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Candidatura de ex de Bolsonaro é contestada com denúncia de omissão de bens

A advogada Ana Cristina Valle, ex de Jair Bolsonaro, que quer ser deputada distrital - FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO
A advogada Ana Cristina Valle, ex de Jair Bolsonaro, que quer ser deputada distrital Imagem: FÁBIO MOTTA/ESTADÃO CONTEÚDO

A candidatura a deputada distrital da advogada Ana Cristina Valle (PP-DF), segunda ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, foi contestada na Justiça Eleitoral ontem (17). O denunciante justifica o pedido pela omissão de um imóvel no exterior e por ela não ser mais cidadã brasileira.

A impugnação foi apresentada pelo engenheiro brasileiro Francis Medeiros-Logeay, que vive em Oslo, na Noruega, e é baseada em reportagem do UOL. Pessoas próximas a Cristina Bolsonaro —como ela registrou seu nome de urna nestas eleições— relataram que a cidadania foi aprovada entre 2017 e 2018.

Cristina não informou ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) uma casa que possui na Noruega, que, a depender da avaliação, vale entre R$ 3 e R$ 6 milhões. Ela disse ao UOL que não declarou o imóvel no Brasil porque já faz isso às autoridades tributárias norueguesas.

"Eu não tenho que declarar isso ao TSE", disse Cristina ao UOL na terça-feira à noite, depois de participar do lançamento da campanha do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que tenta a reeleição. A deputada Celina Leão (PL-DF), ex-chefe de Cristina, é a vice de Rocha na chapa.

A advogada destacou que adquiriu o imóvel "há mais de dez anos, com dinheiro norueguês, e é pago com dinheiro norueguês". "E eu sou cidadã norueguesa também. Eu pago meus impostos lá."

A candidata disse que "também" possui domicílio fiscal na Noruega e afirmou que declara a casa apenas na Receita Federal do país europeu. Ela foi novamente procurada para se manifestar sobre a impugnação, mas não respondeu até a publicação deste texto.

O engenheiro Medeiros-Logeay argumentou junto ao TRE-DF (Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal) que Cristina obteve cidadania na Noruega no período em que viveu por lá, entre 2009 e 2014. Por isso, teria automaticamente perdido a cidadania brasileira. Ele anexou uma documentação da Noruega traduzida para comprovar a declaração sobre a cidadania de Cristina.

Também citou a omissão da casa na declaração ao TSE e pediu que a Receita Federal seja comunicada desse fato para averiguar a situação.

O UOL obteve documentos do órgão fiscal da Noruega que mostram que ela consta como cidadã norueguesa e com status de "residente". Ela registrou um endereço naquele país no dia 11 de abril de 2011. Pouco depois, se casou com o norueguês Jan Raymond Hansen.

Após o pedido, o Ministério Público Eleitoral vai se manifestar, antes de haver uma decisão do TRE. Se quiser, Cristina pode recorrer ao TSE.

O preço do metro quadrado na rua da casa de Cristina na Noruega é de 19.8000 coroas norueguesas, segundo dados das imobiliárias locais. Na cotação de terça-feira (16), isso equivalia a cerca de R$ 10.500. Com 593 metros quadrados, portanto, a casa pode valer cerca de R$ 6,2 milhões. Jan Raymond Hansen, marido da Cristina, porém, disse que a casa vale cerca de R$ 3,4 milhões.

Imóvel no exterior precisa ser informado, dizem advogados

Integrante da Abradep (Associação Brasileira dos Advogados Eleitorais e Políticos), Gabriela Rollemberg disse que, pelo direito tributário, todos os brasileiros, mesmo que tenham domicílio fiscal fora do país, precisam informar seu patrimônio à Receita Federal no Brasil.

De acordo com resolução do TSE, os bens de um político apresentados ao Fisco necessitam ser declarados à Justiça Eleitoral.

Além disso, ela destaca a necessidade "moral" de o candidato informar ao eleitor todos os seus bens, independentemente da legislação eleitoral ou tributária.

"Essa declaração é para o controle do eleitor", afirmou ela ao UOL, sem ser informada previamente de que se tratava da candidata Cristina Bolsonaro. "Até por uma questão de boa-fé, o mais fidedigno que for essa declaração, é o mais correto. É uma questão moral e de boa-fé."

Também ignorando o nome da candidata, o advogado tributarista Allan Fallet disse que o patrimônio precisa ser declarado ao TSE. Isso porque o cidadão que possui ativos no exterior deve cumprir determinadas obrigações, como revelar os imóveis no exterior à Receita. Assim, o TSE deve ser informado sobre os bens que deveriam estar declarados ao Fisco brasileiro.

Fallet afirmou que, mesmo com domicílio fiscal no exterior e no Brasil, a obrigação permanece. "Nesse caso de dupla residência fiscal, o candidato também deveria cumprir as obrigações fiscais e regulatórias de residente no Brasil, sendo uma delas o artigo 27 da Resolução do Tribunal Superior Eleitoral."

O que diz esse artigo

O formulário RRC [Requerimento de Registro de Candidatura] deve ser apresentado com os seguintes documentos anexados ao [sistema] Candex: I - relação atual de bens, preenchida no Sistema Candex de forma simplificada, contendo a indicação do bem e seu valor declarado à Receita Federal, dispensando-se a inclusão de endereços de imóveis, placas de veículos ou qualquer outro dado pormenorizado."
Resolução do TSE 23.609/2019, atualizada pela resolução 23.675/2021

Perda da nacionalidade

A Constituição brasileira prevê no artigo 12 a perda de nacionalidade brasileira aos cidadãos que adquirirem outra nacionalidade. Há exceções, como nos casos de "reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira", o que é comum entre descendentes de italianos, o que permite manter a dupla nacionalidade, mas isso ocorre devido à lei na Itália.

Outra exceção prevista na legislação brasileira ocorre pelos casos de "imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis".

Quem optar por outra cidadania por questões de trabalho no exterior ou casamento com estrangeiros, poderá perder a nacionalidade brasileira. O UOL levantou um caso julgado no ano passado no TRF-4 em que uma pessoa perdeu a cidadania brasileira ao optar por outra por questões de trabalho.

Cristina não declarou bens no exterior em 2018

Em 2018, Cristina foi candidata a deputada federal pelo Rio pelo Podemos. Fez 4.555 votos e não conseguiu se eleger. Na época, também não informou nada sobre a cidadania na Noruega e omitiu da Justiça Eleitoral os bens que possui naquele país.

Atualmente, Cristina mora em Brasília, para onde transferiu seu domicílio eleitoral já com planos de disputar a eleição.

Na ocasião, o caso chegou a ser denunciado para a Justiça Eleitoral, mas o procurador Fábio Aragão arquivou o procedimento porque avaliou que a única prova apresentada era uma imagem de uma conversa do atual marido de Cristina, o norueguês Jan Raymond Hansen, no Facebook, afirmando que ela é cidadã norueguesa. No entanto, não foram feitas outras requisições de documentos para verificar a situação de sua nacionalidade.

Candidata é investigada por "rachadinha"

Cristina e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) são investigados por prática de "rachadinha" e nomeação de funcionários fantasmas no tempo em que ela foi chefe de gabinete do ex-enteado (de 2001 a 2008). Ela teve o sigilo bancário quebrado no ano passado por decisão do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro).

Até o início de julho, trabalhava como assessora da deputada federal Celina Leão (PP-DF).

No Brasil, para poder disputar um cargo nas eleições, é necessário ser cidadão brasileiro. Os únicos estrangeiros que podem disputar eleições são os portugueses. No entanto, não para todos os cargos. O cargo de presidente, por exemplo, é vedado. Mas os portugueses podem disputar prefeituras e vagas no Legislativo.

Volgane Carvalho, vice-presidente da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político e autor do livro "Manual das Inelegibilidades" explica, em tese e sem conhecer o caso concreto, que será necessário primeiro verificar como ocorreu a aquisição da cidadania. Mesmo assim, uma dupla nacionalidade também pode ser questionada.

"A primeira coisa a levar em consideração é aquisição da cidadania. Em regra, quando adquire cidadania perde a brasileira. Temos essa situação com jogadores de futebol, como o Deco, Diego Costa, Paulo Rink, eles perderam a cidadania brasileira. Mas existem situações específicas que permitem a dupla cidadania, como a dos italianos. Na Itália, a nacionalidade se mantém pelo sangue", explica.

"Nunca encontrei jurisprudência no TSE sobre isso na questão eleitoral. Essa candidatura pode ser questionada e o tribunal vai avaliar. Na prática, quando você tem uma pessoa com duas nacionalidades, você tem uma pessoa que é brasileiro, mas ao mesmo tempo é estrangeiro e, quando a legislação me diz que o único estrangeiro que pode ser candidato é o português, isso está muito claro", aponta Carvalho.

Atualmente, existe uma Proposta de Emenda à Constituição para ampliar as possibilidades de dupla cidadania para cidadãos brasileiros. O projeto já passou no Senado e está na Câmara dos Deputados.