Nas palafitas do Recife, eleição engaja por razões distantes da esperança
Na comunidade da Ponte, no bairro do Pina, cerca de 300 famílias vivem com suas casas fincadas por estacas de madeira sobre o rio Capibaribe. Por todos os lados, bandeiras, adesivos e militantes que visitam o local. Aparentaria um local vibrante com as eleições de amanhã.
Mas, na prática, os moradores demonstram que o engajamento não se traduz em esperança de vida melhor.
As palafitas se tornaram um símbolo da miséria na capital pernambucana e, recorrentemente, embora de maneira fugaz, viram alvo de promessas.
No Recife, as palafitas estão presentes em 59 comunidades com cerca de 32 mil pessoas. O UOL visitou ontem uma dessas comunidades, formada majoritariamente por pescadores.
Na comunidade da Ponte, a desesperança se mostra maior que qualquer expectativa com o novo prefeito ou prefeita a partir de janeiro. João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) disputam voto a voto a cadeira do Executivo recifense.
A realidade é diferente, bem mais focada numa renda extra. A parte mais comemorada por muitos moradores é o aluguel de barcos nesta época do ano.
Para estampar sua bandeira, cada candidato paga R$ 100 por dia aos barqueiros. Já foi menos, mas o acirramento da campanha fez subir os preços. Inicialmente, a candidata Marília Arraes pagava R$ 50 por barco. João Campos dava R$ 70. Na reta final, o aluguel para as duas campanhas "empatou" em R$ 100.
Um pescador que tem dois barcos conversou com o UOL, mas pediu para não ser identificado. Disse que aluga um barco para cada candidato e que o período eleitoral acabou sendo um alívio financeiro.
"Veja, isso aqui é muito pequeno para o Recife. Eles não resolvem porque não querem. Não tem dificuldade alguma, falta só vontade de fazer, eu não espero mais nada", afirmou.
Busca por votos
Na hora em que a reportagem visitava a comunidade, uma comitiva de campanha de Marília Arraes estava no local, tentando convencer os moradores. "Ela garantiu tirar vocês daqui, você pode cobrar isso depois, porque o outro [candidato] não prometeu", dizia uma senhora a um dono de pequeno comércio, que mal quis ouvir as propostas.
Pedro Stilo, 30, um dos líderes no local, chegou a ser candidato a vereador, mas não se elegeu. Ele conta que as palafitas são um problema histórico da cidade. "O Recife nunca deixou de ter palafitas. Tivemos um tempo melhor, mas elas sempre estiveram aqui", explica.
Ele conta que existe um projeto antigo que pretende tirar os moradores do local. "A ideia é levar para um terreno próximo ao antigo aeroclube. A gente quer sair para que as pessoas tenham lazer, aqui não tem como", afirma ele, que apoia Marília Arraes.
Tragédias e desilusão
Histórias de tragédias se misturam à desilusão. Leydiane da Silva, 25, perdeu o filho de um ano, que caiu no rio em 2017 e morreu afogado. Hoje, vive com duas crianças no pequeno barraco e diz não ter mais expectativa de mudança.
"Moro aqui desde que nasci, e não mudou nada. Para dizer que não mudou, a água piorou neste mês, estamos pegando na maré. Antes ainda chegava numa torneira aqui perto", afirma.
Ela lista ainda uma série de problemas. "Aqui não passa um agente de saúde, somos esquecidos. Quando precisamos de atendimento médico, vamos na policlínica, mas sempre falta remédio", conta a mulher, que é dependente do Bolsa Família e, durante a pandemia, recebeu auxílio emergencial.
Já prometeram tanto nos dar moradia, mas não fazem nada. Não tem quem aguente viver aqui de tanto rato, barata, mosquito e escorpião.
Leydiane da Silva, moradora das palafitas
Helena da Silva, 75, é cadeirante há quatro anos, após um acidente na própria comunidade. Ela caiu em um buraco e teve de amputar a perna esquerda, além de ter sofrido fraturas na direita.
Sem poder se locomover com a cadeira de rodas, conta que sua rotina é ficar desde as 7h à espera da filha, que trabalha numa feira próxima. "Fico aqui até ela voltar e vamos para casa", diz, apontando para seu barraco, a menos de 50 metros de distância.
"Eu só tenho a esperar que um dia nos levem para um canto melhor."
Lulismo ainda resiste
Bandeiras e adesivos nas casas mostram uma comunidade dividida entre João e Marília.
Ana Lucia Gomes, 52, mora há sete anos na Ponte e é pescadora de mariscos. Ela conta que não é a favor de morar em um local distante de onde trabalha. "Espero que eles façam as casas aqui, não inventem de fazer prédio", diz.
Lulista de carteirinha, tem foto dele na porta, ao lado da candidata petista no Recife. Diz que nunca vai deixar de votar no PT. "Muitos dizem que Lula roubou, mas aqui a gente não tinha o que comer, só teve por causa dele. Só sabe quem teve fome. Com Lula, eu vim ter a primeira televisão. Foi o primeiro ser humano que veio aqui nos ver, que ligou para os pobres", diz.
Planos não citam palafitas
Apesar de conhecidas nacionalmente, as palafitas não são citadas diretamente nos planos de governo de nenhum dos dois candidatos no segundo turno.
Procuradas pelo UOL, as assessorias de imprensa dos candidatos informaram ambos têm planos para os moradores do local. João Campos afirma que pretende construir 3.000 moradias.
Já Marília promete retirar todas pessoas das palafitas e "colocá-las em conjuntos habitacionais próximos aos locais onde elas vivem hoje em dia". "É fundamental tirar [os moradores] de lá, mas que fiquem em um local próximo, já que o ganha-pão é retirado de dentro da comunidade. A ideia é construir habitacionais e terminar os que a atual gestão municipal do PSB deixou parados", informou.
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