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Leia a íntegra da entrevista de Lula ao Jornal Nacional

Jornal Nacional: Lula é o terceiro candidato sabatinado - Reprodução/TV Globo
Jornal Nacional: Lula é o terceiro candidato sabatinado Imagem: Reprodução/TV Globo

Do UOL, em São Paulo

25/08/2022 21h26Atualizada em 25/08/2022 22h59

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi o terceiro candidato à Presidência entrevistado pelo Jornal Nacional, da TV Globo, nesta semana. William Bonner e Renata Vasconcellos abriram a sabatina perguntando sobre corrupção.

Rouco, Lula criticou o governo Bolsonaro (PL) e respondeu as perguntas sobre o governo de Dilma Rousseff (PT). Ele também defendeu e elogiou seu vice Geraldo Alckmin (PSB), usando metáforas sobre futebol para explicar a aliança com o ex-governador.

O candidato também criticou o que chamou de "agronegócio reacionário" e defendeu o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). O petista terminou a sabatina falando sobre as ditaduras da América Latina.

Veja tudo o que rolou na cobertura da entrevista de Lula no Jornal Nacional e as análises dos colunistas do UOL.

Leia aqui a íntegra da sabatina com Lula no Jornal Nacional:

[William Bonner]: Olá, boa noite. Nós estamos entrevistando nesta semana os candidatos à Presidência mais bem colocados na pesquisa Datafolha de intenção de voto, que foi divulgada no dia 28 de julho. Pela ordem determinada em sorteio, com a presença dos assessores dos partidos, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, é o entrevistado de hoje. Amanhã será a vez de Simone Tebet, do MDB. E o candidato à reeleição Jair Bolsonaro, do PL, e o candidato do PDT, Ciro Gomes, já foram entrevistados na segunda e na terça-feira, respectivamente.

[Renata Vasconcellos]: Em 40 minutos, nós vamos abordar os temas que marcam essas candidaturas, e o candidato vai ter um minuto para as considerações finais. Candidato Lula, boa noite. Obrigada pela presença muito.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Boa noite, Renata.

[William Bonner]: Obrigado por ter vindo, candidato. E nós vamos começar então essa entrevista a partir de agora, contando o tempo, e vamos começar falando de corrupção. O Supremo Tribunal Federal lhe deu razão, considerou o então juiz Sérgio Moro parcial, anulou a condenação do caso do triplex e anulou também outras ações por ter considerado a Vara de Curitiba incompetente. Portanto, o senhor não deve nada à Justiça. Mas houve corrupção na Petrobras. E segundo a Justiça, com pagamentos a executivos da empresa, a políticos de partidos, como o PT, como o então PMDB e o PP. Candidato, como é que o senhor vai convencer os eleitores de que esses escândalos não vão se repetir?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Bonner, primeiro, eu acho importante você ter começado esse debate com essa pergunta. Porque durante cinco anos, eu fui massacrado, e estou tendo hoje a primeira oportunidade de poder falar disso abertamente, ao vivo, com o povo brasileiro. Primeiro, a corrupção, ela só aparece quando você permite que ela seja investigada. Eu queria começar dizendo para você uma coisa muito séria, foi no meu governo que a gente criou o Portal da Transparência, que a gente colocou a CGU para fiscalizar, que a gente criou a lei de Acesso à Informação, a gente criou a lei anticorrupção, a lei contra o crime organizado, a lei contra a lavagem de dinheiro. A AGU entrou no combate à corrupção.

Criamos o Coaf para cuidar de movimentações financeiras atípicas, e colocamos o Cade para combater os cartéis. Ou seja, foram todas medidas tomadas no meu governo, além do que o Ministério Público era independente, além do que a Polícia Federal recebeu no meu governo mais liberdade do que em qualquer outro momento da história. Porque você está lembrado que em 2005, quando surgiu a questão do mensalão, cheguei a dizer o seguinte: Só existe uma possibilidade de alguém não ser investigado nesse país, é não cometer erro. Se cometeu, vai ser investigado. E foi isso que nós fizemos.

Olha, se alguém comete um erro, alguém comete um delito, investiga-se, apura, julga, condena ou absolve, e está resolvido o problema. O que foi o equívoco da Lava Jato? É que a Lava Jato enveredou por um caminho político delicado. A Lava Jato ultrapassou o limite da investigação e entrou no limite da política. O objetivo era o Lula. O objetivo era tentar condenar o Lula. Não sei se você está lembrado que no primeiro depoimento que eu fui dar ao Moro, eu falei: "Moro, você está condenado a me condenar, porque você já permitiu que a mentira foi longe demais, e você sabe do que eu estou falando".

E aconteceu exatamente o que eu previa. Quando nós entramos com o habeas corpus, na Suprema Corte, foi antes, bem antes do hacker. E se você pegar o nosso habeas corpus, a gente está dizendo coisas que depois se descobriu com o hacker, investigado pela Polícia Federal. Então, eu vou te dizer uma coisa, Bonner, vou dizer para você, olhando nos olhos do povo brasileiro: não há hipótese, não há hipótese, eu quero voltar à presidência da República, e qualquer, qualquer hipótese de alguém cometer qualquer crime, por menor ou por maior que seja, essa pessoa será investigada, essa pessoa será julgada, e essa pessoa será punida ou absolvida. É assim que você combate a corrupção num país.

[William Bonner]: Agora, candidato, o senhor elencou diversas medidas adotadas em governos do PT como instrumentos, mecanismos de controle da corrupção, mas é fato que a corrupção, a despeito disso, ocorreu, e ocorreu em grande escala, por isso eu retomo a pergunta original, que é: como o senhor pode assegurar que elas não se repetirão? Alguma medida nova foi estudada para evitar que aconteça?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Ô Bonner, primeiro, as medidas estão colocadas. Veja, eu poderia ter escolhido um procurador engavetador. Sabe aquele amigo que você escolhe que nenhum processo vai para frente? Eu poderia ter feito isso; não fiz, eu escolhi da lista tríplice. Eu poderia ter impedido que a Polícia Federal tivesse um delegado que eu pudesse controlá-lo; não fiz, e permiti que efetivamente as coisas acontecessem do jeito que precisavam acontecer.

Olha, nós vamos continuar criando mecanismos para investigar qualquer delito que aconteça na máquina pública brasileira, porque eu já disse quinhentas vezes de que a corrupção, eu poderia, por exemplo, fazer decreto de cem anos. Sabe decreto de sigilo, que está na moda agora? Eu poderia, para não apurar nada, decreto cem anos de sigilo para o Pazuello, decreto para os meus filhos, decreto para os meus assessores, ou eu poderia não investigar: pega um tapetão, coloca em cima de qualquer denúncia, aí nada vai ser apurado e não vai ter corrupção. E a corrupção, ela só aparece quando você governa de forma republicana, que você permite que as pessoas sejam investigadas, independentemente de quem seja. E eu tive a alegria, eu tive a sorte de ter um ministro do porte do Márcio Thomaz Bastos, sabe? Que era uma figura inatacável nesse país do ponto de vista da competência e da seriedade.

[William Bonner]: Candidato...

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Por isso, pode ficar tranquilo, sabe? Que quem cometer erro, pagará.

[William Bonner]: Houve um momento — em mais de um momento, aliás —, o Partido dos Trabalhadores chegou a dizer que o prejuízo acumulado pela Petrobras com o escândalo do petrolão tinha sido reconhecido pela empresa e colocado no balanço da Petrobras por uma imposição da Lava Jato. Isso foi dito pelo Partido dos Trabalhadores. Hoje, o partido reconhece, então, que, efetivamente, houve esse prejuízo?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Deixa eu lhe falar uma coisa: você não pode dizer que não houve corrupção se as pessoas confessaram. O que é mais grave é que as pessoas confessaram, e por conta de as pessoas confessarem, ficaram ricos por conta de confessar. Ou seja, foi uma espécie de uma delação premiada: você não só ganhava a liberdade por falar o que queria o Ministério Público, como você ganhava metade do que você roubou.

Ou seja, o roubo foi oficializado pelo Ministério Público, o que eu acho uma insanidade e uma aberração para esse país. Ou seja, o correto era você fazer a investigação, que tinha que fazer, da forma mais correta possível, como fizeram no meu tempo que eu era presidente, e depois, se a pessoa for inocente, você absolve; se a pessoa for culpada, você culpa... você condena. O que acontece é que, aqui no Brasil, Bonner, nós temos um problema sério: é que as pessoas são condenadas pelas manchetes de jornais, e depois não se volta atrás.

[William Bonner]: É, mas voltaram 6 bilhões e 200 milhões de dólares para a Petrobras, foram devolvidos, muito desse dinheiro, inclusive, por diretores da Petrobras, que não tinham como juntar uma fortuna dessas.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Que ótimo que voltou, e o Ministério Público queria pegar dois milhões e meio para eles, criar um fundinho para eles, não é? Desses seis bilhões. E mais ainda: a gente olha o que eles devolveram, mas vamos olhar os prejuízos que foram dados. Por conta da Lava Jato, nós tivemos quatro milhões e 400 mil desempregados nesse país. Por conta da Lava Jato, nós tivemos 270 bilhões que deixaram de ser investidos nesse país. E por conta da Lava Jato, a gente deixou de arrecadar 58 bilhões. O que eu quero te dizer é o seguinte: é que você pode fazer investigação com a maior seriedade, como foi feito na Coreia, na Samsung, como foi feito na França, na Alstom, como foi feito na Volkswagen, na Alemanha. Você investiga, se o empresário roubou, você prende, condena, mas você permite que a empresa continue funcionando.

Aqui no Brasil se quebrou as indústrias de engenharia que nós levamos quase que um século para construir, e nós agora é que vamos ter o prejuízo, porque se eu ganhar as eleições, a gente vai ter que fazer um grande plano de investimento de infraestrutura. A gente vai ter que recuperar muitas obras. Eu vou fazer uma reunião com os 27 governadores para saber quais são as obras prioritárias de cada estado e esse país vai voltar a andar.

[William Bonner]: Nós vamos falar de economia daqui a pouco, mas, antes de passar a palavra para a Renata Vasconcellos, eu gostaria de fazer só uma observação sobre os números que o senhor mencionou: muitos economistas afirmam que esses milhões de empregos não criados, os investimentos que não foram realizados seriam consequência não da Lava Jato, mas da crise econômica herdada da gestão de Dilma Rousseff. Mas... Renata.

[Renata Vasconcellos]: O senhor mencionou mecanismos de controle da corrupção no seu governo, e, de fato, o senhor e a sua sucessora, Dilma Rousseff, sempre escolheram como procurador-geral da República o primeiro da lista tríplice elaborada pelo Ministério Público Federal, que, em tese, dá mais independência ao escolhido. Ano que vem termina o mandato de Augusto Aras, na PGR; mas, ultimamente, quando o senhor é perguntado sobre se vai cumprir, respeitar a lista tríplice, o senhor tem evitado responder. Por quê?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Porque eu quero que ele fique com uma pulguinha atrás da orelha. Não quero definir agora o que eu vou fazer. Primeiro eu preciso ganhar as eleições. Esse negócio de a gente ficar prometendo fazer as coisas antes de a gente ganhar, a gente comete um erro. Veja, eu respeito muito o Ministério Público. Uma das queixas que eu tenho da força-tarefa da Lava Jato é que eles quase jogam o nome do Ministério Público na lama, porque houve muito equívoco e muitas aberrações.

O Ministério Público é uma instituição séria, que eu sempre valorizei; da mesma forma a Polícia Federal. Se um dia, Renata, eu pudesse contar para você os vários depoimentos que eu prestei para delegados, as perguntas insanas que eram feitas, em uma instituição que eu respeito muito, e eu acho que o estado brasileiro tem que ter instituições muito fortes para que o governo possa exercer a democracia.

[Renata Vasconcellos]: Mas a lista tríplice da PGR, ela justamente evita uma situação que, aliás, ocorre atualmente, em que o procurador-geral da República é criticado, é acusado de lealdade ao Presidente da República, seja essa acusação justa ou não, não estou entrando nesse mérito, o senhor não teme que isso aconteça?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Não quero procurador leal a mim. O procurador tem que ser leal ao povo brasileiro. Ele tem que ser leal à instituição. Agora, pode ficar certa de que se eu ganhar as eleições, antes da posse, eu vou ter várias reuniões com o Ministério Público para discutir os critérios que eu acho que é importante para eles e para o Brasil.

[Renata Vasconcellos]: Mas, candidato...

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Para mim, o que precisa é dar segurança para o povo, como eu dei quando era presidente. O meu primeiro diretor-geral da Polícia Federal foi o Paulo Lacerda, que não era meu amigo e que trabalhava com o Tuma, que foi o cara que procurou a investigação do Collor. Ou seja, eu não quero amigo. Eu quero pessoas sérias, responsáveis, que falem em nome da instituição porque as instituições que garantem o funcionamento da democracia têm que ser fortes, Renata.

[Renata Vasconcellos]: Um assunto tão importante, o senhor vai manter suspense sobre uma questão tão fundamental, que é, de fato, as críticas à falta de independência do Ministério Público, da procuradoria-geral da República, é motivo de preocupação para os brasileiros, por que manter o suspense?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Em minha defesa, eu tenho três indicações. Você está lembrada que eu indiquei o Ministério Público, o procurador-geral que estava julgando o Palocci. E eu mantive ele, porque eu não quero amigo. Eu não quero amigo no Ministério Público, eu não quero amigo na Polícia Federal, eu não quero amigo no Itamaraty, eu não quero amigo em nenhuma instituição, eu quero pessoas competentes, pessoas ilibadas, pessoas republicanas e pessoas que pensem, sobretudo, no povo brasileiro.

[Renata Vasconcellos]: Então, como fazer? Porque associações de policiais federais têm se queixado de tentativas de interferência na instituição, na PF. Como fazer para que esse tipo de interferência não ocorra?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Interferência não, teve muitas interferências. O Bolsonaro troca qualquer diretor na hora que ele quer, basta que ele não goste. Eu não fiz isso e não vou fazer. O delegado não está lá para fazer as coisas que eu quero. Renata, você se lembra que, em 2005, a Polícia Federal estava na Índia, a Polícia Federal foi na casa de um irmão meu, esse que morreu quando eu estava preso, sabe, esse cara ganhava 2.900 reais, aposentado na Prefeitura, a Polícia Federal invadiu a casa dele. E eu sabia antes, e eu falei: "Não vou interferir porque quem ficou sabendo, não é o Lula, foi o Presidente da República. Ela que cumpra com suas funções". Então, para mim, a seriedade das instituições é o que vai garantir o exercício da democracia neste país. Então você pode ficar certa de que as coisas irão acontecer da forma mais republicana possível que possa acontecer.

[William Bonner]: Vamos falar de economia então, candidato...

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Sabe por que eu estou querendo voltar? Porque eu quero ser melhor do que eu fui. Eu quero ser melhor. Eu quero voltar porque eu quero fazer coisas que eu deveria ter feito, mas não sabia que era possível fazer. É por isso que eu fui escolher o Alckmin de vice, para juntar duas grandes experiências na minha vida: um cara que foi governador de São Paulo 16 anos, e vice seis anos, e o cara que foi considerado o melhor presidente da história do Brasil. Esses dois que vão governar este país.

[William Bonner]: Vamos falar de economia, então, agora, candidato. Todos os economistas atualmente estão dizendo que o próximo governo vai ser obrigado a lidar com uma bomba fiscal, um desequilíbrio das contas públicas enorme. O senhor não tem sido claro quando fala dos seus planos para a economia. Mas o senhor, ao mesmo tempo, tem feito promessas. Como é que o senhor pretende recuperar o equilíbrio das contas?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Bonner, é que você não deve lembrar o que os meus economistas diziam para mim nas eleições de 2002. Naquela época, o Brasil estava quebrado. Naquela época, vocês lembram que o Brasil quebrou duas vezes no governo Fernando Henrique Cardoso? Naquela época, o Malan, que era um homem sério, ele todo final de ano ia para Washington tentar pegar dinheiro para tentar fechar o balanço com o caixa do governo. Estão lembrados de duas pessoas do FMI que vinham para o Brasil investigar o Brasil todo dia, e os meus economistas diziam "O Brasil está quebrado, o Brasil está quebrado". Eu falava: "Então, por que vocês querem que eu ganhe as eleições?" Eu vou dar um dado para vocês ver o seguinte, quando eu tomei posse em 2003, o Brasil tinha 10,5% de inflação, o Brasil tinha 12% de desemprego, o Brasil devia 30 bilhões ao FMI. Nós tínhamos uma dívida pública de 60.4%.

O que que nós fizemos? Primeiro, nós reduzimos a inflação para a meta, sabe, que era 4,5 durante todo o período de governo. Segundo, nós reduzimos a dívida pública de 60.4% para 39%. Nós fizemos uma reserva de 370 bilhões de dólares, e nós ainda emprestamos 15 bilhões para o FMI. Não sei se está lembrado disso. Além do que, nós fizemos a maior política de inclusão social que a história desse país conheceu. É assim que nós vamos governar esse país.

Eu digo sempre, Bonner, que tem três palavras mágicas para governar o país. Três. A primeira delas é credibilidade. A segunda dela é previsibilidade. E a terceira é estabilidade. Você tem que garantir... primeiro que, quando você falar, as pessoas acreditam no que você fala. Quando você fala na previsibilidade, é porque ninguém pode ser pego de surpresa dormindo com mudança do governo. E a estabilidade é para você convencer, o governo cumprindo com sua tarefa, que os empresários privados do Brasil e os empresários estrangeiros, tenham condições e saibam que tem estabilidade para fazer investimento aqui dentro. Você sabe, eu vou terminar dizendo o seguinte: nunca antes na história do Brasil esse governo teve uma chapa como Lula e Alckmin para poder ganhar credibilidade interna e externa para fazer acontecer as coisas no Brasil.

[William Bonner]: Mas ainda na economia, depois dos seus dois mandatos, candidato, veio o governo Dilma. E o governo Dilma se notabilizou por tentar induzir o crescimento da economia brasileira fazendo... aumentando gastos públicos, e também segurando aumento de preços de combustíveis, aumento de preços de energia. O resultado disso foi a maior recessão em 25 anos e uma explosão da inflação. Daí, a pergunta: O senhor, uma vez eleito Presidente da República, mais uma vez, vai implantar na política econômica qual das receitas petistas? A do seu primeiro mandato, ou a receita petista do mandato de Dilma Rousseff?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Bonner, sábado eu estive com a Dilma no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. E a Dilma sabia que eu vinha aqui. E a Dilma disse para mim: Presidente, se perguntar do meu governo, não responda, fala para me convidar que vou lá discutir com eles. Mas o que eu quero dizer para você? Eu quero dizer primeiro que a Dilma é uma das pessoas que eu tenho mais profundo respeito pela competência e pela ajuda que ela me deu quando era chefe da Casa Civil.

A Dilma fez um primeiro mandato presidencial extraordinário, porque crise se agravou, a crise internacional, e, mesmo assim, ela se endividou para poder manter as políticas sociais e para poder manter o emprego em 4.5%, que foi o menor desemprego que nós tivemos na história desse país, era como se fosse o padrão Noruega, padrão holandesa. Eu acho que a Dilma cometeu o equívoco na questão da gasolina, ela sabe que eu penso isso. Eu acho que cometeram equívoco na hora que fizeram 540 bilhões de desoneração, isenção fiscal de 2011 a 2040. E eu acho que quando ela tentou mudar, ela tinha uma dupla dinâmica contra ela: Eduardo, sabe, o presidente da Câmara, e o Aécio, no Senado, que trabalharam o tempo inteiro para que ela não pudesse fazer nenhuma mudança. Ela mandou uma medida provisória para mudar. Como aconteceu com o Fernando Henrique Cardoso, quando o Fernando Henrique Cardoso teve o segundo mandato, ele mandou medidas para poder evitar que o Brasil quebrasse, e ele tinha como presidente Câmara o Temer, que ajudou a aprovar as coisas, não trabalhou contra. E o presidente da Câmara, da Dilma, ele trabalhou contra o tempo inteiro a Dilma.

[William Bonner]: Mas a então presidente Dilma, candidato, não agiu sozinha, havia uma equipe cuidando de economia para ela e tudo, então este "erro" que o senhor reconhece ter havido lá não foi um erro pessoal, solitário dela, mas de uma corrente do PT, por isso a pergunta se impõe: se a corrente do PT que amparou as decisões que o senhor reconhece terem sido equivocadas da ex-presidente Dilma fizer valer a sua opinião em um governo seu, vai-se por esse caminho, daí a pergunta. O senhor está dizendo então que o seu governo vai ser diferente?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Se um dia entrar alguém no teu lugar para fazer o "Jornal Nacional"?

[William Bonner]: Entrará, seguramente.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Você vai perceber o que é rei morto, rei posto. Você vai descobrir. Ou seja, quando você deixa o governo, quem ganha vai governar do jeito que entender. Quem está de fora não vai mandar. Eu vou voltar a governar esse país, se o povo assim permitir, para fazer as coisas melhor do que eu fiz.

A minha obsessão, Bonner, a minha obsessão, um homem de 76 anos de idade, que digo todo dia que tenho energia de 30, de voltar a governar esse país é porque eu acho que é possível recuperar, sabe, esse país, a economia voltar a crescer, a gerar empregos, a gerar melhoria nas condições de vida das pessoas. Eu estou convencido disso. Se eu não acreditasse nisso, eu não voltava, eu preferia ficar em casa, sabe, vivendo os louros de ser o melhor presidente da história do Brasil; não, eu vou voltar para provar que é possível fazer mais. E eu espero que, quando eu estiver no governo, vocês me convidem para vir aqui uma vez por mês para poder checar o que está acontecendo nesse país.

[William Bonner]: Só relembrando, então: os números ruins, ao fim do governo Dilma, a inflação, em 2013, estava em 5,9%, ela chegou, em 2015, a 10,3%. O PIB tinha subido 3% em 2013, caiu 3,5 em 2015, então, assim, os números falam por si. Renata.

[Renata Vasconcellos]: Candidato...

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Eu peguei a inflação a 12 e reduzi para 4,5.

[William Bonner]: Antes.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Não, mas nós vamos fazer o mesmo. Se tem uma coisa que eu sei fazer, Renata, é cuidar do povo.

[William Bonner]: Não, o senhor deixou claro que pretende fazer uma gestão na economia diferente da que foi feita?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Não, eu pretendo fazer uma gestão de acordo com aquilo que nós construímos. Eu, hoje, tenho dez partidos junto comigo e ainda tenho a experiência do ex-governador Alckmin comigo. Muita gente pensava, uns anos atrás, que era impossível Lula se juntar com Alckmin, e eu me juntei para dar uma demonstração para a sociedade brasileira que política não tem que ter ódio, política, sabe, é a coisa mais extraordinária para você estabelecer convivência entre os contrários.

[Renata Vasconcellos]: Então pronto, é de política e de alianças que nós vamos falar agora. O senhor tem dito que centrão se formou lá atrás, na Constituinte, e que participou da base de todos os governos: do de Fernando Henrique Cardoso, do seu, de Dilma, de Temer e agora de Jair Bolsonaro. Só que o relacionamento de governos do PT com o Congresso resultou em escândalos de corrupção como o Mensalão, por exemplo. Como evitar que isso aconteça novamente?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Você acha que o mensalão, que tanto se falou, é mais grave do que o orçamento secreto?

[Renata Vasconcellos]: Vamos falar de orçamento secreto também.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Deixa eu lhe falar uma coisa?

[Renata Vasconcellos]: Vamos falar de orçamento secreto também.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Deixa eu lhe falar uma coisa: a vida política estabelecida em regime democrático é a convivência democrática na adversidade. Nenhum Presidente da República, em um regime presidencialista, governa se não estabelecer relação com o Congresso Nacional. O centrão não é um partido político. O centrão não é um partido político, até porque hoje só tem partido político no Brasil o PT, o PC do B, talvez o PSOL, o PSB, porque quase todo os outros partidos são cartoriais.

Ou seja, são cooperativas de deputados que se juntam em determinadas circunstâncias. Ora, então, quem ganhar as eleições — quem ganhar as eleições —, se for a Renata, ou se for o Bonner, ou se for o Lula, vai ter que conversar com o Congresso Nacional. Não conversar com o centrão, porque o centrão não é um partido político. Você vai conversar com os partidos separados e depois, obviamente que o nome centrão foi cunhado para poder derrotar a gente na Constituinte de 88, que a gente estava avançando muito na área social.

[Renata Vasconcellos]: Mas como evitar escândalos de corrupção como o que houve?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Mas você... Punindo as pessoas, denunciando as pessoas. O que eu acho maravilhoso é denunciar a corrupção. O que é grave é quando a corrupção fica escondida. Por isso que eu acho importante uma imprensa livre, por isso que eu acho importante uma justiça eficaz, porque se tiver um problema de corrupção, Renata, tem que ser denunciado.

[Renata Vasconcellos]: O senhor falou de...

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Em qualquer lugar tem que ser denunciado: na empresa privada, na empresa pública. Não é possível você ficar guardando a corrupção sem levar em conta o prejuízo que aquilo traz à sociedade brasileira. Então, minha cara, é o seguinte: todo esse monte de coisa que eu li para vocês aqui, isso vai ser aperfeiçoado para fazer mais e melhor, para que a gente possa até descobrir, mas, quando descobrir, as pessoas serão punidas. Pode ficar certa disso.

[Renata Vasconcellos]: O senhor falou em orçamento secreto, e a gente falou também em corrupção, que não tem como se comparar, por que não existem níveis?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: O orçamento secreto é uma excrescência.

[Renata Vasconcellos]: Exato, não existem níveis de corrupção, não é? Corrupção é corrupção. Mas o senhor mencionou o orçamento secreto. Como negociar, então, com o centrão sem moedas de troca como essa do orçamento secreto que o senhor critica tanto?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Isso não é moeda de troca, Renata, isso aqui é usurpação do poder. Ou seja, acabou o presidencialismo, o Bolsonaro não manda nada. O Bolsonaro é refém do Congresso Nacional. O Bolsonaro sequer cuida do orçamento, Renata, sequer cuida do orçamento. O orçamento quem cuida é o Lira. Ele que libera verba. O ministro liga para ele, não liga para o presidente da República. Isso nunca aconteceu desde a Proclamação da República. E eu tenho consciência que uma das tarefas minhas e do Alckmin, se a gente ganhar, é a gente tentar, primeiro, trabalhar durante o processo eleitoral para que a gente eleja muitos deputados e muitos senadores com outra cabeça; segundo, acabar com essa história de semipresidencialismo, de semiparlamentarismo no regime presidencial.

[Renata Vasconcellos]: Mas o senhor acha mesmo que vai conseguir...

[Luiz Inácio Lula da Silva]: O Bolsonaro parece o bobo da corte. Ele não coordena orçamento. Veja que engraçado, ele agora acabou de aumentar o auxílio emergencial para 600 reais, correto? Ele queria 200, a gente queria 600, ele mandou 500, agora mandou 600. Até quando? Até dia 31 de dezembro. Porque na LDO que ele mandou para o Congresso Nacional agora, não tem a continuidade. E ele então acaba de mandar a LDO, e vem aqui mentir e dizer: "Não, eu vou continuar, eu vou continuar". Se ele vai continuar, por que ele não colocou, ali, diretriz orçamentária?

[Renata Vasconcellos]: Mas o senhor acredita mesmo, sobre o orçamento secreto, que o senhor vai conseguir convencer o Congresso a abrir mão de um mecanismo que dá tanto poder aos parlamentares?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Vamos. Vamos.

[Renata Vasconcellos]: Como?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Conversando com eles. Primeiro, durante a campanha, você vai perceber que vou trabalhar muito essa questão da eleição, sabe? E hoje não é só o Presidente da República, não, os governadores dos estados estão reféns dessas emendas secretas também. Porque antigamente o deputado ia conversar com o governador para fazer aplicação de verba. Hoje, os deputados não conversam mais. Tem deputado liberando 200 milhões, 150 milhões, 100 milhões. Isso é um escárnio. Isso não é democracia. Essas coisas, pode ficar certa, pode ficar certa, que nós vamos resolver.

Eu estou olhando para você, porque eu quero que você me cobre. Nós vamos resolver conversando com os deputados. E eu espero que a sociedade brasileira aprenda nessas eleições uma lição muito grande: o Congresso Nacional é o resultado da sua consciência política no dia das eleições. Então, quando você for votar, sabe, você coloca esperança, coloca otimismo, e não coloca rancor na urna, porque não dá certo.

[William Bonner]: Candidato, o senhor está fazendo um discurso aqui muito claro em favor da negociação, da composição política pela governabilidade, é do que se trata, não é? Negociações, no Congresso, nesse sentido. O senhor acha que a militância do seu partido concorda com essa necessidade de composição política? A minha pergunta é porque existe uma ala grande do seu partido que ainda não aceitou Geraldo Alckmin como o candidato a vice na sua chapa e tem hostilizado o seu candidato a vice. O que o senhor diria para esses militantes do PT que ainda se recusam a aceitar Alckmin, depois das trocas de acusações pesadas que os senhores fizeram ao longo de alguns anos na política?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Bonner, nós não estamos vivendo no mesmo mundo. Eu estou até com ciúme do Alckmin. Você tem que ver que sujeito esperto e habilidoso.

[William Bonner]: Não tem vaias para ele muitas vezes?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Ele fez um discurso, no dia 7 de maio, sabe, quando ele foi apresentado oficialmente ao PT, que eu fiquei com inveja, ele foi aplaudido de pé. Pergunta para a esposa dele, para a dona Lu, que anda com a Janja, para ver como ela está gostando da coisa. O Alckmin já foi aceito pelo PT, de corpo e alma. Sabe? O que eu não quero é que o PT peça para ele se filiar porque a gente não quer brigar com o PSB, mas o Alckmin é uma pessoa que vai me ajudar.

Eu tenho 100% de confiança que a experiência dele como governador de São Paulo e, depois, mais seis anos como vice do Mário Covas vai me ajudar a consertar esse país. É a única razão pela qual eu quero voltar a ser presidente, é a de consertar esse país. Esse país tem que voltar a crescer, tem que voltar a ser feliz, tem que voltar a gerar emprego. O povo, eu digo sempre: o povo tem que voltar a comer um churrasquinho, a comer uma picanha e tomar uma cervejinha.

[William Bonner]: Candidato, ainda a propósito dessa intolerância manifestada em alguns momentos contra o seu candidato a vice, o senhor disse que está superado, mas é fato que durante muito tempo a militância do PT, estimulada muitas vezes pelo senhor ou por outros líderes do partido, essa militância foi muito agressiva com quem pensava diferente, e não só na Internet, nas ruas também. Que lições o senhor e o PT tiraram disso?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Bonner, feliz era o Brasil e a democracia brasileira quando a polarização nesse país era entre PT e PSDB. A gente era adversário político, a gente trocava farpas, mas se a gente se encontrasse no restaurante, não tinha nenhum problema de tomar uma cerveja com o Fernando Henrique Cardoso, com o José Serra ou com o Alckmin, porque a gente não se tratava como inimigo, a gente se tratava como adversário. Sabe?

[William Bonner]: O senhor não teria problema, mas a militância do seu partido tinha problema, sim.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: A militância é como torcida organizada. A torcida organizada não é a torcida do Flamengo, não é a torcida do Vasco, aquela que briga, aquela que vaia o time. Não, não sei se você viu o jogo do São Paulo, ontem, o Rafinha que jogava no Flamengo, ontem ele engrossou lá no jogo com o Flamengo, e ele e o outro do Flamengo se abraçaram, porque em política é assim. Política é exatamente assim, você tem divergência, você briga, você diverge, você tem divergência programática, mas você não é inimigo.

[William Bonner]: Mas, candidato, o senhor passou anos repetindo uma expressão que se consolidou no seu governo dividindo o Brasil entre nós e eles. É um fato.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Você já foi em campo de futebol? Você torce para algum time?

[William Bonner]: Não nesse momento.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Eu já fui junto com outros companheiros. É nós e eles. A torcida do Vasco, é nós; a do Flamengo, é eles.

[William Bonner]: Mas o senhor não acha que isso estimula a polarização ainda mais?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Não, acho que não estimula a polarização. Ela é saudável no mundo inteiro. Polarização tem nos Estados Unidos, tem na Alemanha, tem na França, tem na Noruega, tem na Finlândia, tem em tudo quanto é lugar. Sabe, toda vez que tem mais que uma pessoa participando de alguma coisa, não tem polarização num partido comunista chinês, não tinha polarização no partido comunista cubano. Agora, quando você tem democracia, quando você tem mais que um disputando, a polarização é saudável. Ela é importante, ela é estimulante, ela faz a militância ir para a rua, ela faz a militância carregar bandeiras.

O que é importante é que a gente não confunda a polarização com o estímulo ao ódio. Eu me dou muito bem com o PSDB, que foi meu principal adversário durante tanto tempo. E depois é o seguinte, Bonner, eu aprendi na minha vida a conversar. Eu aprendi a conversar. Se tem uma coisa que eu aprendi a fazer foi negociar, foi conversar com os contrários. Tem uma frase do Paulo Freire que é fantástica, que eu utilizei para mostrar aos militantes do PT a entrada de Alckmin no PT. De vez em quando, a gente precisa estar junto com os divergentes para vencer os antagônicos. E agora, nós precisamos vencer o antagonismo do fascismo, da ultradireita.

[Renata Vasconcellos]: Então, candidato, continuando, vamos para o agronegócio. No seu governo, a política agrícola contribuiu muito para o crescimento do setor do agronegócio no Brasil, e foi também um período em que os preços internacionais das commodities, os grãos em geral, soja, milho, estavam bem altos. O seu ministro da agricultura foi um grande produtor rural. Mas hoje grande parte do setor agro não o apoia. O senhor atribui esse afastamento a desconfianças talvez geradas pelo relacionamento do seu partido com o MST?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Não. Renata, tem o seguinte, veja, eu queria que você trouxesse aqui o mais reacionário representante do agronegócio, e perguntasse para ele o que o Bolsonaro fez para ele que chegou perto daquilo que nós fizemos. Eu queria que você chamasse. Sabe por quê? Porque não tem nenhum governo que tratou do agronegócio como nós tratamos. Eu vou dizer para você, nós fizemos uma medida provisória, 432, se não me falha a memória, de 2008, que fez uma negociação, sabe, com os produtores rurais em 85 bilhões de reais, se não eles tinham quebrado.

[Renata Vasconcellos]: Então, a que o senhor atribui grande parte não o apoia?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Eu vou dizer o porquê eles contribuem, a questão da nossa política em defesa da Amazônia, a nossa política em defesa do Pantanal, a nossa política em defesa da Mata Atlântica, ou seja, a nota luta contra o desmatamento faz com que eles sejam contra nós. Sabe? É isso.

[Renata Vasconcellos]: Mas o agronegócio e o meio ambiente caminham juntos.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Eles são contra. Outro dia eu fui em uma reunião e perguntei para um fazendeiro: então, queria que você me dissesse qual foi a terra produtiva que o sem-terra invadiu. Qual foi a terra produtiva que o sem-terra invadiu? Porque o sem-terra invadia terras improdutivas, que fiscalizava a terra era o INCRA e quem pagava era o governo. Tinha hora que eu achava o seguinte: O sem-terra acho que está fazendo favor para os fazendeiros, porque está invadindo terras para o governo pagar.

[Renata Vasconcellos]: Antes de a gente abordar mais sobre os sem-terra, é preciso fazer esse esclarecimento, porque, como o senhor colocou, parece que o setor do agronegócio não tem a ver, é contrário, faz oposição ao meio ambiente, ao meio ambiente sustentável?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Faz!

[Renata Vasconcellos]: O que não é verdade.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Faz, não. Faz, não, você acabou de ver. Veja: o agronegócio, sabe, que é fascista e direitista, porque os empresários sérios que trabalham no agronegócio, que têm comércio com o exterior, que exportam para a Europa, para a China, esses não querem desmatar, esses querem preservar os nossos rios, querem preservar as nossas águas, querem preservar as nossas faunas. Esses não. Mas você tem um monte que quer.

Você está lembrada que o atual presidente tinha um ministro do Meio Ambiente que dizia que era para invadir com a boiada para desmatar a Amazônia. Nós não precisamos plantar milho, soja ou cana nem criar gado na Amazônia. O que nós precisamos é explorar corretamente, cientificamente, a biodiversidade da Amazônia para que a gente tire daquela riqueza da biodiversidade produtos para a indústria de fármacos, para a indústria de cosméticos e gerar emprego para aquelas pessoas. Hoje...

[Renata Vasconcellos]: E qual será o papel do MST no seu governo?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Não, o MST está fazendo uma coisa extraordinária: está cuidando de produzir. Não sei se você sabe, o MST, hoje, tem várias cooperativas e o MST é o maior produtor de arroz orgânico do Brasil. Você tem que visitar uma cooperativa do MST, Renata. Você vai ver que aquele MST de 30 anos atrás não existe mais! Agora, o Bolsonaro está ganhando alguns fazendeiros porque está liberando arma. Sabe? Tem gente que acha que é bom ter arma em casa, que acha que é bom matar alguém; não! O que nós queremos é pacificar esse país. Porque, para mim, o pequeno produtor rural, o médio produtor rural tem que viver pacificamente com os grandes negócios; o Brasil tem possibilidade de ter os dois.

Um produz mais internamente, o outro produz mais externamente. Ou seja, eu digo sempre o seguinte: o Blairo Maggi, que é o maior plantador de soja do Brasil, talvez ele não crie a galinha caipira que ele gosta de comer. Talvez ele não crie o porquinho orgânico que ele gosta de comer. Talvez ele vá comprar em um pequeno proprietário. Então, é extremamente importante a convivência pacífica dessa gente, e nós já fizemos uma vez, Renata, e vamos fazer outra vez.

[William Bonner]: Candidato, o nosso tempo está quase acabando, ainda dá para fazer mais uma perguntinha. É sobre política internacional. Os seus adversários políticos costumam acusá-lo de apoiar ditaduras latino-americanas de esquerda. O senhor disse que se deve respeitar a soberania interna dos países e o senhor evita criticá-los. Para um democrata, isso não soa como uma contradição, candidato?

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Não. Primeiro, para um democrata, a gente precisa respeitar a autodeterminação dos povos. Cada país cuida do seu nariz. É assim que eu quero para o Brasil, é assim que eu quero para os outros. Veja, você está lembrado que, em 2003, eu tinha apenas um mês de governo, eu criei o grupo de amigos junto com os Estados Unidos, junto com a Espanha, para resolver as pendengas entre a Venezuela e a Colômbia. Sabe, é o seguinte: você sabe que eu, Bonner, tenho na minha cabeça o seguinte: não existe ninguém imprescindível, insubstituível.

Quando o cara começa a pensar que ele é imprescindível, insubstituível, ele está virando um ditador. Você está lembrado que eu tinha 87% de aprovação quando um deputado do PT resolveu propor uma emenda no Congresso Nacional por terceiro mandato e eu não quis? Eu sou favorável à rotação, sabe, do poder. Sabe, a alternância de poder é uma coisa importante. Hoje tem um cara de esquerda, amanhã tem um de direita, depois tem um de centro; é assim que a sociedade caminha. Por isso que eu estou muito tranquilo. Muito tranquilo, sabe, com a minha relação internacional. Aliás, eu vou te dizer uma coisa: se eu ganhar as eleições, você vai ver a enxurrada de amigos que estão desaparecidos que vão vir visitar o Brasil, porque o Brasil vai ser amigo de todo mundo. O Brasil não tem contencioso internacional.

[William Bonner]: Candidato Lula, nós não temos mais tempo para novas perguntas, então chegou aquele momento em que o senhor tem direito a um minuto para se dirigir aos eleitores, como quiser, para suas considerações finais.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Nunca pensei que fosse tão rápido assim 40 minutos. Olha, eu queria dizer ao povo brasileiro que nós já provamos que é possível cuidar do povo brasileiro. Eu não gosto de utilizar a palavra governar, eu gosto de utilizar a palavra cuidar. Ou seja, tentar colocar o pobre no orçamento do país, tentar fazer com que as pessoas possam chegar à universidade, e vocês sabem que eu tenho orgulho de ter passado para a história como o presidente que mais fez universidades, que mais fez escola técnica. Nós pegamos o Brasil com 3,5 milhões de estudantes universitários e deixamos com 8 milhões. Ou seja, esse país é um país do futuro que nós precisamos construir.

Não existe nenhuma experiência de país que ficou rico sem investir na educação. Então, nós vamos voltar para poder investir na geração de emprego. Aliás, uma coisa importante: nós temos quase que 70% das famílias brasileiras endividadas, e a grande maioria delas é mulher: 22% endividadas porque não podem pagar a conta d'água, a conta de luz, a conta do gás. Nós vamos negociar essa dívida. Pode ficar certo que nós vamos negociar, sabe? Com o setor privado e com o sistema financeiro, por que nós precisamos?

[William Bonner]: Seu tempo, candidato.

[Luiz Inácio Lula da Silva]: Fazer com que o povo brasileiro volte a viver com dignidade...

[William Bonner]: Candidato, seu tempo terminou. Mas eu, antes de encerrar, eu preciso fazer uma correção, eu cometi um erro aqui: eu me referi ao dinheiro devolvido à Petrobras como 6,2 bilhões de dólares; não foram de dólares, foram de reais. Está feita a correção aqui. Muito obrigado mais uma vez?

[Renata Vasconcellos]: Obrigada.

[William Bonner]: Obrigado por ter vindo, candidato Luiz Inácio Lula da Silva, está terminando aqui a nossa entrevista, e o "Jornal Nacional" volta daqui a pouco.

Veja análise da entrevista de Lula no Jornal Nacional com os colunistas do UOL: