipais de 2020. A avaliação foi feita hoje em entrevista ao UOL.

"Preliminarmente", segundo Haddad, "o Governo Federal e o PSL [partido pelo qual Bolsonaro se elegeu em 2018] não conseguiram consolidar uma base municipalista do projeto que o Bolsonaro representa".

O petista usou dois exemplos para defender sua tese: a ausência de Celso Russomanno (Republicanos) no segundo turno da eleição paulistana, mesmo apoiado pelo presidente da República, e a rejeição de Marcelo Crivella (Republicanos) no Rio de Janeiro, onde tenta a reeleição.

"O fato de o Russomanno não ter ido para o segundo turno e de o Crivella ter uma taxa de reprovação elevadíssima no Rio de Janeiro (...) acho que é uma indicação de que não se enraizou do ponto de vista institucional o papel decisivo do Governo Federal nas eleições", analisou.

Para o ex-prefeito, apesar de Bolsonaro ter se apresentado como algo novo, o presidente "está se demonstrando ser a coisa mais velha do mundo, que é aquela família que se locupleta da política". "Não há nada mais tradicional, mais velho, com prazo de validade vencida, do que a família Bolsonaro", afirmou.

Rio: Freixo teria ido ao 2º turno

Ao falar sobre o cenário eleitoral no Rio, Haddad lamentou a ausência de Marcelo Freixo (PSOL) na disputa pela prefeitura e disse que o PT sempre dispôs a apoiá-lo como candidato, ao contrário de PDT e PSB, que lançaram candidaturas próprias.

Com isso, afirmou Haddad, "deu Crivella e [o ex-prefeito Eduardo] Paes, mas podíamos ter Freixo no 2º turno" —o que, segundo ele, traria outra opção para o eleitor carioca, principalmente para quem se identifica com o espectro progressista.

Em SP, votos do PT migraram para Boulos

O ex-prefeito de São Paulo também avaliou que, na capital paulista, os votos que iriam para o PT, que lançou como candidato Jilmar Tatto, acabaram migrando para Guilherme Boulos (PSOL). Com cerca de 20% dos votos, o psolista irá para o segundo turno contra o atual prefeito Bruno Covas (PSDB), que obteve 33%. Tatto, por outro lado, alcançou cerca de 8%.

"Fiz campanha em São Paulo e posso dizer isso: houve uma migração muito forte de votos petistas para o Boulos, desde o começo da eleição", disse Haddad, que avaliou esse movimento como algo normal dentro das candidaturas de esquerda.

"O eleitor progressista de São Paulo fez uma conta. Ele não se sente representado pelo Russomanno, pelo Covas, pelo Márcio França", declarou Haddad, afirmando que o eleitor "foi tomando uma decisão de alinhamento" para poder viabilizar um voto no segundo turno.

O ex-prefeito disse ainda ser "prova concreta" desse tipo de movimentação —em 2018, houve forte discussão em torno de um possível "voto útil" da esquerda contra Jair Bolsonaro.

Juventude e caráter

Ao analisar a influência do voto jovem na chegada de Boulos ao segundo turno, Haddad disse acreditar que o conceito de jovem pode estar muito mais ligado ao espírito do que à idade de uma pessoa. Como exemplos, ele citou o democrata Bernie Sanders, que disputou as primárias do partido para as eleições dos Estados Unidos, e o ex-presidente uruguaio José Pepe Mujica.

"O Bernie Sanders era um cara muito apoiado pelos jovens. Espírito conta. E o Mujica, para mim, é muito mais jovem que muito conservador", disse.

Haddad também lembrou que, às vésperas da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2018, o petista elogiou Boulos e Manuela D'Ávila (PCdoB) em discurso. "E nenhum dos dois nunca hostilizou o PT, muito pelo contrário", disse ele, que afirmou acreditar na importância do caráter na política.

"Você nunca vai ouvir da Manuela e do Boulos uma crítica rasteira, que muitos podem fazer para tentar se aproveitar do espólio do PT".

'Covardia' contra Manuela

Manuela, que concorre à Prefeitura de Porto Alegre, liderou boa parte das pesquisas, mas acabou passando em segundo lugar para a disputa em segundo turno contra Sebastião Melo (MDB).

Para Haddad, isso pode ser explicado por dois fatores que pesaram contra Manuela: a renúncia de José Fortunati (PTB) nos dias anteriores à votação do primeiro turno e uma campanha direcionada contra a candidata do PCdoB.

A Manuela teria chegado a um primeiro lugar se não fosse o Fortunati ter feito um movimento em direção ao Melo", disse. "Fora que a covardia contra a Manuela é notável, né? As pessoas têm que entender o que está em jogo em Porto Alegre", acrescentou.

Ao longo da campanha, Manuela foi alvo de ataques machistas. No último debate antes do primeiro turno, foi chamada de "patricinha mimada" por um de seus adversários.